(Felippe Hermes, publicado no portal O Antagonista, em 05 janeiro de 2023)
Eduardo Palassin Guinle foi uma das figuras mais emblemáticas do embrionário capitalismo brasileiro. Meio gaúcho, meio francês e meio carioca, o empresário foi um industrialista, empreiteiro e banqueiro.
Sua maior obra, construída com o inseparável sócio, Cândido Gaffrèe, foi a construção do Porto de Santos, uma concessão pública que faria Marcelo Odebrecht morrer de inveja tamanha quantidade de aditivos, incluindo um prazo de vigência de 99 anos sob administração dos Guinle.
Graças ao boom do setor cafeeiro, Santos tornou-se o maior porto do hemisfério Sul, e os Guinle uma das maiores fortunas do país. Seus filhos tornaram-se parte de uma nobreza brasileira, com contribuições de grande porte que vão desde a popularização do futebol no país, um feito que contou com a participação imprescindível de Arnaldo Guinle, o primeiro mecenas da seleção brasileira, a descoberta do petróleo em terras tupiniquins.
O primeiro campo brasileiro foi descoberto em Lobato, na Bahia. Um empreendimento financiado por Guilherme Guinle.
A descoberta, fruto de uma campanha intensiva que contou com figuras como Monteiro Lobato, foi um marco para o país, em especial, pois animou Getúlio Vargas a criar anos mais tarde uma estatal monopolista no setor.
Vargas, amigo de Guinle, estatizou o campo e criou uma agência reguladora tão logo soube da notícia. Compensou o amigo entregando-o o comando de outra empresa, a CSN, a primeira siderúrgica brasileira, financiada pelos EUA em um acordo costurado pelo próprio Guinle.
A criação da Petrobras, porém, viria no segundo mandato de Vargas, em uma campanha nacionalista nos idos de 1953.
Convém lembrar que neste período o país já possuía 2 refinarias, uma em Rio Grande, construída pela Ipiranga, e a refinaria de Manguinhos, que estava em construção na época da edição do monopólio no setor, tendo sido mantida como uma das 2 únicas refinarias privadas brasileiras até 2021.
Ao longo de 4 décadas, o Petróleo foi um monopólio absoluto do estado. Até 1997, a Petrobras era responsável por 100% da produção e 99% do refino no país.
Essa realidade levou a empresa a ganhar um tamanho poucas vezes visto no mundo. Estima-se que 1/10 do PIB brasileiro passasse de alguma maneira pela Petrobras até 2010.
O fim do monopólio, porém, convidou outras empresas a dividirem o risco que campanhas exploratórias possuem. A concorrência por sua vez levou a Petrobras a se movimentar, buscar sócios, credores e recursos. O resultado é que nos 10 anos seguintes ao fim do monopólio, a produção de petróleo brasileira havia saído de 866 mil barris diários para 1,89 milhão.
O boom de commodities, claro, favoreceu a Petrobras e outras empresas a investirem. Mas então, em 9 de novembro de 2007, o governo brasileiro tomou uma nova medida, que mudaria o setor para sempre.
Cerca de 43 blocos do Leilão da Agência Nacional de Petróleo, que ocorreria no final do mês, foram retirados. Tratavam-se de blocos que ficavam próximos às descobertas do pré-sal.
No ano seguinte, o setor ganhou um novo marco, que mudava as regras do jogo.
Em meio ao preço mais alto na história do petróleo, que chegou a atingir US$140 dólares, o Brasil decidiu dizer não aos investidores internacionais, devolvendo o monopólio à Petrobras sobre as novas áreas.
A Petrobras então passou a ser a única responsável por investir em todos os blocos. A total ausência de foco e a megalomania levaram a empresa a realizar em setembro de 2010, a maior capitalização da história das bolsas mundiais.
Foram US$70 bilhões injetados na empresa, dos quais US$40 bilhões por meio de direitos de reserva cedidos pelo próprio governo.
Em suma, próximo às eleições que dariam a presidência a Dilma Rousseff, Lula trouxe os gringos para comprarem parte da Petrobras. A empresa se tornaria assim a 4ª maior do mundo em valor de mercado.
Em um único mês, os estrangeiros colocaram US$16 bilhões no país, o maior volume da história até hoje. Tudo devidamente comprado pelo Banco Central para compor as reservas internacionais.
Durante todo governo Dilma, a Petrobras embarcou em eventos surrealistas, subsidiando o preço da gasolina, em uma manobra que servia para fraudar a inflação, e que custou à empresa R$120 bilhões em prejuízo.
Na prática, o governo trouxe investidores para financiar suas ideias, dando de presente um prejuízo bilionário.
Este é um dos motivos de mesmo com lucro recorde, a estatal brasileira ser avaliada em múltiplos baixos. Em outubro de 2022, a empresa chegou a valer R$500 bilhões, ou US$100 bilhões. Uma fração dos US$400 bilhões que valia quando a capitalização foi feita. Neste momento, porém, a empresa vale US$60 bilhões, menos do que a quantia que os gringos “exploradores” pagaram por uma fração da empresa.
Essa visão de que o investidor estrangeiro está na verdade fazendo a empresa explorar a população para lucrar, claro, também contribui para um valor de mercado baixo. Na prática, a visão política crítica do investidor, o mesmo que foi tratado como parceiro quando o país precisava dos recursos, deixa na mesa uma fortuna.
Neste exato momento, a Petrobras que Jean Paul Prates assume é uma empresa que vale 1,87 seu lucro. A Shell por sua vez negocia a 4,89 vezes, enquanto a ExxonMobil negocia por 8,29 vezes.
Com o Tesouro nacional sendo dono de cerca de 38% da empresa, estamos falando de no mínimo R$150 bilhões em valor de mercado pertencentes ao governo jogados no lixo para cumprir a visão negativa sobre estrangeiros.
Isto, claro, para não falar dos 718 mil brasileiros pessoas físicas, e dos milhões de investidores via fundos de pensão que acreditam na empresa.
Apenas via investimentos pelo FGTS, os brasileiros pessoa física somaram 248 mil em uma operação realizada nos anos 2000.
Tal visão sobre o papel da empresa na economia brasileira deve mudar de maneira “radical” sob Prates. Se ao longo dos últimos anos a empresa vendeu negócios diversos e focou naquilo que é especialista, a exploração em águas profundas, agora a situação deve mudar radicalmente.
Mas há poucas razões para se acreditar que a Petrobras volte a subsidiar combustíveis. E não se trata aqui de acreditar na palavra do ministro, mas de algo lógico.
A Petrobras é hoje uma empresa com lucro de R$176,79 bilhões em lucro, além de R$285 bilhões em Ebitda (de forma simplificada, a geração de caixa).
Forçar a empresa a subsidiar combustíveis implicaria reduzir sua capacidade de investimentos, o que não parece ser desejável pela nova administração, que vê na empresa um meio de aumentar a presença do estado na economia.
Lembre-se que o orçamento da União possui R$89 bilhões em recursos livres (despesas discricionárias). É dessa quantia, cerca de 6% do orçamento total, que saem os recursos do orçamento secreto e tudo que o governo investe.
A Petrobras sozinha garante 2 vezes mais recursos apenas em lucro. E mais: a Petrobras gerou recursos da ordem de R$246 bilhões ao governo, somando impostos e dividendos.
Em 2022, estes recursos foram distribuídos aos acionistas, o que levou a uma melhoria considerável das contas públicas. Caso opte por barrar dividendos, o novo governo terá um problema fiscal relevante, e ao que tudo indica, essa será a opção.
A manutenção dos preços baixos de combustíveis deve ocorrer via endividamento, o que por sua vez deixa a Petrobras livre para investir estes bilhões, apesar de implicar um patamar maior da dívida pública. Nada que pareça preocupar o novo governo.
O resultado para o país pode ser uma economia de algumas dezenas de bilhões em recursos que antes iam para remunerar os gringos, mas na prática implica em maior déficit público, e consequentemente juros mais altos.
Trata-se daquilo que o economista francês descrevia como “O que se vê e o que não se vê”. Veremos grandes obras da Petrobras para que políticos possam inaugurar placas, mas iremos conviver com juros maiores e uma dívida pública em situação frágil. São escolhas políticas, claro.