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Remoção de matérias jornalísticas, pesquisas eleitorais e o eterno “duplo padrão” do TSE

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Quantas vezes exclamamos, a meia voz e em tom desolado, que “o Brasil é cansativo”? Sim, a cada dia, pesa sobre os nossos ombros a exaustão de acordarmos em um país marcado pela falta de avanços significativos e pela repetição de vícios sociais e institucionais de décadas, como, por exemplo, a adoção, pelo Judiciário, de posturas díspares em situações análogas. Contudo, nem por isso devemos esmorecer, pois o silêncio sobre cada replay de condutas autoritárias e iníquas corresponderia à nossa anuência bovina ao inadmissível.

Você deve lembrar que, na véspera do primeiro turno das últimas eleições, o site O Antagonista havia publicado reportagem contendo uma transcrição, em papel timbrado da Polícia Federal, de interceptação telefônica realizada pela Polícia Federal, em que o traficante conhecido como Marcola declarava apoio à candidatura de Lula da Silva, ao afirmar, em referência a este, que “é melhor, mesmo sendo pilantra”. Como já era de se esperar, o ministro Alexandre de Moraes – sempre ele, o único editor da nossa República! – determinou, a pedido da coligação apoiadora de Lula, a pronta remoção da matéria e, ainda, de todas as postagens correlatas, sob o argumento de que, ao mencionar uma suposta declaração de voto por parte do detento Marcola, a peça teria incorrido na “divulgação de fato sabidamente inverídico”.

Inconformada diante de mais esse ato explícito de censura, a equipe do portal sustentou, em sua defesa, que a reportagem havia consistido na reprodução de uma escuta promovida pela PF, razão pela qual não haveria que se falar em ilegalidade na mera divulgação de trecho de um documento oficial. No entanto, na terra onde a razão do mais forte é sempre a melhor, e onde não há argumento jurídico robusto o suficiente para sobrepujar esse postulado de La Fontaine, Moraes tornou a despachar, novamente a requerimento das siglas petistas, manifestando sua irritação diante do que chamou de descumprimento a determinação judicial, ou, no vocabulário alexandrino, “recalcitrância” do site em disseminar mensagens sabidamente inverídicas. Sem pestanejar, lançou mão do poder da caneta para ordenar, mais uma vez, a retirada de quaisquer conteúdos sobre o tema “em desfavor do candidato Lula da Silva” e para cobrar multa diária do portal, de seu representante e de outros divulgadores da matéria.

O caso em análise ultrapassa o âmbito da liberdade de expressão para atingir o da liberdade de informar e ser informado, assegurada na nossa Constituição Federal. Note-se que a frase “Marcola declara voto em Lula”, presente na reportagem, foi ardilosamente deturpada por Moraes como justificativa para resguardar a sociedade contra o veneno das ditas fake news. Porém, ao afirmar, em termos genéricos, ser “sabidamente inverídico” que presidiários não votem, o primeiro a divulgar notícias falsas é o próprio supremo togado, que, melhor que ninguém, conhece, em razão de seu ofício, a existência de uma boa parcela da população carcerária que participa das eleições. Trata-se de presos provisórios e jovens infratores que, só neste ano de 22, totalizaram 12.963 pessoas em situação de cárcere, mas aptas a votar, conforme informado em matéria midiática bem recente.

Outrossim, a chamada que tanto horripilou Moraes não era um indicativo de voto do criminoso no ex-condenado durante o escrutínio em curso, mas de seu entusiasmo pela candidatura lulista, registrado em diálogo do qual tomaram ciência as autoridades policiais, mediante escuta lícita que foi legitimamente reportada aos leitores pelo veículo jornalístico. Levada às últimas consequências, e por um consectário lógico, a censura ao portal O Antagonista conduzirá, mais cedo ou mais tarde, à imposição de mordaça à própria Polícia Federal, que poderá ser impedida de interceptar conversas entre criminosos, sempre que os colóquios puderem vir a afetar interesses dos nossos figurões.

Nem se poderia cogitar, como também pretendeu Moraes, de qualquer risco efetivo de interferência da matéria no resultado das eleições. De fato, os simpatizantes do político jamais absolvido por crimes gravíssimos não deixariam de votar em Lula apenas em virtude de uma opinião manifestada por Marcola, de modo que não haveria potencial prejuízo à candidatura, como tanto receou o supremo magistrado.

Situação bem outra diz respeito às pesquisas eleitorais e ao flagrante descompasso entre seus dados e os recentes resultados das urnas, tanto na corrida ao Planalto quanto na disputa pelos executivos estaduais. Basta ter em mente, apenas como exemplo, as últimas pesquisas Ipec, que apontavam uma vitória de Lula ainda em primeiro turno, com 51% das intenções contra 37% para Bolsonaro, e, no Estado do Rio de Janeiro, a perspectiva de um segundo turno entre Cláudio Castro e Marcelo Freixo.

Ocorre que, indagadas sobre tamanha disparidade, nenhuma empresa de sondagem de opiniões teve a humildade de admitir seus equívocos graves, e, por meio deles, proceder a revisões profundas em metodologias que se mostraram, na prática, falhas. Pelo contrário, com a verborragia barroquista tão conhecida entre nós, tentaram encontrar escusas para o injustificável e impor aos espectadores a narrativa de que teriam “acertado porque teriam errado”, em afronta a uma lógica básica, acessível até a crianças. As desculpas esfarrapadas das empresas foram ancoradas no chamado “voto útil”, sobretudo em relação à migração súbita de milhões de votos para Jair Bolsonaro, pois, no dizer dos institutos, os eleitores, diante da iminência de um resultado favorável a Lula já em primeiro turno, teriam desembarcado das candidaturas de Simone Tebet e Ciro Gomes para optarem pelo atual ocupante do Planalto. Ora, a ser verídica a alegação das empresas, não teriam os resultados por elas divulgados influenciado diretamente as decisões de parcela expressiva do eleitorado, com visíveis prejuízos aos demais candidatos que não os da dupla na pole position?

O tema foi discutido, em detalhes, em recente artigo de Mário Sabino , no qual o jornalista se debruçou sobre a comparação entre os dados das pesquisas e os números efetivos descortinados nas urnas, sobre a retórica trazida pelas empresas em sua defesa, e sobre o risco de interferência de números errôneos sobre as escolhas do eleitorado, pois a disseminação de tais resultados “desencoraja o financiamento de candidatos prejudicados por elas, enquanto encoraja os beneficiados e desanima comandantes de campanhas e os seus cabos eleitorais”. Em sua conclusão, Sabino sugere que o TSE adote, no tocante às pesquisas, o mesmo rigor com o qual trata as “fake news da tia do zap”, o que me parece uma exigência de coerência indispensável a qualquer corte de justiça que se pretenda legítima.

Como liberal aguerrida, creio que as notícias devam circular sem restrições, inclusive para que possam vir a ser desmentidas por outras, dentro do mesmo ambiente de liberdade. Em relação às empresas de pesquisas, tendo a achar que, pelo menos a partir desta corrida de 22, o mercado eleitoral deverá enxergar seus dados com descrédito crescente, até que se recuse por completo a consumi-los, caso em que, à beira da falência, os institutos poderão ver-se forçados a rever seus métodos de inquirição.

De toda forma, inadmissível é que uma instância judiciária responsável pela composição de conflitos eleitorais se esmere em censurar quaisquer manifestações rotuladas, a critério exclusivo dos togados, como falsas ou prejudiciais, e feche os olhos a erros grosseiros de sondagem que efetivamente contribuem para distorcer a vontade originária dos eleitores. A quem aproveita o uso, nesse caso, do padrão de “dois pesos e uma medida”? Fica no ar mais essa instigante questão sobre um Brasil avesso à institucionalidade, e cujos meandros não são para iniciantes.

 

Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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