(Carlos Graieb, publicado no portal O Antagonista em 06 de outubro de 2023)
Tudo indica que os bandidos que assassinaram os médicos Diego Bonfim, Perseu Ribeiro e Marcos Corsato no Rio de Janeiro foram justiçados pelos próprios comparsas, depois de um julgamento sumário realizado por videoconferência de dentro do Presídio Bangu 3.
O crime organizado matou, o crime organizado julgou e o crime organizado puniu.
Os brasileiros e o Estado brasileiro assistiram a tudo em absoluta impotência.
Diante dessas circunstâncias diabólicas, o governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro e o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública Ricardo Capelli deram entrevistas nesta sexta-feira (6), dizendo que o fato de os corpos dos prováveis assassinos terem sido encontrados em carros abandonados não vai interromper as investigações.
“É óbvio que eles já sabiam quem tinha sido, foram à frente e puniram. Tem que ver se foram todos, se tinha mais gente envolvida. A investigação não muda em nada”, disse o governador.
“O Brasil possui leis, possui regras, tem um Estado de Direito que precisa e será respeitado. Não tem cabimento a gente dizer que organizações criminosas cometem um crime e elas mesmas resolvem esse crime. Não é lei da selva e o inquérito vai continuar”, afirmou Capelli.
As declarações cumprem tabela. Até mesmo no Brasil seria inconcebível que a punição à margem da lei, ordenada num tribunal de bandidos, fosse vista como um desfecho aceitável para esta tragédia. Inclusive porque a decisão de executar os assassinos dos médicos não cumpriu nenhum dos objetivos do direito penal legítimo. Aconteceu apenas porque o episódio atraiu uma atenção indesejada para o Comando Vermelho.
Também não traz nenhum conforto, ao contrário do que sugeriu o governador Cláudio Castro, saber que a Polícia Civil do Rio de Janeiro conseguiu avançar na investigação e compor um quadro aparentemente detalhado dos acontecimentos “em menos de 12 horas”.
Isso porque os três médicos foram vítimas inocentes de uma guerra entre milicianos e traficantes que se desenrola há meses na zona oeste do Rio. A investigação da polícia andou rápido porque os assassinos já vinham sendo monitorados, inclusive com escutas telefônicas. O que importa para quem teme pela própria vida ou pela vida de pessoas próximas é que o monitoramento não impediu nem a morte dos médicos, nem a de outras vinte e tantas pessoas ao longo de 2023.
O que talvez tenha algum valor na entrevista de Cláudio Castro seja o reconhecimento de que o Rio foi tomado por um sistema mafioso (o que provavelmente se aplica também a outras grandes cidades brasileiras).
“Não estamos mais falando de uma briga de milicianos, traficantes. Estamos falando de uma verdadeira máfia, que hoje é muito mais do que outrora foi tráfico de drogas e armas. Uma máfia que tem entrado nas instituições, nos poderes e nos serviços”, disse Castro.
Essa admissão cristalina de que o crime se infiltrou em tudo e de que o estado chegou ao fundo do poço em segurança pública é indispensável para que talvez – e apenas talvez – uma saída seja encontrada.