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Lula não tinha cacife para demitir Juscelino Filho

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(Carlos Graieb, publicado no portal O Antagonista em 6 de março de 2023)

 

Na última quinta-feira (2), apostei no Papo Antagonista que Juscelino Filho, o ministro dos cavalos, não seria demitido por Lula. Se a aposta fosse a dinheiro, eu teria levado uma bolada. Lula decidiu manter na pasta das Comunicações o político da União Brasil que usou um avião da FAB e diárias oficiais para visitar uma feira equestre em São Paulo.

Se o presidente estivesse assim tão preocupado com credenciais – morais ou de qualquer outro tipo – nem teria aceitado em seu gabinete figuras como Juscelino e Daniela do Waguinho, também da União, para começo de conversa. Convidou-os no esforço de compor uma base parlamentar.

Com dois meses de governo, Lula sabe que não tem cacife para brigar com um partido médio como o União Brasil, que conta com 59 deputados federais. Se deixasse a legenda irritada e perdesse seus votos em bloco, teria ainda mais dificuldades para aprovar projetos no Congresso do que aquelas que já se anunciam. Lembremos que il gran capo Arthur Lira, presidente da Câmara, fez questão de lembrar hoje mesmo que “o governo não tem base consistente” na Casa que ele comanda.

A perda dos votos não seria a única consequência da demissão de Juscelino. Um aperitivo do discurso que provavelmente seria adotado pela União Brasil foi dado quando Gleisi Hoffmann, presidente do PT, afirmou que o maranhense deveria se afastar do ministério enquanto a história da viagem era averiguada.

Gleisi teve de ouvir que, quando acusações são feitas contra o PT (e não há poucas na praça), o partido exige trânsito em julgado antes que lhe façam qualquer crítica. Mas o mesmo PT não hesita em prejulgar os integrantes de outros partidos. E quem vai negar que é assim mesmo que acontece?

Era evidente que prevaleceria o pragmatismo. Assim como não se livrou de Daniela do Waguinho quando veio a público que ela e seu marido estão cercados de amigos milicianos (milicianos gente boa, é claro), Lula também aliviou para o ministro apaixonado por cavalos, esses lindos animais. Ficou no ar uma severa admoestação: ministro que for mal comportado vai cair. Brasília deve estar morrendo de medo.

O equilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo parece ter mudado de maneira irrevogável. Diante do Congresso, Lula surge como um presidente tão fraco quanto foi Bolsonaro. A extinção do orçamento secreto ainda deixou os presidentes da Câmara e do Senado com recursos consideráveis para distribuir entre seus pares e comandar a formação de maiorias. Além disso, em um país tão dividido quanto o Brasil de hoje, a ameaça do impeachment parece estar sempre a um ou dois passos de distância. Nenhum pedido de impeachment contra Lula chegou até agora às mãos de Arthur Lira, mas não deve demorar para que ele possa sentar magnanimamente sobre um ou mais requerimentos. Só sairá de cima deles se o presidente não for um menino bonzinho.

A preeminência do Congresso talvez nem fosse um problema se os partidos não praticassem a  espécie mais chinfrim de corporativismo – essa, que protege políticos de quinta categoria como Juscelino Filho e Daniela do Waguinho mesmo quando eles são pegos com as mãos sujas de caca. Cada vez mais o Brasil parece ganhar traços de um regime parlamentarista – mas um parlamentarismo bastardo, em que deputados e senadores influem enormemente no governo, sem serem responsabilizados por quaisquer maus resultados (ou por falcatruas individuais). Talvez uma discussão séria sobre forma de governo não esteja assim tão fora de propósito.

 

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