Revista Exame
Fundador de uma das principais consultorias em energia do país, a PSR, Mario Veiga acompanha com atenção as repercussões da guerra na Ucrânia e seus impactos no mercado de energia.
Para Veiga, que foi CEO da PSR até 2018 e agora atua como Chief Innovation Officer, o preço do barril do petróleo a US$ 200 dólares depende de alguns fatores como, além da própria evolução da guerra, da dificuldade dos Estados Unidos em convencer produtores globais como Venezuela e Irã aumentarem a produção do óleo no atual cenário de escassez.
“Esta é uma tarefa complexa devido aos fatores politicos e, no caso da Venezuela, além do antagonismo com o governo, existem problemas técnicos na estrutura de produção de petróleo”, diz.
Veiga também aponta que, numa perspectiva de transição energética, o Brasil está em uma situação privilegiada por duas razões. “A primeira é que nossa matriz elétrica já é muito limpa, devido às hidrelétricas e, mais recentemente, às eólicas e solares. A segunda é que essas fontes limpas já são as mais econômicas”, diz.
Em 2020, o banco BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME) anunciou uma parceria estratégia com a PSR, com a aquisição do controle da consultoria de energia pela holding do banco.
Leia a seguir a entrevista de Veiga:
Em um contexto de guerra comercial contra a Rússia, em função das sanções econômicas da guerra, qual é a probabilide de o barril do petróleo subir a US$ 150 ou US$ 200? E quais os impactos econômicos desse cenário?
A probabilidade de preços de petróleo por volta de US$ 200 o barril depende de três fatores. O primeiro, obviamente, é a evolução da guerra. Por exemplo, o simples anúncio de negociações entre Rússia e Ucrânia resultou em uma redução do preço para abaixo de 100 dólares.
O segundo fator é o êxito dos Estados Unidos em convencer Arábia Saudita, Irã e Venezuela a aumentar a produção. Esta é uma tarefa complexa devido aos fatores politicos (afastamento entre Biden e sauditas, retomada do acordo nuclear com o Irã e levantamento das sanções) e, no caso da Venezuela, além do antagonismo com o governo, existem problemas técnicos na estrutura de produção de petróleo.
O terceiro fator é o boicote às exportações russas de petróleo e gás. É possível que o levantamento do boicote seja usado como elemento de negociação entre Rússia e Ucrânia.
Qual é o peso das dificuldades de logística mundiais intensificadas pela guerra em relação à volatilidade dos preços do petróleo?
Na situação atual o transporte do petróleo não tem sido um fator relevante. No caso de um acirramento das tensões, com ataques à infraestrutura de países da OTAN, poderia haver uma disrupção severa. Mas nesse caso, a catástrofe maior viria da ampliação dos conflitos em si.
O preço do gás natural, que já havia escalado por causa da pandemia, voltou a subir ainda mais com a guerra e as sanções à Rússia: o quão exposto o Brasil está ao risco de aumento de preço do gás natural em um contexto em que propostas para um novo desenho da matriz energética não avançaram?
O Brasil está em uma situação confortável com relação à segurança física de suprimento de petróleo e gás, devido à produção local. O dilema está no uso de preços internacionais para o mercado interno.
Uma discussão semelhante ocorreu na Europa com o aumento explosivo dos preços de eletricidade e gás antes da guerra, causado por uma combinação de fatores (redução atípica dos ventos, baixo estoque de gás etc.); todos os governos buscaram maneiras de proteger pelo menos em parte os consumidores deste aumento, com propostas de uma taxa sobre o lucro excessivo dos geradores (windfall profit), uso de fundos governamentais etc.
É necessário encontrar um equilíbrio entre manter a eficiência dos sinais de mercado e proteger os consumidores de um choque excessivo de preços, pois é difícil para a demanda se adaptar a mudanças bruscas (no jargão dos economistas, há baixa elasticidade da demanda no curto prazo).
Em termos globais, a transição para energias renováveis e limpas seria capaz de compensar num curtíssimo prazo a exclusão da Rússia do mercado de petróleo no Ocidente?
Não. A construção de parques eólicos, solares etc. leva tempo, pois envolve fabricação, licenciamento, logística de mineração de elementos como lítio para as baterias etc. A grande mudança potencial da transição energética resultante da guerra é a aceitação da energia nuclear como fonte.
Como sabemos, a geração nuclear não emite CO2 e é a fonte com maior densidade energética e escalabilidade. No entanto, também como sabemos, há forte oposição de movimentos ambientalistas e receio do público em geral com relação à energia nuclear, pela associação com armas nucleares e eventos como Chernobyl.
No entanto, mesmo antes da guerra, tanto a Inglaterra como a França haviam indicado um interesse maior em explorar a energia nuclear. A França, em particular, é o país de maior proporção nuclear do mundo, mas mesmo lá a expansão da geração favorecia as nucleares. Após a guerra, como mencionado, se observa uma mudança de postura em muitos governos com relação ao tema, pois poderia ser um caminho para acelerar a independência do gás russo.
Quais oportunidades se colocam para o Brasil nessa busca pela transição energética em meio à guerra?
O Brasil está em uma situação privilegiada por duas razões. A primeira é que nossa matriz elétrica já é muito limpa, devido às hidrelétricas e, mais recentemente, às eólicas e solares. A segunda é que essas fontes limpas já são as mais econômicas. Em outras palavras, no Brasil os interesses econômicos e ambientais estão alinhados.
Uma possível oportunidade resultante da guerra é a produção de hidrogênio verde para exportação à Europa, que está sinalizando um aumento de interesse. O valor deste hidrogênio para o país pode ser alavancado pela produção de fertilizantes a partir da amônia. Como está no noticiário, a guerra mostrou que nosso agronegócio está vulnerável ao suprimento externo de fertilizantes.
Outro benefício potencial para o setor elétrico seria usar o hidrogênio como demanda flexível, isto é, no caso de problemas de suprimento a produção seria reduzida, em troca de uma determinada remuneração. Este processo de resposta da demanda é semelhante ao da produção de alumínio no passado, só que mais flexível.
Há entraves legais no Brasil para ampliar a exploração das energias limpas no Brasil?
Como mencionado, as energias limpas no Brasil já são as mais competitivas, e temos mecanismos para contratação das mesmas, como as licitações de contratos de suprimento. Além disso, já há incentivos para a geração distribuída.
Como avalia a atuação da Petrobras nesse momento, com o repasse de 18% no preço dos combustíveis?
A questão de preços de energéticos em situações de choque de suprimento é bastante complexa, e encontrar o melhor equilíbrio entre a eficiência dos sinais de mercado e amenizar os impactos para o consumidor é de responsabilidade do governo, não da Petrobras.
O Senado aprovou na quinta, 10/3, mudanças no ICMS para segurar os preços dos combustíveis. As PLs dos combustíveis serão capazes de minimizar o impacto da volatilidade dos preços nos postos de gasolina?
Isoladamente, não. Como visto na resposta anterior, é uma questão que requer um conjunto coordenado de ações por parte do governo.