(Felipe Moura Brasil, publicado no portal O Antagonista em 04 de outubro de 2023)
O episódio do financiamento da Argentina confirma que Lula usa a “autodeterminação dos povos” conforme a conveniência.
Quando é questionado sobre as arbitrariedades de ditaduras amigas, ele recorre a este princípio do direito internacional, concebido para garantir a soberania de uma nação e o direito de seu povo de fazer escolhas sem intervenção externa. O recurso já é uma contradição, porque, geralmente, são os ditadores que impõem um regime ditatorial ao próprio povo, não o contrário.
Em agosto de 2022, em entrevista ao Jornal Nacional como candidato a presidente, Lula foi questionado se o apoio a ditaduras de esquerda não contradiz (também) a postura de um democrata. Ele se saiu com esse contorcionismo:
“Primeiro, para [ser] um democrata, a gente precisa respeitar a autodeterminação dos povos. Cada país cuida do seu nariz. É assim que eu quero para o Brasil e é assim que eu quero para os outros.”
Em abril de 2023, Lula foi além. Em relação à violação de direitos humanos na ditadura chinesa, o atual presidente declarou:
“Nós precisamos aprender a respeitar a autodeterminação dos povos. A China encontrou um jeito de resolver os seus problemas.”
Naquele mesmo mês, durante a posse de Dilma Rousseff na presidência do banco dos Brics, Lula manifestou seu desejo de instrumentalizá-lo para financiar a Argentina e outros países latino-americanos em crise econômica, como fez no passado com o BNDES para financiar as ditaduras de Cuba e Venezuela.
“Eu espero que esse banco tenha condições de ter dinheiro para emprestar para os países mais pobres da América Latina e do Caribe.”
Em junho, como mostramos no Papo Antagonista, o petista manifestou sua satisfação em usar o BNDES para o mesmo fim:
“Fico muito satisfeito com as perspectivas positivas de financiamento do BNDES à exportação de produtos para a construção do gasoduto Néstor Kirchner.”
Mas, como a eleição no país vizinho está próxima, prevista para 22 de outubro, Lula tinha pressa para ajudar seu aliado Alberto Fernández a emplacar o sucessor, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, impedindo a ascensão, à direita, do rival Javier Milei.
Ele então mobilizou seu governo a usar o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF, do nome original Comunidade Andina de Fomento), em cujo capital o Brasil tem 37,3% de participação. Nosso país, que tem peso e influência nas decisões do banco, votou a favor do financiamento à Argentina.
A única “autodeterminação” que Lula respeita é a dos ditadores e governantes amigos. Ele sempre encontra um jeito de meter o nariz e “resolver os seus problemas”.