A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção foi assinada por diversos países em 9 de dezembro de 2003, na cidade de Mérida, no México. Desde então, este tem sido um dia de celebração da luta contra à corrupção, mas hoje temos pouco a comemorar.
Dados das Organizações das Nações Unidas revelam que anualmente são desviados cerca de 2,6 trilhões de dólares com pagamento de propinas e outros atos de corrupção.
Certamente este tipo de crime é um dos mais perversos, pela sua capacidade de destruição em série, seja por ceifar vidas por falta de atendimento médico-hospitalar, pela falta de segurança pública e pela ausência de atendimento social à população que vive na vulnerabilidade, seja por destruição dos sonhos das crianças, adolescentes e jovens que ficam sem acesso à educação, cultura e ciência.
A base do combate à corrupção é formada por um tripé, cujos pilares são: transparência, controle social e controle estatal (interno e externo).
O enfraquecimento de apenas um desses pilares já se revelaria comprometida essa ação, mas o que vemos atualmente é um ataque coordenado sobre essas três frentes.
Se na quadra anterior se viu um avanço em termos de legislação de transparência e anticorrupção e de fortalecimento dos órgãos de controle, o que se vê agora é uma reversão daquelas conquistas.
Se a Lei de Acesso à Informação (LAI) estabeleceu a divulgação como regra e o sigilo como exceção, os regulamentos deram interpretações mais restritivas, permitindo que diversos atos pudessem ser classificados como reservados e secretos, estabelecendo prazos longínquos para a sua divulgação.
Nessa mesma esteira, a pretexto de cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), os agentes públicos acabam estabelecendo uma série de regras que dificultam ainda mais o acesso à informação.
De forma ainda mais grave, o que se revela é que um órgão de controle se vê repelido a compartilhar dados de que tem posse com outro órgão de controle, sob pena de estar desrespeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
O controle social, que antes era incentivado, agora se vê reprimido, com alterações de normas acerca do funcionamento dos conselhos e das organizações sociais, com extinção de alguns e desmantelamento da estrutura de outros, alteração de regras de composição e de restrição do seu financiamento.
Os órgãos de controle da Administração Pública sofrem constantes ataques públicos que buscam retirar a legitimidade das instituições. As mudanças legislativas tornaram mais difíceis a sua atuação, como se vê na Lei nº 14.110/2020 e, especialmente, na alteração da Lei de Improbidade Administrativa.
Se antes havia critérios objetivos para determinar a configuração de uma impropriedade ou crime, agora é preciso determinar a vontade do agente.
Não é mais suficiente a apresentação de evidências pelo órgão de controle de que o agente público desrespeitou a lei e cometeu um ato lesivo ao patrimônio público. Agora é preciso que se observe as condições, circunstâncias e razões que o levaram a agir de forma ilícita.
É quase que um exercício de psicanálise. É como se, sentado em um divã, aquele agente pudesse fazer as revelações necessárias para concluir a apuração.
Some-se a isso o fato da competência de atuação, que não é concorrente, mas sim excludente. Ocorre de um órgão ter a capacidade e os elementos para realizar a apuração, mas lhe falta a competência legal para agir, seja em razão da esfera de governo ou pela origem do recurso público.
Acrescente-se ainda medidas administrativas que tornam mais difíceis as apurações, como a remoção de agentes e a criação de regras limitando a atuação do agente de controle.
Tudo isso tem reflexo no índice de percepção da corrupção divulgado pela Transparência Internacional
(https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/ipc-indice-de-percepcao-da-corrupcao-2020).
Em um total de 180 países avaliados, numa escala de zero a cem pontos, o Brasil, com 38 pontos, ocupa a 94ª posição. A Dinamarca com 88 pontos é o país mais íntegro e o Sudão do Sul, com 12, é o mais corrupto.
Embora em uma posição intermediária, o Brasil ficou abaixo da média geral, que foi de 43 pontos, e está mais próximo do mais corrupto do que do mais íntegro.
É preciso acionar o botão de alerta dos órgãos de controle. Se o crime é organizado, também é necessário que os órgãos de controle se organizem.
Embora não se negue a importância dos eventos, conferências e seminários, a integração desses órgãos não pode se limitar a isso. Precisa ir além, de forma a buscar articulação que compartilhem dados e informações, que criem unidades conjuntas de inteligências e que realizem ações integradas de combate à corrupção.
José Alves Pereira Filho é auditor do Estado da Controladoria Geral do Estado de Mato Grosso