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90% das denúncias de assédio no Senado ficam sem punição

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R7

 

Nos últimos cinco anos, mais de 90% das denúncias de assédio sexual e moral recebidas pelo Serviço de Saúde Ocupacional e Qualidade de Vida no Trabalho e pela Ouvidora do Senado ficaram impunes. Os dados foram levantados pelo R7 em dois órgãos diferentes. O Serviço de Informação ao Cidadão da Casa disse que foram contabilizadas 42 denúncias, sendo 13 de assédio sexual. Apenas quatro delas viraram processos administrativos e somente uma resultou em punição — uma advertência.

Os números fornecidos pelo Serviço de Informação ao Cidadão foram confirmados pela assessoria de imprensa do Senado, mas divergem de dados de outra área técnica da Casa, o Serviço de Saúde Ocupacional e Qualidade de Vida no Trabalho. Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) com base em informações do órgão aponta para a ocorrência de 111 casos, com oito punições, entre 2018 e 2020.

O setor é responsável pelo acolhimento e pela orientação aos colaboradores sobre qualquer comunicação ou dúvida do que podem ou não serem caracterizados como assédio moral e sexual.

O R7 conversou com vítimas e é comum a elas o medo de retaliação, perda de cargos e funções. Por isso, serão identificadas por nomes fictícios nesta reportagem. Confira os relatos:

‘Você só pode ter problemas psicológicos’

Fátima fez uma denúncia de assédio moral contra a ex-chefe em 2020. Os episódios, segundo a vítima, eram de perseguição e intimidação. “Se eu sugerisse algo, era imediatamente descartado, dizia que não prestava. Me acusava de explorar os estagiários. Me dizia que eu devia estar passando por questões emocionais, que só podia estar passando por vários problemas, e foi bem na época que me casei com uma mulher, e por isso dizia que eu tinha problemas psicológicos. Ela falou isso em um grupo de WhatsApp”, relata.

A vítima conta que os episódios eram diários, até que foi dispensada do cargo por e-mail. “A denúncia nunca foi apurada, o processo foi arquivado sem que ninguém fosse ouvido. Nem eu fui ouvida. Ela me persegue até hoje. Tenho pânico de sair de casa, depressão, ansiedade e precisei sair do Senado para tentar esquecer os traumas”, conta.

A vítima sofre agora um processo reverso. É acusada pela assediadora de mentir no caso. O processo está na Justiça. “Não teve um conjunto probatório por parte do Senado. Simplesmente receberam a denúncia, abriram espaço para a acusada se manifestar, mas não fizeram nenhum tipo de diligência para verificar as informações. A acusada apresentou a defesa, foi para a Diretoria-Geral, que definiu que não se tratava de caso de assédio, resumiu a um problema interno, um atrito pessoal entre as duas”, diz o advogado da vítima.

‘Você não sabe onde está se metendo’

Lucas também precisou mudar de setor para fugir dos recorrentes episódios de assédio praticados pela chefe. Foram sete anos, segundo ele, trabalhando na “base do grito”. “Não adiantava fazer o que era certo, tinha que fazer o que ela queria. Inclusive, o que ela precisava que fosse feito para ficar bem com os senadores. Se não fosse assim, eram gritos, ligações gritando. Nada impedia”, lembra.

Em uma das situações, Lucas precisou resolver um problema no setor que gerenciava, mas foi reprimido pela assediadora. “Disse que eu estava fazendo aquilo para ir contra ela, só que o que eu estava fazendo era o certo. Mesmo assim ela me disse assim: você não sabe onde está se metendo”, conta.

Há três anos, Lucas tenta sair do setor, mudança autorizada apenas no começo deste ano. “Tive que tomar remédio para conseguir dormir, tamanho o estresse que passava…. A humilhação. Hoje estou em um paraíso, mas soube que ela pesquisa formas de me prejudicar”, afirma Lucas.

‘Pegar sua filha não será mais pedofilia’

Ana Clara conta que a equipe era constantemente desqualificada por um dos chefes do setor. O motivo era a diferença de horários de trabalho. O turno dela começava às 18h e trabalhava no período da noite, às vezes até 1h da manhã, com dias de folga por escala na sexta-feira, com autorização do chefe direto. “Falava mal da gente para outros colegas, dizia que éramos vagabundos, preguiçosos, só porque a gente chegava à noite”, afirma.

Ana Clara estava em fase de descoberta de um câncer de mama e conta que trabalhava inclusive em períodos de quimioterapia. “Muitas vezes estava desesperada esperando um resultado sair, fraca e tinha que ouvir coisas que foram bem difíceis para mim. E não eram só profissionais, ele ia para o lado pessoal. Um dia ouviu eu falar que minha filha tinha completado 18 anos, então falou: se eu pegar ela, já não é mais pedofilia. Também pesquisou sobre minha mãe e disse que era boa para 70 anos, poderia dar um golpe do baú”, relata.

A servidora desenvolveu bruxismo — transtorno em que a pessoa desliza ou bate a dentição —, quebrou um dente devido ao problema e adquiriu uma doença de pele. “Quanto mais você reclama que sofre o assédio, mais de te chamam de louca, doida, maluca e dizem que você tem problemas”, afirma.

Ana não denunciou porque, segundo ela, os registros geram uma nova onda de assédio, com intimidações e retaliações para, no fim, serem arquivados.

O que diz o Senado

Segundo a assessoria de imprensa do Senado, as 42 denúncias do período (a partir de 2019) foram transformadas em processos administrativos, mas após as investigações preliminares, foi constatado que as denúncias envolviam exclusivamente funcionários de empresas terceirizadas. “Nesses casos, não compete ao Senado a aplicação de penalidade aos empregados”, afirmou a entidade, em nota.

O Senado garante ainda que existem práticas de combate ao assédio e o compromisso “com um ambiente de trabalho livre quaisquer tipos de assédio”.

O R7 entrou em contato com a Primeira-Secretaria da Casa, responsável por instalar as comissões de investigação das denúncias. “O que podemos informar é que todos os casos de assédio que foram denunciados estão sendo investigados”, disse o órgão, também em nota.

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