O mundo não irá se tornar livre pela criação de novas leis ou por causa da renovação de leis antigas. Também não será por causa de novos líderes políticos e nem por causa do resultado de eleições. Tampouco será por causa de uma mudança no governo.
O mundo irá se tornar mais livre somente em decorrência de uma mudança na atitude das pessoas em relação ao governo. Não será por causa de legislações, mas sim em decorrência de um desprezo por legislações.
A mudança genuína ocorrerá não quando o estado for reformado, mas quando ele for ignorado. Não quando os políticos forem melhores, mas quando eles forem irrelevantes.
Quando as leis criadas pelo estado não mais forem consideradas necessárias ou importantes, o estado deixará de ser respeitado. E quando ele deixar de ser respeitado, ele não mais conseguirá se impor sobre ninguém, pois sua existência deixará de ser exequível.
É assim que o mundo irá mudar.
Evidências frente à descrença
O mundo pode sim se livrar desta relíquia bárbara conhecida como ‘estado’. O estado é uma poderosa ficção cujo poder depende totalmente da crença das pessoas em sua necessidade, ou inevitabilidade. Mas a crença no estado não é insuperável. Não é intransponível. Não é algo que está contido em um microchip indestrutível inserido na mente das pessoas.
Pressupor que um estado tem de existir ou que ele sempre existirá não é um fato indiscutível. O estado, assim como várias outras superstições hoje tidas como ultrajantes, deploráveis, desumanas ou ineficientes, pode perfeitamente um dia ser jogado na lata de lixo da história.
No passado, foram inúmeras as pessoas que riram da noção de que uma instituição tão velha quanto a própria humanidade, a instituição da escravidão, um dia seria ou poderia ser abolida. O senso comum que prevaleceu durante séculos, mesmo entre aquelas pessoas que já haviam percebido a repugnância moral da escravidão, era o de que a escravidão era apenas um aspecto inerente à natureza humana. Reformistas argumentavam que a melhor coisa que podia ser feita era tentar criar uma versão mais humana para a escravidão.
A escravidão era uma instituição que, por mais diabólica que fosse e por mais utópicos que parecessem aqueles que defendiam que o mundo seria melhor sem ela, estava aqui para ficar. Alguns dedicaram sucessivos esforços para tentar aprimorar a instituição da escravidão, para ensinar os senhores de engenho a serem “bons” e “mais humanos” para com seus escravos. Alguns criaram regras e costumes com o intuito de limitar os efeitos mais sórdidos da instituição. Mas a instituição em si era considerada tão inevitável quanto a escassez e a morte.
O erro fatal deste raciocínio é que a escravidão e o governo, ao contrário da escassez e da morte, são instituições criadas por humanos. Escravidão e governo são, acima de tudo, construções mentais.
Suas manifestações físicas não são realidades que os humanos simplesmente encontram na natureza, mas realidades que nós mesmos criamos. E humanos só criam aquilo que antes imaginam. Uma ideia só irá se tornar uma ação caso o indivíduo atuante acredite que vale a pena levar adiante tal ideia.
Para subjugar outro ser humano, ou para tolerar e permitir a subjugação de um ser humano por outro, é necessário antes que o indivíduo tenha em mente a ideia da subjugação, e que ele creia que implementá-la é preferível a ignorá-la ou condená-la. Já a escassez e a morte natural não necessitam de nenhum consentimento humano. O velho ditado sobre a morte e os impostos serem inevitáveis é somente metade verdadeiro.
Se o estado, assim como a escravidão, é o resultado das ideias de indivíduos, então ele não é inevitável. Algum dia a humanidade ainda irá olhar para trás e vislumbrar a instituição chamada estado com a mesma sensação de vergonha e estupefação que sente hoje em relação à escravidão.
Como foi possível que tantas pessoas — várias delas boas pessoas — vivessem suas vidas diariamente cercadas por uma instituição tão corrupta, tão desumana, tão ignóbil, tão coerciva, tão violenta e tão aviltante? Elas realmente consideravam tal instituição necessária? Elas realmente não percebiam o quão degradante tal instituição era?
Será difícil entender como tantos humanos consideravam o estado inevitável, tolerável e até mesmo bom. Assim como a escravidão se tornou uma relíquia odiada, o mesmo pode ocorrer ao estado.
Como tudo acontece
A escravidão não foi abolida por mudanças nas regras, nas leis ou nas lideranças políticas. Tais mudanças normalmente são meras consequências de mudanças na mentalidade e na crença das pessoas. Embora mudanças nas regras, nas leis ou nas lideranças políticas erroneamente recebam os créditos, elas jamais são a causa. A escravidão acabou assim que as ideias das pessoas a respeito dela foram alteradas.
As pessoas passaram a acreditar que a escravidão não apenas era um mal, como também era um mal desnecessário. As pessoas começaram a ver a escravidão como algo tão maléfico, que elas se tornaram dispostas a tolerar os inevitáveis sacrifícios de curto prazo trazidos pela abolição da escravidão com o intuito de colher os frutos do aperfeiçoamento de longo prazo da condição humana.
O cálculo de custo e benefício foi alterado tão logo a noção de moralidade das pessoas sobrepujou o temor da ‘instabilidade institucional’. As desconhecidas consequências da abolição da escravidão se tornaram um risco aceitável quando comparadas aos conhecidos males da instituição, os quais haviam se tornado uma realidade inaceitável.
Reforma política
Reformas políticas jamais podem produzir liberdade. Elas podem, em raras ocasiões, ampliar um pouco de liberdade para apenas algumas pessoas; porém, enquanto tal ampliação ocorrer via métodos políticos, o que realmente estará ocorrendo é uma barganha que está retirando a liberdade em algumas outras áreas. Quase sempre, haverá um fomento de longo prazo da confiança no estado. Todo o jogo político se resume a rearranjar e a reforçar a necessidade do estado.
O jogo político atrai grande atenção e, sendo assim, vários sugerem utilizá-lo como uma maneira de educar as pessoas sobre o poder da liberdade. Mas utilizar a política como ferramenta educacional somente será de alguma valia no longo prazo se tal medida também ensinar às pessoas que, no fundo, a política é um mal, e que o governo jamais pode ser uma instituição benéfica.
Se a política meramente inspirar as pessoas a defender a ideia de que o estado pode melhorar as coisas, então ela não irá, no final, tornar a sociedade mais livre. É a descrença na política e no estado o que leva à liberdade.
Sempre haverá pessoas com desejo de poder, com desejo de controlar os outros. Somente quando o resto não mais acreditar que tal poder é necessário, e consequentemente não mais obedecer às ordens dos senhores de engenho, poderá a liberdade triunfar.
Mudança de foco
Humanos querem resolver problemas da maneira mais imediata e direta possível. Queremos saber onde começa o problema da restrição da liberdade. Descobrimos a fonte de maneira gradual e progressiva.
Primeiro, o foco está nas pessoas — na liderança política considerada incapaz e corrupta. Isso rapidamente se generaliza para partidos políticos ou grupos, depois para políticas e leis, depois para agências e instituições, até finalmente chegar ao próprio estado.
Neste ponto parece que chegamos ao âmago do problema: o estado em si, e não as personalidades, partidos, agências ou leis sob seus auspícios. Porém, uma mudança de foco ainda mais profunda é necessária. O estado não é a raiz do problema. O real problema não é uma instituição, mas uma ideia. A ideia de que o governo é necessário. É esta ideia a culpada de todas as coisas ruins que o estado já fez.
Uma pequena mudança de foco já está ocorrendo. Algumas pessoas já percebem que não há diferenças entre partidos políticos. Outras não acreditam que políticos são seres superiores capazes de solucionar problemas criados pelo próprio estado. E já é mais comum ver instituições estatais e os incentivos distorcidos criados pelo governo sendo criticados. Isso é um progresso, mas é muito pouco. Ainda é muito raro ver a existência do próprio estado sendo criticada, e ainda mais raro é ver uma crítica à ideia de que o estado é necessário.
A crença em sua necessidade é que o concede todo poder ao estado, o qual, por definição, é repleto de maus incentivos que atraem e estimulam pessoas ruins. Dizer que pessoas, partidos ou políticas são o problema é como culpar a calçada por ter quebrado a sua perna após você ter ignorado que o prédio possuía escadas e elevadores e ter decidido pular da janela. Xingar a calçada é inútil e ignorante. A reação adequada seria questionar a necessidade de pular da janela; talvez, ao fazer isso, você descobriria outros métodos menos dolorosos para alcançar o seu objetivo de chegar à rua.
Não existe uma forma ou arranjo de estado que seja garantidor da liberdade. A solução sempre será paz, livre mercado e voluntarismo. O anel do poder não pode ser utilizado para o bem; ele deve ser jogado no fogo antes que o bem seja utilizado como desculpa para o mal.
Mudando vidas e mudando a vida
Não quero aqui subestimar as possíveis consequências de algumas tentativas de se reformar o estado. Por meio de tais esforços, vidas podem ser mudadas. Uma decisão judicial pode salvar um indivíduo ou toda uma vizinhança de ser demolida e desapropriada pelo estado. A revogação de uma regulamentação pode mudar para melhor a vida de um empreendedor, permitindo que ele finalmente possa correr atrás de seu sonho. Tais medidas são análogas a donativos enviados para regiões que sofreram desastres naturais; elas podem genuinamente mudar vidas e oferecer um grande alívio. Elas podem mudar vidas, mas não podem mudar a vida.
Desastres sempre ocorrerão. Assim como as condições que geraram fome não são melhoradas com o alívio instantâneo da pessoa que recebe donativos, as ações estatais que destroem a liberdade não são abolidas quando determinadas ações estatais momentaneamente deixam de estorvar uma vizinhança ou de regular um determinado setor da economia.
O estado sempre continuará — pois depende disso — buscando sua própria expansão, e crescerá em cima de todos os pontos fracos que encontrar, garantindo que um incontável número de vidas continue dependentes de sua existência, mas sem que as condições gerais de vida sejam fundamentalmente alteradas. Tratar a doença é uma medida nobre, mas não é o mesmo que erradicar a doença.
Mudar vidas é um trabalho nobre e gratificante. Mas para aqueles corajosos o bastante para sonhar, mudar a vida é uma bem-aventurança, e é algo que só pode ser feito por meio do enfraquecimento — e não do aperfeiçoamento — do estado.
O que fazer?
A única tática que merece ser perseguida é a do esclarecimento. O esclarecimento próprio e o dos outros, sempre de maneira contínua. Isso não significa dizer às pessoas em que acreditar ou o que fazer. Trata-se muito mais de descoberta do que de educação. Um professor, por meio do fornecimento de informações, pode ajudar um aluno a descobrir a verdade, mas o aluno tem de ter a curiosidade e a ânsia da descoberta. É o próprio descobridor quem decide se quer ou não descobrir.
Torne-se uma pessoa livre e a sua liberdade será um estímulo e um farol para outras que também querem ser mais livres. Comporte-se como uma pessoa livre e todos irão querer imitá-lo. Crie liberdade na sua própria vida, troque ideias, seja aberto e receptivo ao poder da criatividade humana.
Liberte sua mente e você começará a libertar a mente dos outros — não ao dizer a eles em que acreditar, mas ao demonstrar e discutir a superioridade das ideias de liberdade.
O mercado não produz inovações e tecnologias porque pessoas espertas dão ordens a terceiros; o mercado produz inovações e tecnologias porque se trata de um arranjo em que há uma contínua troca de idéias, um contínuo fluxo de criação e imitação, de tentativa e erro — o maior jogo ininterrupto de trocas econômicas.
A construção de uma sociedade livre não tem de esperar que o estado se torne limitado ou ausente; com efeito, o estado só irá desaparecer após uma sociedade livre ter sido construída para substituí-lo. O fantástico poder das ideias irá destruir as bases que sustentam o estado tão logo pessoas livres começarem a viver e a respirar ideias que demonstrem a vida, a energia, o prazer, o progresso e a satisfação da liberdade.
Isso não significa que todos aqueles que querem liberdade devem fazer a mesma coisa. Demonstrar e discutir as ideias de uma sociedade livre é uma tarefa tão ampla e evolucionária que abre inúmeras portas. As diferenças intrínsecas aos seres humanos no que diz respeito às suas habilidades e interesses levam a inúmeros esforços, e o esclarecimento e o preparo permitem um amplo espaço para diferenciações.
Nossas diferenças irão se manifestar nas outras pessoas com quem trocarmos ideias, bem como nos métodos e meios que utilizarmos. A construção da sociedade livre tem de se basear na troca de ideias. Só assim a mudança poderá ser duradoura. Não se deve enganar, adular, forçar, atiçar, empurrar, subornar ou ditar ordens. Tais medidas irão, no final, levar a menos liberdade, e não a mais.
A liberdade não é inevitável, mas é possível. Um estado que não esmague a liberdade não é uma realidade possível. Enquanto o estado for considerado algo necessário, ele irá existir; e ele sempre crescerá para muito além de seus limites originalmente imaginados e desejados.
Todos os estados tendem a saquear e a depredar a sociedade que o sustenta até destruí-la e destruir a si próprio; o que varia é apenas a velocidade com que isso ocorre. Mas se a crença na necessidade do estado permanecer, o estado deposto será rapidamente substituído por um estado novo, e todo o processo será reiniciado.
A única fundação sobre a qual uma sociedade pode ser construída sem entrar em colapso é a crença na possibilidade de uma vida sem políticos e burocratas nos apontando armas e ditando ordens.
Esta é uma crença que tem de se tornar popular. Argumentos consequencialistas (práticos) e deontológicos (morais) contra o estado são válidos, mas insuficientes. As pessoas sempre irão aceitar um sistema imoral e ineficiente caso acreditem que ele seja necessário.
Tão logo elas descobrirem que tal sistema é desnecessário, elas irão abandoná-lo e fornecer razões práticas e morais para fazê-lo. Mas, para que isso aconteça, a crença na necessidade do estado tem de ser derrubada.
Realista e radical
Se abrirmos nossa imaginação, há ampla e abundante evidência de ordem sem o estado. Normas e instituições não-estatais produzem a maior parte do mundo que vemos ao nosso redor. Historicamente, a sociedade precede o estado, e há ampla evidência de soluções não-estatais para aqueles problemas os quais fomos ensinados que somente o estado pode resolver.
Sempre que as pessoas se tornam capazes de imaginar soluções melhores, elas imediatamente deixam de apoiar soluções inferiores (mesmo diante do desconhecido, caso elas acreditem na premissa) e deixam de proibir novas experimentações. Pessoas com uma imaginação pequena demais para visualizar um automóvel podem perfeitamente aceitar restrições à construção de estradas.
No entanto, pessoas que embora sejam incapazes de visualizar a manifestação específica de um automóvel, sejam capazes de imaginar o progresso humano e as invenções capazes de surpreendê-las, serão muito mais reticentes em restringir a construção de algo que seja uma promessa desconhecida.
É exatamente por isso que não é necessário que todos nós compartilhemos a mesma visão — ou sequer um mesmo ideal específico — em relação a um mundo sem políticos e burocratas. Temos, no entanto, de ser corajosos, audazes e tolerantes o bastante para vermos nas relações humanas o potencial para a ordem sem o estado.
Aqueles que conseguem imaginar tal mundo têm a tarefa de abrir a mente de terceiros para esta mesma possibilidade. Mostrem a elas, inspirem-nas e deixem-nas intrigadas. Onde a imaginação é deficiente, também o é a liberdade.
A dissolução do estado não depende de as pessoas se tornarem melhores ou que a moralidade mude, ou que haja um próximo passo na evolução. É uma falácia crer que o governo é necessário e inevitável. Ele pode desaparecer a qualquer momento. É tudo uma questão de mudarmos nossas crenças, paradigmas e teorias a respeito do mundo. É necessário apenas que percebamos que o estado não é necessário. Eu digo “apenas” estando perfeitamente ciente de que o poder de imaginação necessário para entender a desnecessidade do estado não é pequeno. Abrir nossas mentes a esta possibilidade é o maior e mais promissor desafio intelectual e prático de nossa era.
Isaac Morehouse é membro do Instituto de Estudos Humanos da George Mason University, fundador e CEO do Praxis, e membro da rede de professores da Foundation For Economic Education.