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Governo Lula tentou impedir que líder da oposição na Venezuela falasse no Senado

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(Sérgio Moro, publicado no jornal Gazeta do Povo em 18 de setembro de 2023)

 

A semana no Senado começou com a audiência de María Corina Machado na Comissão de Segurança. Ela é a líder da oposição na Venezuela contra o tirano de Caracas, Nicolás Maduro. Requeri sua oitiva e consegui organizar a audiência na Comissão de Segurança Pública, já que na Comissão de Relações Exteriores, dominada pelo governo, não houve interesse. Infelizmente, ela foi ouvida por vídeoconferência, pois está proibida arbitrariamente de deixar o país.

O relato foi dramático e emocionaria qualquer democrata. Corina, além de não poder deixar o país, teve de enviar seus filhos para o exterior por causa de ameaças; assim, não pode vê-los pessoalmente há muito tempo. Ela contou que não pode viajar de avião dentro do próprio país, pois as companhias aéreas se recusam a vender-lhe passagens por intimidação do governo. Está proibida de dar entrevistas na rádio e na televisão, é vítima constante de notícias falsas produzidas pelo governo, e a polícia política a segue onde quer que vá.

Mesmo nessas circunstâncias, ela tem amplo apoio popular, reúne multidões por onde passa – basta acompanhar suas redes sociais – e ganhará as eleições presidenciais naquele país se elas forem livres e limpas. Há razoável dúvida se o tirano de Caracas permitirá que isso ocorra.

Todos sabem que a posição do atual governo brasileiro em relação à Venezuela tem sido vergonhosa, com Lula adulando o tirano de Caracas. Tal comportamento vexatório circundou a audiência de María Corina Machado. Havia pedido ao Itamaraty que tentasse obter junto ao governo da Venezuela uma autorização temporária para que ela pudesse vir ao Brasil prestar seu depoimento. Embora a peça fosse de conhecimento inequívoco da alta diplomacia brasileira, não recebi qualquer retorno quanto às providências tomadas.

Como se não bastasse, o senador Jorge Kajuru, que estava presidindo a audiência de oitiva de Corina Machado, informou que havia sido procurado pelo governo Lula, que queria impedir que ela fosse ouvida no Senado por causa de objeções formais. O senador Kajuru, apesar do pedido do governo e apesar de estar na sua base de apoio, recusou-se a prestar tão triste papel, permitiu que a audiência continuasse e a conduziu, como presidente da sessão, com urbanidade e seriedade. Ponto para ele.

Isso permitiu que Corina relatasse, em primeira mão, a pobreza e opressão impostas ao seu povo por Maduro. De país mais rico na América Latina, a Venezuela, sob Chávez e Maduro, se transformou no mais pobre, com 94,5% dos venezuelanos na pobreza. Um país rico em petróleo e que já foi um dos maiores exportadores tem hoje a produção comprometida por corrupção e falta de investimento. A Venezuela tornou-se um narcoestado, com o envolvimento da cúpula do governo e das Forças Armadas em tráfico de drogas.

Chamou-me a atenção uma das falas de María Corina Machado sobre como a ditadura foi implementada. Não foi da noite para o dia, mas algo progressivo, em fases. Segundo ela, “primeiro, acabaram com a independência do poder judicial: em menos de dez anos, 90% dos juízes foram substituídos; hoje, 97% dos juízes são temporários e de livre remoção, ou seja, se não forem absolutamente leais ao regime serão demitidos”. Depois, ainda conforme seu relato, acabaram com a liberdade de expressão através da perseguição, da censura e da compra de jornais. Em terceiro lugar, “semearam o medo e o caos na sociedade”, dificultando qualquer tentativa de reorganização de uma resistência.

Em tempos nos quais, no Brasil, assiste-se ao atual governo Lula aparelhando toda a máquina pública, buscando o controle das redes sociais, intimidando jornalistas e perseguindo procuradores, policiais e juízes da antiga Operação Lava Jato, o relato não deixa de ser um alerta de que precisamos cuidar de nossa liberdade e democracia para não incorrermos no mesmo desastre da Venezuela.

Nestas mesmas semanas, foi perturbadora a publicação de relatório fantasioso da Corregedoria do CNJ no qual, entre outros pontos, constou ter sido identificada “gestão caótica” dos valores recuperados da corrupção pela Operação Lava Jato. Ora, foi a maior recuperação de ativos criminosos da história do Brasil, com mais de R$ 6 bilhões devolvidos somente à Petrobras. Quando se vai ao detalhe do relatório, não se encontram fatos que amparem as afirmações, apenas um desejo expresso de transformar divergências de interpretação da lei e práticas tradicionais da judicatura em crimes de hermenêutica. Criminalizar o juiz por suas opiniões judiciais é a arma do autoritarismo contra juízes independentes, como já bem advertiu Ruy Barbosa no início de nossa República. Falarei mais sobre esse tema em outro artigo.

Diante de tantos problemas no Brasil, o leitor pode se perguntar: por que se preocupar com a Venezuela e por que ouvimos María Corina Machado?

O Brasil não é polícia do mundo e não temos como nos envolver nas arbitrariedades e ditaduras que se encontram espalhadas pelo mundo. Mas a América Latina é nosso continente, a Venezuela é nossa vizinha e o que ali acontece reverbera no Brasil. A luta pela liberdade e pela democracia na Venezuela é, assim, a luta pela liberdade e pela democracia na América Latina. Dar a María Corina Machado uma voz no Brasil serve para abrir espaço para que seja mais conhecida no exterior e assim, ainda que com muitas limitações, protegê-la do tirano de Caracas. Quando se assiste ao governo Lula se alinhando, internacionalmente, a autocracias como Rússia, China e Irã, bajulando ditadores como Maduro e Putin, e se afastando das democracias ocidentais, não se pode deixar de pensar que a luta de Corina é, de certa forma, a nossa luta; e que Caracas (não me refiro às pessoas ruins) tem lições a ensinar ao Brasil.

 

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