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Subsidiando o passado

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Diariamente uso meu carro de 1,4 mil quilos para ir de casa ao trabalho. Como peso 100 quilos, há um deslocamento de 1,5 mil quilos no total, por cerca de 20 quilômetros, para chegar ao trabalho. No trajeto, o carro se desloca e ocupa continuamente um pouco menos de 10 metros quadrados das ruas. É muito mais do que eu ocuparia individualmente (na verdade, estou um pouco gordo, mas certamente não ocupo 10 metros quadrados). Esta ocupação excessiva de espaço costuma provocar engarrafamentos de trânsito.

Na garagem do trabalho, o carro fica estacionado. É um item de capital, uma máquina, parada o dia todo, improdutiva. No fim da tarde ou no início da noite, refaço a viagem de volta para casa. E são novamente 1,5 mil quilos ocupando continuamente 10 metros quadrados das ruas.

A descrição acima sugere fortemente que carros individuais, para andar nos grandes centros urbanos, são um meio de transporte extremamente ineficiente. Em geral, é bem arriscado fazer previsões, pois o futuro é muito criativo. Mas, neste caso, vou me arriscar: o transporte urbano usando carros individuais vai ser substituído pelo transporte público, ou pelas bicicletas (motorizadas ou não), no mundo todo.

Os carros vão ser usados basicamente para as viagens familiares entre centros urbanos, ou em áreas pouco habitadas, e serão carros compartilhados, isto é, alugados pelos usuários, de modo a evitar que fiquem muito tempo parados, improdutivos. Estas mudanças provavelmente teriam a vantagem ambiental de reduzir a emissão de gás carbônico – no caso dos carros, a combustão interna. Além disso, também resolveriam o problema do que fazer com as grandes quantidades de baterias usadas, no caso dos carros elétricos.

Subsídios do governo federal para comprar carros

Assim, a notícia recente de que o governo brasileiro pretende subsidiar a venda de carros populares, e que os bancos estatais (BNDES, segundo o seu presidente) pretendem subsidiar a venda de carros elétricos, é surpreendente. É um subsidio ao passado, que pode ter o mérito imediato de reduzir os problemas da indústria automobilística brasileira, mas que incentiva esta indústria a não se ajustar às variações estruturais da demanda, inevitáveis. Premia os que demoraram a se ajustar e, em consequência, atrasa o desenvolvimento industrial do país.

O mundo atual está atravessando uma fase de enormes mudanças tecnológicas e sociais, que estão incidindo em quase todos os setores econômicos. Só para exemplificar, na área de educação, o ensino à distância promete levar a imensas mudanças:

  • um morador do Brasil, que saiba inglês, poderá estudar e se formar em uma universidade estrangeira;
  • na área do comércio, as vendas à distância estão transformando completamente as estruturas de varejo;
  • em outras áreas de serviços, o crescente uso da inteligência artificial vem modificando a atuação dos médicos, advogados e dos profissionais em geral; e
  • na área de comunicação, a mudança é espantosa, todos sabemos e vivenciamos.

Não é possível nem desejável subsidiar os muito setores para que não acompanhem a velocidade de transformação do mundo.

As maiores empresas atuais não existiam há 50 anos, e as grandes empresas de 50 anos atrás são, hoje em dia, bem menores ou deixaram de existir (considere o caso da Kodak). Esta evolução é inevitável e decorre do avanço do conhecimento humano.

Subsidiar um setor industrial, que é politicamente influente, para que mantenha a sua produção “atrasada”, é um equívoco de política pública. É uma manifestação dolorosa do capitalismo de compadrio que vem assolando e atrasando o Brasil. Os mercados competitivos são uma forma de organização da produção na sociedade que propicia a “destruição criativa” descrita por Joseph Schumpeter. Permitem o nascimento do novo.

Há 150 anos, subsídios para a manutenção de estábulos e fazendas de criação de cavalos, como meio de transporte, teriam sido um grande equívoco.

 

Antonio Carlos Porto Gonçalves é graduado em engenharia industrial e metalúrgica pelo Instituto Militar de Engenharia e mestre e doutor em economia pela Universidade de Chicago. Ele é conselheiro superior do Instituto Liberal.

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