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Um misto de populismo político e ignorância econômica

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O governo vem, recorrentemente e sem qualquer cerimônia, assestando suas armas contra o que chama de “alta taxa de juros”. Ao mesmo tempo, insinua a revisão para cima das metas de inflação e a própria independência do Banco Central. A artilharia, cada vez mais pesada, tem levado muitos a indagarem se esses ataques — um misto de populismo político e ignorância econômica — poderão levar à substituição do presidente do banco antes do término do seu mandato, no fim do próximo ano.

Não se pode esperar nada diferente de um governo cujo chefe ridiculariza o teto de gastos, insinua grotescamente que a meta de inflação deve seguir um “padrão Brasil”, abre as comportas para despejar fartamente o dinheiro dos pagadores de impostos, anuncia com orgulho a intenção de desviar esse mesmo dinheiro para emprestar a países com vastos prontuários de calotes, cria ministérios cuja única finalidade é acomodar aliados e defende ardorosamente a interferência do Estado na economia. Em suma, um governo que parece viver em meados do século passado, atiçado por um populismo que chega a beirar a comicidade e escorado “cientificamente” em economistas incapazes de aprender com a longa história de fracasso das próprias ideias.

Um dos blá-blá-blás mais ouvidos em defesa da orgia monetária, da parte do presidente, de alguns de seus ministros, de políticos alinhados e de militantes de redação, tem sido o de que é necessário baixar as taxas de juros, uma vez que — segundo dizem — nenhuma economia pode suportar os níveis em que se encontram atualmente. Um discurso sedutor, mas que esconde com cobertor curto a intenção de abandonar a austeridade monetária para bancar a explosão que pretende promover nos gastos. Nesta semana, o presidente voltou a criticar a política austera do Banco Central, bradando que “é preciso acabar com a cultura de juros altos que existe neste país”. Não seria melhor ser sincero e dizer “é preciso acabar com toda e qualquer austeridade, seja fiscal ou monetária”?

Sempre é bom lembrar que, quando um indivíduo ou família gasta durante anos acima de suas possibilidades, cedo ou tarde terá de tentar ganhar mais, gastar menos ou tomar empréstimos. Quando uma empresa opera com prejuízos por um grande período, igualmente um dia terá de procurar aumentar o faturamento, cortar despesas ou tomar empréstimos. Mas o Estado, quando comete estrepolias orçamentárias, além de precisar arrecadar mais impostos, cortar gastos e endividar-se no mercado, tem o poder exclusivo, garantido pelo monopólio da moeda de curso legal, de emitir dinheiro para financiar suas traquinagens.

Qualquer economista com um mínimo de conhecimento sabe que, quando políticos decidem baixar a taxa de juros mediante canetadas, vai acontecer expansão artificial do crédito e da oferta de moeda e que nenhum desses fenômenos pode beneficiar a sociedade, a não ser temporariamente, uma vez que eles não alteram os serviços de troca que a moeda proporciona, apenas diluem o poder de compra de cada unidade monetária. Sendo assim, não existe a rigor nenhuma “necessidade social” que justifique o crescimento por decreto do crédito e da quantidade de moeda. Ademais, se para acabar com a pobreza bastasse distribuir crédito com fartura e emitir moeda, não é gritantemente óbvio que já não existiria pobreza no mundo há muitos séculos? Mas, para economistas inflacionistas e políticos populistas, fatos não importam, o que interessa mesmo é construir narrativas.

Os processos de produção devem ser vistos como vários estágios que terminam na elaboração de bens de consumo final, mas que passam antes, necessariamente, pela produção em etapas sistemática e sucessivamente afastadas da produção do bem que é oferecido aos consumidores. Isto significa que a produção consiste numa série de processos interligados, em que bens de capital, caracterizados pela heterogeneidade, são combinados em diversas proporções de capital, mão de obra e outros recursos. Ou seja, os investimentos devem realizar-se em uma estrutura de produção integrada, isto é, em uma série dependente e interligada de investimentos complementares.

Ora, a política monetária, ao alterar os preços relativos, modifica os sinais emitidos pelos preços. No caso de uma expansão do crédito provocada por uma redução da taxa de juros imposta pelo governo, esses sinais apontam para a redução dos lucros das empresas que produzem bens de consumo corrente e para o aumento dos lucros da produção de bens para consumo futuro. Alteram-se, portanto, as taxas de retorno sobre as várias combinações de capital. Os retornos nos estágios de produção mais próximos do consumo caem, enquanto crescem os retornos nos estágios de produção mais afastados do consumo. Recursos não específicos deslocam-se dos primeiros para os segundos; a produção de bens de consumo vai diminuindo, ao mesmo tempo em que os padrões de produção de bens de capital vão sofrendo alterações, passando-se a produzir bens que se adaptem a estruturas de produção que abarquem mais estágios do que anteriormente.

Para que esses investimentos se completem até o estágio dos bens de consumo final, deverão ser subtraídos mais recursos do consumo, o que significa que a produção de bens de ordens mais baixas deverá manter- se em queda, até que a nova estrutura de produção se complete.

Esse processo é autorreversível: na medida em que as rendas dos titulares dos fatores de produção aumentam em decorrência da expansão monetária, cresce a demanda por bens de consumo, o que faz com que os preços desses bens, relativamente aos preços dos bens mais afastados do consumo, aumentem. Reverte-se, desta forma, o processo: caem os retornos nos estágios mais afastados do consumo final, enquanto sobem os retornos nos estágios mais próximos do consumo final; recursos não específicos fazem o caminho de volta; os bens de capital, que haviam sido dimensionados para a estrutura de produção anterior, têm agora de ser redimensionados para uma estrutura menos intensiva em capital; surgirão perdas e desemprego, que serão mais fortes nos setores que anteriormente haviam se expandido mais e que, agora, deparam com superproduções.

As perdas e o desemprego gerados nada mais são do que a contrapartida das alocações perversas de recursos causadas pela expansão creditícia e monetária artificial. Ou seja, expansão de crédito e moeda via canetadas e recessão são inseparáveis, pelo mesmo motivo que excesso de comida não tem como não provocar indigestão. É como agora se descobrisse a verdade: aquele crédito e aquela moeda que foram injetados fantasiados de poupança não eram poupança, mas miragens.

As tentativas de fazer o processo de produção voltar à situação anterior mediante novas injeções de crédito e moeda nos mesmos pontos em que elas inicialmente ocorreram apenas terão o efeito de perpetuar a ausência de coordenação que o artificialismo introduziu na estrutura de capital, o que fará com que cada vez mais inflação e mais desemprego sejam necessários para manter-se o artificialismo desejado. Essa, em resumo, é a origem dos ciclos econômicos, segundo a Escola Austríaca de Economia. A análise dos principais ciclos econômicos ocorridos desde o início do século 19 até a atualidade permite identificar um núcleo de identidades básicas capaz de fundamentar sua origem: a fartura postiça de moeda e crédito promovida pelos governos, por meio de seus bancos centrais e do sistema financeiro.

Assim foi no pânico de 1819 nos EUA; na crise de 1836, na Inglaterra e nos Estados Unidos; na de 1847, iniciada no Reino Unido e que se estendeu à França e aos Estados Unidos; na de 1866, no Reino Unido e na França; em 1907, com a expansão artificial do crédito para as novas companhias de energia elétrica; na Grande Depressão de 1929, causada — contrariamente ao falso diagnóstico de Keynes — por uma brutal expansão creditícia ocorrida na década de 1920, já então sob a regência de um novo organismo, o Federal Reserve; na recessão do fim dos anos 1970, em que se lançou a culpa no “mordomo” — os preços do petróleo —, quando os verdadeiros criminosos eram os donos da casa — os bancos centrais e suas políticas deliberadamente inflacionárias; na recessão do início dos anos 1990, iniciada por nova expansão creditícia nos EUA em meados dos anos 1980, que provocou um forte boom artificial nas bolsas de valores; com a crise de 2008, conhecida como bolha imobiliária, que também foi precedida de expansão creditícia substancial, dessa vez com um ingrediente adicional, os novos produtos financeiros; e, recentemente, com a inacreditável expansão monetária que os governos promoveram durante a pandemia.

Portanto, os ciclos econômicos são causados por expansões artificiais de moeda e crédito — ou seja, sem aumentos correspondentes na disposição para poupar dos indivíduos. Essas expansões geram booms iniciais nas atividades econômicas, mas que não podem manter-se, devido às distorções que o artificialismo provoca entre os diversos estágios das cadeias produtivas. As distorções geram inevitavelmente reações conflitantes ao longo do tempo.

Mas as taças subsequentes obrigatoriamente levam à embriaguez. Em outras palavras, o boom inicial, por carecer de bases sólidas, não representa uma situação de real prosperidade, mas apenas uma abundância ilusória e efêmera. É como se alguém começasse a construir um enorme edifício e, já com a obra em pleno andamento, viesse a descobrir, tarde demais, que os fundos de que dispunha não eram suficientes para levar o projeto até o fim. Moeda e crédito não são o mesmo que poupança! O máximo que uma expansão monetária pode conseguir é fantasiar-se de poupança por algum tempo, durante o qual conseguirá iludir os agentes econômicos.

Todo o exposto nos permite assegurar que, se essas propostas do PT de decretar a queda dos juros, de rever as metas de inflação para cima e acabar com a autonomia do Banco Central forem de fato implementadas, vão gerar desemprego e inflação, tão mais rapidamente e com maior intensidade, quanto mais “acesas” estiverem as expectativas mais relevantes, como a de déficit fiscal e a de crescimento dos preços.

Do jeito que estão as expectativas, devido à baixa qualidade da equipe econômica, não é difícil prever que, se o governo, para financiar o seu hospício fiscal, resolver acelerar a expansão monetária — o que ocorrerá se ele ceder às pressões no sentido de reduzir as taxas de juros —, o resultado, líquido e certo, no final do processo, será uma hiperinflação.

A rigor, deveríamos estar discutindo questões realmente relevantes, como: os governos devem continuar detendo o monopólio sobre a moeda? Os bancos centrais devem mesmo existir? As reservas fracionárias devem ser abolidas? O padrão ouro é bom? Porém, dado que o Banco Central existe e que está sendo ameaçado, o melhor que temos a fazer é sustentar que deve ter autonomia para executar a política monetária mais adequada para controlar a inflação.

Milton Friedman, em meados do século passado, em resposta aos defensores de políticas monetárias frouxas da época, alertou para o que a política monetária pode e não pode fazer. Ela pode: (1) prevenir a própria moeda de ser uma fonte maior de distúrbio econômico; (2) providenciar um background estável para a economia, em que os agentes econômicos podem se comportar com plena confiança de que os preços permanecerão estáveis e previsíveis no futuro, com o cumprimento de uma programação monetária; e (3) contrabalançar distúrbios maiores no sistema econômico, surgidos de outras fontes, por exemplo, de déficit público, ajudando a prevenir a ameaça inflacionária. Ora, o governo do PT não pensa em fazer nada disso.

E quanto ao que ela não pode fazer? Bem, exatamente o que o governo petista quer fazer, que é usá-la para sustentar a farra fiscal e “promover o crescimento da economia”.

 

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.

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