Da Redação
O combate ao desmatamento em Mato Grosso foi tema de audiência entre representantes do Ministério Público, Secretaria de Meio Ambiente (Sema) e organizações da sociedade civil na terça-feira (30), na Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso.
A reunião foi motivada pela divulgação dos números de desmatamento nacional pelo Prodes, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mostraram um cenário muito mais grave do que o esperado em Mato Grosso.
O estado aparece como terceiro que mais destruiu a floresta no período entre agosto de 2020 e julho de 2021, sendo responsável por 17,1% do desmatamento total da Amazônia brasileira. Pará e Amazonas ocupam as primeiras posições. Os 2.263 quilômetros quadrados devastados representam 27,2% a mais do que o mesmo período do ano anterior
O MPMT e o Observa-MT, iniciativa que reúne organizações socioambientais de Mato Grosso, convocaram o encontro, que foi realizado presencialmente e com transmissão online contando com mais de 170 pessoas na plateia virtual.
A audiência foi presidida pelo procurador da Justiça Luiz Alberto Scaloppe e teve a participação da promotora Maria Fernanda Corrêa da Costa; de Alice Thuault e Ana Paula Valdiones, representando o Observa-MT e o Instituto Centro de Vida (ICV); de Alex Marega, secretário adjunto de meio ambiente (Sema); e do tenente-coronel Fagner do Nascimento, comandante do batalhão da Polícia Militar de Proteção Ambiental.
Scaloppe abriu a conversa observando que houve uma ampliação inegável de fiscalização pelo estado. Mas que justamente por isso seria importante entender por que os resultados seguem tão ruins.
“A gente tem que reconhecer que os esforços do estado são muitos, mas também é importante reconhecer que o desmatamento aumentou, apesar disso”, resumiu o procurador.
Em seguida, a diretora executiva do ICV Alice Thuault apontou três questionamentos ou recomendações para guiar a conversa. 1) A fiscalização maior em nível estadual pode ter gargalos a serem resolvidos, enquanto a federal diminuiu; 2) Os dados do Prodes mostram desmatamento descontrolado na Terra Indígena Piripkura e, apesar de sua proteção ser competência da União, trata-se de uma situação emergencial que deve contar com participação do estado; 3) Cerca de 60% do desmatamento ilegal estão em áreas privadas, mostrando que as autoridades públicas precisam ampliar ações de rastreabilidade e transparência para conter esse tipo de desmate.
Os dados citados por Thuault integram um levantamento realizado pelo ICV a partir dos números do estado revelados pelo Prodes. Eles foram detalhados em seguida por Ana Paula Valdiones, coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do ICV e autora do estudo.
A especialista mostrou que a maior parte do desmatamento (60%) acontece em propriedades rurais inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e apenas 10 municípios concentram 60% do desmate.
Também foi exposta a concentração do desmatamento ilegal em um número pequeno de propriedades. Apenas 184 imóveis rurais responderam por 1/3 de toda a derrubada sem autorização no estado.
Diante da exposição dos dados, o procurador Scaloppe afirmou o interesse em realizar uma recomendação expressa aos promotores de Justiça dos municípios em questão. “Às vezes um aviso e comunicação dessa fazem a diferença em ações a serem tomadas”, comentou.
“Mato Grosso avançou muito em transparência. É um dos poucos estados em que conseguimos identificar o que de fato é ilegal. A questão é: como fazer que os infratores sejam responsabilizados?”, perguntou a especialista durante a apresentação.
Durante a COP-26, o governo do Mato Grosso relatou que havia conseguido reduzir os alertas de desmatamento em 30,6% no último trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado.
As informações foram baseadas em dados oficiais do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter/Inpe). Contudo, após divulgação das taxas do Prodes, feita com atraso, foi constatado o novo recorde de derrubada de árvores.
Com o aumento no número de autos lavrados pela Secretaria de Meio Ambiente, o secretário adjunto Alex Marega sinalizou surpresa com os novos dados de mata derrubada.
“Todos fomos surpreendidos. Tínhamos a sensação de que haveria uma redução”, comentou.
A secretaria teve um aumento significativo no número de autos de infração por desmatamento no estado, com aumento de 47% em relação ao período anterior.
Representante do Batalhão Ambiental, o tenente-coronel Fagner Oliveira reforçou que 94% dos autos da entidade em 2020 foram referentes a desmatamento. Foram mais de mil pessoas agindo diretamente em ações de apoio à secretaria.
O representante da Sema apresentou outras ações realizadas pela secretaria, como a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Incêndios Florestais no Estado de Mato Grosso (PPCDIF/MT), implementado por um comitê estratégico de diversas instituições do estado para enfrentamento do problema.
Marega também afirmou que o órgão vai convocar o Inpe para uma reunião técnica após análises de algumas das áreas apontadas como desmatamento no Prodes.
“Fizemos análises e notamos três tipos de inconsistências”, comentou ao se referir a áreas identificadas pela Sema como “falso positivo”, data imprecisa e classificação errônea no desmatamento.
Mesmo quando subtraídas essas áreas, entretanto, as informações ainda preocupam.
Como representante da Operação Amazônia Nativa (Opan), Helson França levou à discussão o impacto sofrido pela Terra Indígena (TI) Piripkura, onde vivem indígenas isolados, e que contabilizou a segunda maior área desmatada em todo o estado.
Um dossiê investigativo da organização com parceiros mostrou a atividade de pecuária sendo exercida na TI Piripkura, inclusive em 15 fazendas que têm registro no CAR – procedimento feito junto à Sema.
O procurador relembrou que o governo federal, através do Ibama e Funai, é o responsável por agir em relação às ocupações indevidas do território indígena.
Scaloppe também aproveitou para falar sobre o uso do CAR por alguns proprietários rurais como documento comprobatório de posse da área, o que é ilegal, o que foi reforçado pelo secretário Marega.
“Se a pessoa entra com esse CAR, ele vai ser invalidado, esse CAR é ilegal”, salientou Marega.
Multas em foco
O secretário executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, salientou na audiência que um dos principais problemas são as autuações lavradas, ou seja, as multas, não serem pagas ao estado.
“O percentual de multas pagas ainda é muito baixo”, comentou.
“O problema do desmatamento no Brasil não é a detecção, mas sim a fiscalização e responsabilização”, comentou Ana Paula Valdiones, ao se referir às tecnologias de ponta existentes e utilizadas tanto pelo estado quanto pelas organizações da sociedade civil.
A especialista citou um levantamento realizado pelo ICV em conjunto com Mapbiomas que mostrou que cerca de 50% das áreas com desmatamento no estado entre 2019 e 2020 não sofreram autuações, embargos ou ações civis públicas.
“Precisamos encontrar formas de fiscalizar e responsabilizar todo o desmatamento ilegal detectado pelos sistemas de monitoramento”, comentou.
O secretário Marega reforçou que o estado busca desbancar a sensação de impunidade existente, ainda aumentada pelo cenário político desfavorável.
“Pode ainda existir essa sensação de que o crime compensa. Mas em Mato Grosso, quem desmatar vai ter dor de cabeça. Vai ser autuado e embargado de forma simultânea”, disse.
“Lavrar autos de infração não tem surtido efeito”, comentou a promotora e coordenadora do Centro de Apoio Operacional Ambiental (CAO), Maria Fernanda da Costa. “Até quando vamos continuar? Precisamos punir criminal, civil e administrativamente porque muita gente ainda acha que vale a pena continuar desmatando.”
Como finalização do evento, Thuault trouxe pedidos como encaminhamentos da audiência do MP: uma delas foi a retomada das reuniões periódicas do PPCDIF, ações em relação a TI Piripkura, melhorias nas transparências nos processos de multas, atrelamento dos autos de infração do estado a sistemas de rastreabilidade das cadeias produtivas e maior transparência da Guia de Trânsito Animal (GTA).
“Somos a geração que precisa fazer isso acontecer”, disse a diretora do ICV. “Nossos compromissos para mitigar mudanças climáticas vão até 2030 e Mato Grosso tem um papel nisso. Quando vemos os dados, fica óbvio que precisamos dar mais fôlego ao que já está sendo feito e ainda promover melhorias no rastreamento das cadeias.”