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Dinheiro e vergonha não combinam

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Recentemente deparei-me com um artigo escrito pela criadora de um site sobre dinheiro, que também é membro independente de conselhos de administração de empresas. O texto foi veiculado em um site de grande relevância no universo financeiro. O título insinuava sobre a dificuldade de se dizer rico e trazia a história de uma amiga da escritora que, tendo vergonha de dizer a real condição da família, disse para o filho que eles eram pobres. Tal declaração desencadeou, no filho,uma série de reações no cotidiano acerca de uma preocupação extrema sobre a possibilidade de a família passar por dificuldades, uma vez que viviam de forma confortável tendo um padrão de vida elevado. Definitivamente, dinheiro e vergonha não combinam.

A obra “A revolta de atlas”, escrito por Ayn Rand, em suas mais de mil páginas, apresenta um cenário em que as mentes pensantes, indivíduos produtivos, desistem de seus negócios quando burocratas fecham o cerco com medidas tidas como necessárias. O mantra era que todos deveriam ter acesso a oportunidades, bens e serviços conforme sua necessidade, e não pela suacapacidade de produzir.

A obra de Rand é apontada como a segunda mais lida nos EUA, estando atrás apenas da blia. Apesar de ser uma ficção, muito do que é apresentado neste romance parece ser real. A parte que mais me chamou atenção é o chamado discurso sobre o dinheiro, no qual um dos personagens de grande destaque na obra, Francisco D’Anconia, em uma festa, declama tal discurso diante de homens e mulheres que julgam o dinheiro como algo perverso, vergonhoso, um verdadeiro fardo a ser conquistado ou herdado.

O discurso é longo e a seguir deixarei pílulas que creio serem relevantes para entender a importância do dinheiro.

Sobre a origem do dinheiro o discurso nos elucida:

“Ele é um instrumento de troca, que só́ pode existir quando há́ bens produzidos e homens capazes de produzi-los. O dinheiro é a forma material do princípio de que os homens que querem negociar uns com os outros precisam trocar um valor por outro. O dinheiro só́ se torna possível por intermédio dos homens que produzem.”

Por que ter vergonha do dinheiro quando a forma dele ser ganho é justa, ou honesta? D’Anconia então responde:

“Quem aceita dinheiro como pagamento por seu esforço só́ o faz por saber que será́ trocado pelo produto do esforço de outrem. Não são os pidões nem os saqueadores que dão ao dinheiro o seu valor. Nem um oceano de lágrimas nem todas as armas do mundo podem transformar aqueles pedaços de papel no seu bolso no pão de que você̂ precisa para sobreviver. Aqueles pedaços de papel, que deveriam ser ouro, são penhores de honra, e é por meio deles que você̂ se apropria da energia dos homens que produzem. A sua carteira afirma a esperança de que em algum lugar no mundo ao seu redor existam homens que não traem aquele princípio moral que é a origem do dinheiro.”

Quanto à produção, D’Anconia nos explica que ela precede a doação:

“Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforço muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a fazer isso. Tente obter alimentos usando apenas movimentos físicos e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que já houve na Terra. A riqueza é produto da capacidade humana de pensar. O dinheiro é feito – antes de poder ser embolsado pelos pidões e pelos saqueadores – pelo esforço honesto de todo homem honesto, cada um na medida de suas capacidades. O homem honesto é aquele que sabe que não pode consumir mais do que produz.”

Já quanto ao merecimento do dinheiro o discurso aborda que:

“Comerciar por meio do dinheiro é o código dos homens de boa vontade. O dinheiro se baseia no axioma de que todo homem é proprietário de sua mente e de seu trabalho. O dinheiro não permite que nenhum poder prescreva o valor do seu trabalho, senão a escolha voluntária do homem que está disposto a trocar com você o trabalho dele. O dinheiro permite que você obtenha em troca dos seus produtos e do seu trabalho aquilo que esses produtos e esse trabalho valem para os homens que os adquirem, nada mais que isso. O dinheiro só permite os negócios em que há benefício mútuo segundo o juízo das partes voluntárias.”

Além disso, para o personagem, o lucro é a recompensa de toda habilidade humana de pensar e realizar:

“O dinheiro exige o reconhecimento de que os homens precisam trabalhar em benefício próprio, não em detrimento de si próprios. Para lucrar, não para perder. De que os homens não são bestas de carga, que não nascem para arcar com o ônus da miséria. De que é preciso lhes oferecer valores, não dores. De que o vínculo comum entre os homens não é a troca de sofrimento, mas a troca de bens. O dinheiro exige que o senhor venda não a sua fraqueza à estupidez humana, mas o seu talento à razão humana. Exige que compre não o pior que os outros oferecem, mas o melhor que ele pode comprar. E, quando os homens vivem do comércio – com a razão e não à força, como árbitro ao qual não se pode mais apelar –, é o melhor produto que sai vencendo, o melhor desempenho, o homem de melhor juízo e maior capacidade – e o grau da produtividade de um homem é o grau de sua recompensa. Esse é o código da existência, cujos instrumento e símbolo são o dinheiro.”

Muitos dizem que dinheiro “não é tudo”, e realmente não é:

“Ele pode levá-lo aonde o senhor quiser, mas não pode substituir o motorista do carro. Ele lhe dá meios de satisfazer seus desejos, mas não lhe cria desejos. O dinheiro é o flagelo dos homens que tentam inverter a lei da causalidade – aqueles que tentam substituir a mente pelo sequestro dos produtos da mente. O dinheiro não compra felicidade para o homem que não sabe o que quer, não lhe dá um código de valores se ele não tem conhecimento a respeito de valores, e não lhe dá um objetivo se ele não escolhe uma meta. O dinheiro não compra inteligência para o estúpido, nem admiração para o covarde, nem respeito para o incompetente. O homem que tenta comprar o cérebro de quem lhe é superior para servi-lo, usando dinheiro para substituir seu juízo, termina vítima dos que lhe são inferiores. Os homens inteligentes o abandonam, mas os trapaceiros e vigaristas correm a ele, atraídos por uma lei que ele não descobriu: o homem não pode ser menor do que o dinheiro que ele possui.”

E para todos aqueles cujo dinheiro simplesmente chega em suas mãos, discurso enaltece o papel do herdeiro:

“Só o homem que não precisa da fortuna herdada merece herdá-la – aquele que faria sua fortuna de qualquer modo, mesmo sem herança. Se um herdeiro está à altura de sua herança, ela o serve; caso contrário, ela o destrói. Mas o senhor diz que o dinheiro o corrompeu. Foi mesmo? Ou foi o herdeiro que corrompeu seu dinheiro? Não inveje um herdeiro que não vale nada: a riqueza dele não é sua, e o senhor não teria tirado melhor proveito dela. Não pense que ela deveria ser distribuída – criar 50 parasitas em lugar de um só não reaviva a virtude morta que criou a fortuna. O dinheiro é um poder vivo que morre quando se afasta de sua origem. Ele não serve à mente que não está a sua altura.”

Na verdade os únicos que devem ter vergonha são os corruptos por não merecem o dinheiro:

“O dinheiro é o seu meio de sobrevivência. O veredicto que o senhor dá à fonte de seu sustento é aquele que dá à sua própria vida. Se a fonte é corrupta, o senhor condena sua própria existência. O seu dinheiro provém da fraude? Da exploração dos vícios e da estupidez humanos? O senhor o obteve servindo aos insensatos, na esperança de que lhe dessem mais do que sua capacidade merece? Baixando seus padrões de exigência? Fazendo um trabalho que o senhor despreza para compradores que não respeita? Nesse caso, o seu dinheiro não lhe dará um momento sequer de felicidade. Todas as coisas que adquirir serão não um tributo ao senhor, mas uma acusação; não uma realização, mas um momento de vergonha. Ele será sempre um efeito e nada jamais o substituirá na posição de causa. O dinheiro é produto da virtude, mas não dá virtude nem redime vícios. Ele não lhe dá o que o senhor não merece, nem em termos materiais nem espirituais.”

O amor ao dinheiro é válido e devemos ter atenção para com aqueles que o amaldiçoam:

“Amar o dinheiro é conhecer e amar o fato de que ele é criado pela melhor força que há dentro do senhor, sua chave mestra que lhe permite trocar seu esforço pelo dos melhores homens que há. O homem que venderia a própria alma por um tostão é o que mais alto brada que odeia o dinheiro – e ele tem bons motivos para odiá-lo. Os que amam o dinheiro estão dispostos a trabalhar para ganhá-lo. Eles sabem que são capazes de merecê-lo. Eis uma boa pista para saber o caráter dos homens: aquele que amaldiçoa o dinheiro o obtém de modo desonroso; aquele que o respeita o ganha honestamente. Fuja do homem que diz que o dinheiro é mau. Essa afirmativa é o estigma que identifica o saqueador, assim como o sino indicava o leproso. Enquanto os homens viverem juntos na Terra e precisarem de um meio para negociar, se abandonarem o dinheiro, o único substituto que encontrarão será o cano do fuzil.”

Homens virtuosos, que têm amor-próprio e autoestima elevada, merecem o dinheiro:

“O dinheiro exige do senhor as mais elevadas virtudes, se quer ganhá-lo ou conservá-lo. Os homens que não têm coragem, orgulho nem amor-próprio, que não têm convicção moral de que merecem o dinheiro que têm e não estão dispostos a defendê-lo como defendem suas próprias vidas, os que pedem desculpas por serem ricos – esses não vão permanecer ricos por muito tempo. São presa fácil para os enxames de saqueadores que vivem debaixo das pedras durante séculos, mas que saem do esconderijo assim que farejam um homem que pede perdão pelo crime de possuir riquezas. Rapidamente eles vão livrá-lo dessa culpa – bem como de sua própria vida, que é o que ele merece. Então o senhor verá a ascensão daqueles que vivem uma vida dupla, que vivem da força, mas dependem dos que vivem do comércio para criar o valor do dinheiro que saqueiam. Esses homens vivem pegando carona com a virtude. Numa sociedade em que há moral, eles são os criminosos, e as leis são feitas para proteger os cidadãos contra eles.”

Os verdadeiros destruidores de riqueza são os criminosos e saqueadores legitimados pela sociedade:

“Mas, quando uma sociedade cria uma categoria de criminosos legítimos e saqueadores legais – homens que usam a força para se apossar da riqueza de vítimas desarmadas –, então o dinheiro se transforma no vingador daqueles que o criaram. Tais saqueadores acham que não há perigo em roubar homens indefesos, depois que aprovam uma lei que os desarme. Mas o produto de seu saque acaba atraindo outros saqueadores, que os saqueiam como eles fizeram com os homens desarmados. E assim a coisa continua, vencendo sempre não o que produz mais, mas aquele que é mais implacável em sua brutalidade. Quando o padrão é a força, o assassino vence o batedor de carteiras. E então essa sociedade desaparece, em meio a ruínas e matanças. Quer saber se esse dia se aproxima? Observe o dinheiro: ele é o barômetro da virtude de uma sociedade. Quando há comércio não por consentimento, mas por compulsão, quando para produzir é necessário pedir permissão a homens que nada produzem – quando o dinheiro flui para aqueles que não vendem produtos, mas têm influência –, quando os homens enriquecem mais pelo suborno e pelos favores do que pelo trabalho, e as leis não protegem quem produz de quem rouba, mas quem rouba de quem produz – quando a corrupção é recompensada e a honestidade vira um sacrifício –, pode ter certeza de que a sociedade está condenada. O dinheiro é um meio de troca tão nobre que não entra em competição com as armas e não faz concessões à brutalidade.”

Liberdade é viver sem coerção ou violência, e é em um ambiente livre em que homens e mulheres podem produzir pela força do trabalho ou capacidade cognitiva de pensar, sendo pagos por pelos bens produzidos e ideias de valor geradas.

Quando as livres trocas passam a ser forçadas, só resta aquilo que o discurso do dinheiro apresenta em seu encerramento:

“Quando o dinheiro deixa de ser o instrumento por meio do qual os homens lidam uns com os outros, então os homens se tornam os instrumentos dos homens. Sangue, açoites, armas – ou dólares. Façam sua escolha, o tempo está se esgotando.”

Constantemente, pessoas tidas como especialistas, artistas e os famosos influencersdigitais tentam dar seu próprio sentido ou valor ao dinheiro. Em clara contradição, tais pessoas sinalizam virtudes ao aclamarem a humildade e condenarem a ostentação e o consumismo, em uma estratégia de envergonhar aqueles que gostam do dinheiro. Por vezes, induzem sua audiência a tomar sua opinião como guia quase sagrado para pautar decisões e escolhas de vida quanto à maneira de ganhar dinheiro e dele usufruir. Dinheiro e vergonha, de fato, não combinam.

 

Luiz Henrique Stanger é  Associado Alumni do Instituto Líderes do Amanhã.

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