(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 7 de novembro de 2022)
O que a alta Justiça brasileira está fazendo com o economista Marcos Cintra é um escândalo. Cintra, como todos sabem, não é um bolsonarista e, portanto, não está na lista negra do sistema STF-TSE — ao contrário, foi candidato a vice numa chapa que se opunha a Jair Bolsonaro nas últimas eleições, e dirigiu a ele críticas pesadas durante toda a campanha eleitoral. Nessa condição, e como qualquer cidadão comum, escreveu umas poucas palavras no Twitter para dizer que considerava conveniente a Justiça Eleitoral averiguar os fatos em torno das alegações de que em dezenas de urnas o presidente não teve nenhum voto, zero, nada — ou, então, 1 voto só. Foi só isso: disse que seria bom investigar. Não disse e nem sugeriu, em nenhum momento, que tenha havido fraude, nem nada — só observou que, na sua opinião, seria bom esclarecer o que tinha acontecido. Também teve o cuidado de usar termos prudentes, educados e respeitosos em sua postagem.
A resposta à observação de Cintra foi automática: seu perfil no Twitter foi imediatamente censurado, por uma “demanda judicial”. Mas o que ele fez de errado, ou ilegal? A Justiça Eleitoral, entre outras funções, não existe exatamente para isso — ouvir as observações que o cidadão queira fazer sobre a eleição? Pior: a decisão não foi levada a público, como deve ser qualquer ato judicial; o site Poder360 procurou o TSE para apurar o que havia acontecido, e não recebeu informação nenhuma. Pior ainda: o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, disse numa nota oficial, com todas as palavras, que Cintra utilizou as redes sociais para atacar “as instituições democráticas”. Isso é uma acusação objetivamente falsa — as observações do economista estão registradas por escrito em seu tuíte, e não existe nelas nenhum ataque à democracia, ou a quem quer que seja, mas apenas um pedido de investigação. Pior do que tudo: Cintra foi intimado a comparecer à Polícia Federal para ser interrogado pela suspeita de “crime eleitoral”.
Fica decidido, assim, que o cidadão brasileiro não apenas está proibido de pedir a atenção do TSE para algo que julga relevante — se fizer isso, vai receber punição. Onde está escrito, na legislação brasileira em vigor, que o ministro Moraes tem o direito de fazer o que fez? É ilegal — como têm sido patentemente ilegais dezenas de decisões que ele vem tomando, de forma sistemática, no exercício de sua função. A eleição já acabou; o ministro, porém, decidiu criar no Brasil o estado de eleição perpétua, pelo qual ele se sente autorizado a continuar utilizando o TSE para censurar manifestações de pensamento e jogar a polícia em cima de pessoas que não cometeram crime nenhum. Tudo isso é vendido como um virtuoso esforço para impedir que sejam divulgadas “notícias falsas”. É insano: quem decide o que é falso ou é verdade? O ministro Moraes? Em que lei está escrito isso? A Constituição não proíbe a mentira, que é punida na forma da lei pelo Código Penal. O que ela proíbe, sem a mínima dúvida, é a censura. O alto Judiciário brasileiro deu a si próprio o direito de desrespeitar a Constituição — e diz que está fazendo isso para salvar a “democracia” no Brasil.