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Barroso na presidência a partir de setembro desperta temor de anarquia ideológica no STF

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Gazeta do Povo

 

O ministro Luís Roberto Barroso assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 28 de setembro, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. O histórico de votos, pronunciamentos e entrevistas de Barroso, considerado por diversos juristas como o membro mais ideológico da Corte, tem despertado o temor de exacerbação do ativismo político e de crescimento de uma anarquia jurídica que deslegitime ainda mais o Congresso como autor das leis.

Em votos e decisões monocráticas, Barroso é um dos ministros mais engajados no que ele próprio chama de “empurrar a história” e aplicar no país o que define como um “choque de Iluminismo”. Foi dele, por exemplo, um dos votos pela descriminalização da maconha, em 2015, no julgamento que retornou à Corte recentemente. Na pandemia, foi ele quem decidiu monocraticamente que o passaporte da vacina era necessário para entrar no país, antes da confirmação pelo plenário.

Fora dos tribunais, Barroso já escancarou suas visões políticas e é responsável por algumas das falas mais controversas já proferidas por ministros do STF no Brasil. “Nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”, afirmou em julho, no 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) – evento no qual a sua presença, por si só, já seria suficiente para levantar dúvidas sobre sua imparcialidade como juiz.

No ano passado, durante a Brazil Conference, em Boston (EUA), o ministro disse que “é preciso não supervalorizar o inimigo” e arrogou para si a função de “empurrar a história na direção certa”. “Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem e ajudamos a empurrar a história na direção certa. O mal existe, é preciso enfrentá-lo, mas o mal não pode mais do que o bem”, afirmou.

Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, a visão de Barroso sobre o papel do STF necessariamente implica a politização da Corte.

“A ideia de que o juiz constitucional deve, em certos casos, ‘empurrar a história’, atuando ‘em favor da causa da humanidade’ parece-me completamente imodesta e imprudente. Ela supõe que um conjunto de onze juízes, muito mais que os membros do parlamento ou o próprio povo, é capaz de saber exatamente qual é o sentido correto da história. Na minha opinião, um juiz que atua sob esses pressupostos não tem como exercer imparcialmente a sua função. Por isso, a rigor, é uma espécie de não-juiz”, comenta.

Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, tem expectativa de que o ativismo político aumente com o próximo presidente do STF. “O Barroso se demonstrou um dos ministros mais ativistas, ainda que ele próprio tenha tentado jogar a responsabilidade desse ativismo na própria estrutura constitucional brasileira, dizendo que a Constituição, afinal de contas, deu muitas competências ao Supremo, principalmente através da possibilidade de julgar ações diretas”, avalia.

Para o jurista, Barroso foi um dos ministros “que mais fortemente procurou refundar todo o nosso sistema político-constitucional em novas bases” e o que se pode esperar de sua presidência é “muito pouco daquela autorrestrição, daquela autocontenção que deveria caracterizar o Poder Judiciário”.

Barroso nega que ativismo seja um problema no Supremo

O ativismo judicial é um dos males do Supremo mais frequentemente apontados por críticos da atuação dos ministros nos últimos anos. Barroso nega que esse seja um problema no STF. Para ele, o que existe é somente um “protagonismo judicial”.

“Existe uma percepção bastante equivocada de que o Supremo Tribunal Federal é extremamente ativista, que inventa legislações e produz decisões que trazem insegurança jurídica. Gostaria de dizer que nada disso acontece. E aqui é preciso distinguir e diferenciar três termos que são muito distintos mesmo: um é a judicialização, outro é ativismo e outro é protagonismo judicial”, comentou em abril.

Barroso terá em mãos alguns julgamentos importantes sobre temas controversos, como a ADPF 442, que abre a chance de descriminalização do aborto. Para Moreira, a possibilidade de que o próximo presidente do STF acelere a análise desse e de outros assuntos polêmicos no campo dos costumes é real.

“Barroso é sabidamente favorável à descriminalização do aborto. É o que ele, imagino que sinceramente, acredita que é melhor para o país. A pergunta que temos de fazer é: por que seria legítimo que, em um caso tão delicado moralmente, nos submetêssemos ao que o ministro Barroso pensa que é melhor para o país? O Supremo, cada vez que abandona a autocontenção e cai na tentação de resolver algo que é política e moralmente controverso, aumenta a percepção da sua ilegitimidade”, comenta.

Na visão do jurista, não é exagero dizer que a Presidência do Supremo caiu nas mãos do mais ideológico dos ministros. “Não é exagero por uma razão muito simples: basicamente não há diferença entre as convicções pessoais do ministro Barroso e a forma como ele interpreta os princípios e valores constitucionais. Para usar um termo conhecido dos juristas, a ‘leitura moral’ que ele faz da Constituição é quase sempre idêntica à sua própria e subjetiva leitura moral”, explica.

A ex-deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), doutora em Direito Penal pela USP, é mais otimista. Para ela, embora Barroso seja evidentemente favorável a causas como o abortismo, sua longa experiência como ministro poderá ajudá-lo a apostar na conciliação em vez de pautar temas controversos.

“Apesar de o ministro ser simpático a essas causas, com destaque para o aborto, eu não acredito que usará sua importante posição para implementá-las. Penso que será cauteloso, até em razão do momento vivido. Estou otimista”, diz. “Trata-se de um ministro experiente. O país precisa de pacificação. Não creio que quererá marcar seu mandato pelo acirramento. Creio que será cauteloso”, acrescenta.

Segundo ela, a recente polêmica gerada pela fala de Barroso sobre “derrotar o bolsonarismo” pode acabar, paradoxalmente, sendo positiva para diminuir o ímpeto de censura da Corte. “Pode fazer com que ele reveja este movimento de cercear a liberdade de expressão e manifestação”, afirma.

“Imagino que, nesse momento, não faça muita diferença quem seja o presidente, porque, sendo a ministra Rosa Weber ou o ministro Barroso, aparentemente os dois são favoráveis à tese delineada pelo PSOL na ADPF 442”, diz.

Na visão de Tadeu Nóbrega, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, embora Barroso tenha uma postura ideológica, o que realmente permite vislumbrar um futuro de ativismo judicial é a atual composição da Corte, mais do que seu chefe. “O que define isso é mais a composição da corte, porque os temas são levados a Plenário, e menos a atuação do presidente”, diz.

Para ele, se o julgamento sobre o aborto fosse pautado por uma presidente como Rosa Weber, penderia igualmente para uma decisão contra a vida. “Imagino que, neste momento, não faça muita diferença quem seja o presidente, porque, sendo a ministra Rosa Weber ou o ministro Barroso, aparentemente os dois são favoráveis à tese delineada pelo PSOL na ADPF 442”, diz.

Decisões ideológicas de Barroso

Votos, decisões monocráticas e manifestações no tribunal revelam que Barroso é um dos ministros mais ideológicos do STF. Veja algumas delas:

Em 2016, quando a Primeira Turma do STF revogou a prisão preventiva de médicos e funcionários de uma clínica clandestina de aborto no Rio de Janeiro, Barroso declarou em seu voto favorável à liberação deles que a atual legislação brasileira sobre o aborto é inconstitucional, ao violar direitos fundamentais da mulher.

Em 2021, em decisão monocrática, Barroso determinou que a apresentação do comprovante de vacinação – o chamado “passaporte da vacina” – seria obrigatório para viajantes que estivessem chegando ao Brasil por aeroportos. O plenário confirmou a decisão posteriormente.
Durante a pandemia, Barroso decidiu que as decisões judiciais de despejo de áreas invadidas, tanto em cidades como em áreas rurais, estavam suspensas. Mesmo com o impacto da pandemia já reduzido, em 2022, o ministro estendeu o prazo da decisão. Depois, em novembro, determinou que as terras invadidas passem por uma negociação com os invasores antes de serem desocupadas.

Em 2022, Barroso apelou à ideológica tese do racismo estrutural para restabelecer o mandato do vereador de Curitiba Renato Freitas (PT), cassado após invadir uma igreja em Curitiba.

Durante as eleições, Barroso autorizou monocraticamente que prefeitos e concessionárias oferecessem transporte público gratuito no segundo turno da eleição, sem que isso configurasse crime eleitoral ou improbidade. O magistrado acatou um pedido apresentado pela Rede Sustentabilidade.

Em agosto deste ano, Barroso concedeu prisão domiciliar a uma mulher presa em flagrante no estado do Pará com mais de seis quilos de “maconha skunk”. A acusada é mãe de dois filhos menores de 12 anos e reside na Paraíba e, por isso, o ministro evocou o artigo 318-A do Código de Processo Penal (CPP), que permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar no caso de a acusada ser gestante ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. A medida, porém, se aplica apenas a casos em que a acusada não tenha cometido crime violento ou crime contra seu filho ou dependente.

Neste ano, durante a retomada do julgamento sobre a descriminalização da maconha – questão sobre a qual ele já votou em 2015 –, Barroso pediu a palavra para afirmar que não está havendo “mínima invasão da esfera legislativa, da esfera de competência do Congresso” sobre o tema das drogas e que, “em muitas partes do mundo, e não só no Brasil, isso acaba sendo decidido no Judiciário”.

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