(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 16 de setembro de 2023)
Não há nada de certo, de lógico ou de legal na novela de televisão que começou a ser levada no plenário do Supremo Tribunal Federal com o título “Julgamento do Golpe de 8 de Janeiro”. Não é julgamento. Como poderia ser, se o juiz único (os demais aparecem na função de “atores convidados”) é também o promotor?
Não houve golpe. Como poderia haver, se os acusados de derrubar o governo não tinham sequer um estilingue? Está comprovado, pela constatação dos fatos materiais, que participaram de um quebra-quebra vulgar; mexeram com as poltronas dos ministros do STF e cometeram outros atos de profanação, mas isso não é golpe de Estado.
Ninguém ficou ferido – não foi preciso aplicar um único band-aid em ninguém. Não houve qualquer ameaça ao funcionamento do governo. Não é, enfim, um procedimento legal do Sistema de Justiça em vigor no Brasil. A lei diz que o STF só pode julgar réus que tenham o chamado foro especial (deputado, senador, ministro e outros gatos gordos da República) e nenhum dos acusados tem nada parecido com isso.
O “julgamento do dia 8” é mais uma comprovação objetiva de que o STF aplica os artigos da Constituição que gosta e se recusa a aplicar os que não gosta. Ou seja, eles não gostam da Constituição; gostam apenas de si próprios e das decisões que tomam. As coisas começaram exatamente dentro do roteiro de Projac que o STF se acostumou a executar na pós-democracia brasileira de hoje.
Os primeiros réus, que obviamente foram condenados, pegaram até 17 anos de cadeia; foram punidos duas vezes pela mesma coisa, “abolição do Estado de direito” e “golpe de Estado”. Tudo isso, por tomar parte numa arruaça? Há provas de que os réus cometeram atos de violência. Mas a pena prevista em lei para o que fizeram é de uns dois ou três anos de prisão, ainda mais sendo réus primários.
Foi, aliás, o que decidiram os dois ministros que a mídia chama de “bolsonaristas”, por terem sido nomeados por Bolsonaro. (Nunca ninguém chamou nenhum dos outros ministros de “lulistas”, ou “dilmistas”.) Pena de 17 anos é coisa da Justiça de Cuba, onde o sujeito pega 15 anos por compor uma música, ou da Coreia do Norte, que condenou um bebê à prisão perpétua, porque a polícia achou uma Bíblia na casa dos pais.
Os dois, por sinal, levaram um pito em público do ministro Alexandre de Moraes, o condutor-chefe da operação. Para que isso? Que diferença vai fazer se votaram assim ou assado? São dois em onze; valem um duplo zero à esquerda. Mas parece que ainda não está bom. O ideal seriam onze penas máximas, como “exemplo”. A Justiça tem de aplicar a lei, e não dar exemplo – só que o Brasil não é mais assim.