Repressão à vista
Desde que foi anunciado, o ministro da Justiça de Lula faz ameaças quase diárias a quem protesta contra a eleição do petista
(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 28 de dezembro de 2022)
O novo ministro da Justiça, que até hoje não disse uma única vez a palavra “justiça”, mas desde que foi anunciado para o cargo faz ameaças quase diárias a quem protesta contra a eleição de Lula, apresentou ao Brasil uma teoria sobre segurança pública que jamais tinha sido ouvida até agora. Segundo ele, o terrorismo está no ar através de todo o país, e vem dos acampamentos formados perto dos quartéis para denunciar o que os manifestantes consideram fraudes eleitorais — ou para pedir, em SOS, que o Exército ponha um freio à junta judiciária que agride todos os dias a Constituição e o restante das leis em vigor no Brasil. O novo ministro diz, sem apresentar o mais miserável fiapo de prova, que as manifestações são uma “incubadora de atos terroristas”. Precisam ser reprimidas, portanto — e aí se vê bem claro o quanto a ideia da repressão policial fascina esse novo governo. Apareceu alguma dificuldade? Chamem a polícia. Estão amando isso.
A prisão de um indivíduo que, segundo as acusações, pretendia fazer uma explosão próxima ao Aeroporto de Brasília, foi a última desculpa que o ministro usou no seu esforço serial para desmanchar as manifestações populares de oposição a Lula. Vem tentando isso desde o primeiro minuto; não admite, junto com o seu chefe e com o PT, que haja gente na rua exercendo o seu direito constitucional de dizer em público o que pensa. Já disse que chamar Lula de “ladrão” é crime — apesar de suas condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Justiça brasileira. Tenta criminalizar, também, as faixas que dizem “SOS Forças Armadas”. Quer que o Exército retire as pessoas que estão em volta dos seus quartéis; do contrário, ameaça dissolver as manifestações à força. Para combater “o terrorismo”, anuncia uma ofensiva contra os clubes de tiro, os caçadores e os brasileiros que têm armas legalizadas.
O que a bomba que não explodiu no Aeroporto de Brasília tem a ver com os clubes de tiro ao alvo, ou com a caça da marrequinha-piadeira? As armas registradas são responsáveis por exatamente 0% da criminalidade no Brasil. (Houve 45 mil homicídios no país em 2022, mas o novo ministro não disse uma única sílaba até agora sobre o assunto; seu problema são os cidadãos a quem a lei permite ter armas.) Que sentido pode fazer essa obsessão em “desarmar” a população? Os criminosos continuam cada vez mais armados. Quem está disposto a detonar uma bomba não vai pedir autorização para a Polícia Federal. É uma farsa em seu estado mais evidente.
Pior ainda é a criminalização de manifestações populares pacíficas, ordeiras e perfeitamente legais; em 50 dias de protesto, não se quebrou um vidro, não se tocou fogo numa única lata de lixo, ninguém foi agredido, nenhuma contravenção foi cometida, e muito menos qualquer crime. Tudo o que se fez foi falar, cantar o Hino Nacional e mostrar bandeiras do Brasil. Por que, então, os manifestantes teriam de sair da rua? A Constituição Federal garante plenamente o seu direito de estar lá. E eles têm o direito, sim, de dizer que são a favor de um regime militar, ou do que quiserem. Que lei proíbe alguém de pedir militares no governo? O sujeito também pode ser a favor do fim do mundo, ou contra a água encanada, ou dizer que acredita em disco voador. A Constituição, em nenhum momento, faz uma lista de assuntos que podem ou não podem ser levados à praça pública; todos podem.
É falso dizer que as manifestações diante dos quartéis são “atos antidemocráticos”; trata-se de puro e simples exercício de direitos civis. Antidemocrático é tirar da rua, à força, quem expressa suas opiniões de modo ordeiro e dentro da lei.