O medo de contaminação por Covid-19 e a pressão de sindicatos de professores e servidores estão entre os principais motivos para o atraso na retomada das aulas presenciais nas maiores instituições federais de ensino superior do país. Levantamento feito pela Gazeta do Povo mostra que dentre as 27 maiores universidades federais brasileiras – que juntas englobam aproximadamente 850 mil estudantes de graduação – 16 ainda não reiniciaram as aulas presencias. Nas outras, as atividades estão sendo retomadas aos poucos, em regime misto ou híbrido, mas ainda com prevalência das atividades remotas.
Um dos argumentos usados pela comunidade acadêmica para justificar o atraso do reinício de atividades presenciais era a falta de vacinação contra Covid-19. Mas, além dos avanços nas taxas de vacinação – que hoje alcançam quase 60% da população adulta com ciclo completo -, a Advocacia-Geral da União (AGU) recentemente afirmou que a vacinação obrigatória não pode ser condicionante para o retorno das aulas presenciais.
Foi justamente uma universidade federal, a de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que acionou a AGU. A instituição questionava se poderia adotar o chamado “passaporte da vacina” ou “passaporte sanitário” e com isso permitir apenas o retorno às atividades presenciais de servidores ou estudantes já vacinados.
A resposta da AGU foi clara: “não é possível às IFES [Instituições Federais de Ensino Superior] estabelecer a exigência de vacinação contra a Covid-19 como condicionante ao retorno das atividades presenciais”. Para a AGU, cabe às universidades apenas adotar as medidas sanitárias cabíveis e outras orientações das autoridades de saúde locais para implementar o retorno seguro das atividades presenciais.
Pressão
A pressão pela exigência de vacinação vem muitas vezes dos sindicatos de professores e servidores. Na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, por exemplo, o Conselho Universitário aprovou a retomada de algumas atividades presenciais desde janeiro de 2021, mas a decisão gerou protestos e ameaças de greve.
Só em outubro é que a universidade começou o processo de reabertura, com o retorno dos funcionários terceirizados ao serviço presencial. Ainda não há previsão de quando as aulas deixarão de ser apenas remotas ou quando os servidores públicos voltarão ao trabalho.
Segundo o reitor da instituição, Antônio Fernandes Filho, ainda serão feitos estudos e um plano de trabalho para o retorno dos docentes e servidores “de forma escalonada e segura para atividades administrativas de ensino, pesquisa e extensão”.
“Dá para entender a preocupação com a doença [Covid-19], mas o que os sindicatos fazem é absurdo. Não tem negociação, nem conversa. Professores que querem voltar a dar aulas são equiparados a bandidos, assassinos”, relata um professor de uma instituição federal atualmente sem aulas presenciais. Ele preferiu não se identificar com medo de represálias.
Atraso
A maioria das universidades federais está sem atividades presenciais desde março de 2020. A interrupção das aulas e a demora para adequação ao ensino remoto ocasionaram atraso nos calendários acadêmicos. Muitas universidades só começaram o primeiro semestre de 2021 nos meses de setembro ou outubro. Não se sabe ao certo até que ponto esses atrasos e a falta das aulas e atividades presenciais irá afetar a formação desses alunos, mas estudos internacionais já dão mostras de possíveis impactos.
Um relatório do Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (IESALC), feito no início do ano passado, tentou avaliar as consequências a médio e longo prazo da epidemia no ensino superior. A conclusão inicial foi a de que os estudantes foram forçados a entrar em uma dinâmica não planejada de aulas a distância e que aqueles que não tiverem acompanhamento individualizado – nem sempre possível de ser feito apenas com o sistema remoto de ensino – têm maior risco de se desvincular do ritmo acadêmico e de acabar desistindo.
Ainda assim, o Brasil está em boa posição quando comparado a outros países da América Latina. De acordo com monitoramento feito pela IESALC, apenas as universidades do México e do Uruguai estão totalmente abertas, com sistema presencial. Nos demais países, incluindo o Brasil, as universidades estão “parcialmente abertas”, com adoção do sistema híbrido, e abertura do ensino presencial em algumas regiões.
Retorno era previsto para março
Em dezembro de 2020, quando houve uma queda expressiva no número de contaminados e de mortos por Covid-19 no Brasil, cresceu a expectativa em relação à retomada das atividades presenciais em geral, suspensas desde março do mesmo ano. Na mesma época, o Ministério da Educação publicou uma portaria sobre o retorno das aulas nas universidades federais com validade a partir de janeiro de 2021. Posteriormente, a data de retorno das atividades presenciais foi alterado para março de 2021.
No documento, era previsto que as instituições retomassem o sistema presencial, com a adoção de “recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação” de forma complementar. O texto ainda previa que o sistema integralmente remoto de ensino poderia ser adotado caso as autoridades locais suspendessem as atividades letivas presenciais. E muitos municípios e estados, de fato, decretaram a suspensão das aulas – e de outras atividades presenciais –, o que obrigou as instituições a manterem apenas o regime remoto.
Retorno às aulas vai parar na Justiça
No Rio de Janeiro, as universidades e outras instituições federais de ensino do estado travam uma batalha contra uma decisão judicial, em caráter liminar, que determinou o retorno das atividades presenciais até o dia 22 de novembro. A decisão foi do desembargador federal Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que atendeu a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro. Na ação, o MPF argumentou que o ensino online seria de “baixíssima qualidade, não acessível a todos os alunos, e não atende aos requisitos fixados pelo Conselho Nacional de Educação”.
Outro argumento usado foi o da melhora da situação sanitária, com o avanço na vacinação e índices de contaminação mais baixos. Ainda na ação, o MPF lembrou que outras atividades e serviços – como funcionamento de restaurantes e bares e a presença de público em torneios esportivos – já foram liberados pelas autoridades, o que evidenciaria um ambiente propício ao retorno seguro das aulas presenciais. As universidades fluminenses criticaram a decisão com o argumento de que feriria a autonomia universitária.
Por meio de nota, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) disse que não há “condições necessárias – tanto do ponto de vista epidemiológico, quanto do ponto de vista material – para um retorno completo às aulas presenciais”, dentro do prazo estipulado pela Justiça. Apenas em 3 de novembro é que os servidores da instituição começaram a retornar às atividades presenciais. Mas o retorno só é autorizado servidores que já completaram o esquema vacinal contra Covid-19 com duas doses ou dose única há pelo menos 15 dias, contrariando o parecer da AGU. A universidade disse ainda que avalia se adotará ou não a obrigatoriedade da vacina também para os alunos, ponto que também fere o que recomenda a AGU.
Veja a seguir a situação de algumas das maiores universidades federais:
Universidade Federal de São Carlos (UFScar): Aprovou um plano de retomada das atividades presenciais em julho, mas por enquanto não oferece ensino presencial.
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): Apenas ensino remoto. Não tem previsão de retomada do ensino presencial.
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): Reinício das aulas presenciais em setembro, com número reduzido de alunos. Atividades remotas continuam.
Universidade Federal de Uberlândia (UFU): A partir de 29 de novembro, retoma aulas presenciais. Mas a definição da oferta das aulas em formato remoto, híbrido ou presencial será dos Colegiados dos cursos.
Universidade Federal de Viçosa (UFV): Prevê aulas presenciais a partir de janeiro de 2022.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Decisão judicial determinou retomada do ensino presencial até 22 de novembro. Universidade prevê retomar antes, no dia 16.
Universidade Federal Fluminense (UFF): Aulas continuam no sistema remoto. Servidores começaram a retomar trabalho presencial de forma gradativa a partir de outubro.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ): Decisão judicial determinou retomada do ensino presencial até 22 de novembro.
Universidade de Brasília (UnB): Abriu uma consulta sobre a retomada das aulas presenciais com a comunidade acadêmica. Por enquanto, aulas remotas permanecem.
Universidade Federal de Goiás (UFG): Só vai retomar atividades presenciais a partir de 2022.
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT): Prevê atividades presenciais a partir de abril de 2022.
Universidade Federal da Bahia (UFBA): Alguns cursos adotam aulas práticas presenciais, mas o sistema oficial é o online. Ainda não foi definido um prazo para retorno das aulas presenciais.
Universidade Federal da Paraíba (UFPB): Deve ter ensino presencial apenas em 2022.
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG): Aprovou a adoção do modelo híbrido desde o início de 2021, mas aulas continuaram remotas. Sem previsão de retomada do ensino presencial.
Universidade Federal de Alagoas (UFAL): Adota o formato híbrido desde setembro de 2021, mas a maioria das aulas permanece no formato remoto.
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): Adota o sistema híbrido desde setembro de 2021.
Universidade Federal de Sergipe (UFS): Retomou as atividades presenciais a partir de outubro.
Universidade Federal do Ceará (UFC): Prevê atividades presenciais só em 2022.
Universidade Federal do Maranhão (UFM): Adota o sistema híbrido desde setembro.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN): Atividades presenciais devem voltar gradativamente a partir de 2022.
Universidade Federal do Amazonas (UFAM): Também só prevê atividades presenciais em 2022.
Universidade Federal do Pará (UFPA): Aprovou retorno das atividades presenciais a partir de setembro. Mantém o regime híbrido, mas prevê aumento gradativo do ensino presencial.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS): Ensino remoto previsto até 30 de novembro, podendo ser prorrogado.
Universidade Federal de Pelotas (UFPel): Começou a retomar atividades práticas presenciais gradualmente em outubro.
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): Permite atividades presenciais “com impacto na Covid-19 ou essenciais”, desde que previamente aprovadas pela administração.
Universidade Federal do Paraná (UFPR): Iniciou ano letivo de 2021 em setembro, com atividades híbridas, remotas e presenciais. Cada colegiado tem autonomia para definir o sistema a ser adotado.
Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR): Trabalha com formato híbrido desde setembro, mas a maioria das aulas ainda é remota.
Gazeta do Povo