Obeso de regata com a barriguinha de fora: como é o treinamento woke secreto do TSE
Gazeta do Povo
Há anos, milhões de brasileiros vêm tentando responder uma pergunta: o que faz o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nos anos sem eleição?
Vídeos de um treinamento interno do órgão, obtidos pela Gazeta do Povo com exclusividade, ajudam a responder essa pergunta. São três palestras feitas na última semana para promover a “inclusão” e a “diversidade”. Todas foram encomendadas pelo TSE à Conexxões Educação, uma empresa com sede em Salvador.
Boa parte do material pode ser classificado como militância política pura e simples; a “lacração”, que os americanos chamam de “woke”.
Primeiro Ato: diversidade nas Organizações
Terça-feira, 7 de novembro.
Na primeira das três palestras, o objetivo é explicar aos funcionários do TSE a importância da diversidade.
Para os servidores, a participação no evento era voluntária, mas rendia um certificado e uma desculpa para matar horas de trabalho. Funcionários dos Tribunais Regionais Eleitorais também foram convidados para o evento virtual.
Mas, para obter o certificado, era preciso ter resiliência. Foram mais de dez minutos de saudações e apresentações (por três burocratas diferentes).
Primeiro, com Ana Lins (salário: R$ 29.014,36) coordenadora de Educação e Desenvolvimento do TSE. Depois, com Thayanne Fonseca (salário: R$ 23.441,21), secretária de Gestão de Pessoas do tribunal. Por fim, com Samara Carvalho Santos (salário: R$14.899,16), assessora de diversidade do TSE. Samara teve problemas com a câmera. “Você vai ter que sair e entrar novamente para a gente te ver”, aconselhou a colega. Não funcionou. A imagem da assessora, que utiliza o nome de “Samara Pataxó”, continuava sem aparecer quando ela chamou a palestrante do dia, a psicóloga Rose Helen Shimabuku.
Um livro inédito de Aristóteles
A câmera de Rose Helen funciona. Mas, assim que ocupa o palco virtual na plataforma Zoom, ela faz uma descrição física de si mesma: “Eu sou uma pessoa parda, de descendência oriental. Tenho a pele morena. Estou usando óculos grandes, uma blusa verde clara, brincos dourados pequenos em formato circular, cabelos abaixo do ombro, lisos e grisalhos”. É a chamada autodescrição — uma forma de incluir pessoas cegas. As outras participantes do seminário fazem o mesmo em suas apresentações.
Rose Helen explica que diversidade e inclusão são fundamentais. “O que muita gente chama de mi mi mi a gente chama de evolução. A gente chama de cidadania”, ela explica. Como recomendação para aumentar a diversidade, Rose defende a ampliação de todos os tipos de cotas, em todos os órgãos.
A palestra tem alguns deslizes. Rose Helen quer “promover ambientes de trabalho mais equinames” (em vez de “equânimes”). “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles, virou “Ética do Nicômano”. Ela também tem problemas com uma certa sigla. “Eu fui ler ali a sigla, que já aumentou né? Eu preciso ler toda vez. LGBTQIA+, né? Acho que até esqueci uma letra aqui agora”. O slide exibia “LGBTQIAPN+”.
Rose Helen segue, pisando em ovos: “Então, qual que é a diferença de orientação de gênero e identidade de gênero? Qual é a diferença de um transsexual para um… enfim, eu fico até com receio de falar que agora eu cometer algum tipo de indelicadeza”.
Gordofobia: nunca mais
Agora Rose Helen exibe um trecho de uma entrevista com Caio Revela, um Youtuber famoso pelo ativismo.
Caio tem a parte frontal do cabelo cor-de-rosa. Ele veste uma camiseta sem manga que termina cedo demais, acima do umbigo, e um short colado também cor-de-rosa. O youtuber se queixa do preconceito. “Por que uma pessoa gorda não pode ser estilosa?”, indaga.
Caio Revela ensina aos funcionários da Justiça Eleitoral que o corpo dele é válido. “A questão não é o foco em emagrecer ou o foco em engordar. A questão é que o corpo que eu tenho hoje é um corpo válido, que é um corpo que tá tudo bem com ele”. Assertivo, ele complementa: “É sobre isso”.
Caio diz que seu excesso de peso não significa falta de saúde, e reclama da crueldade dos internautas. “Já fizeram até bolão na internet para saber com quantos anos eu ia enfartar. E foi muito difícil olhar os comentários e ver lá 32, 47, 35”, ele descreve.
A câmera exibe uma ilustração em que Caio aparece vestido com uma microssunga.
Ao fim, Ana Lins diz que achou o vídeo “maravilhoso”.
Segundo ato – Empoderamento feminino
Quarta-feira, 8 de novembro.
“Boa tarde a todos, a todas e a todes”, começa Dione Almeida, a palestrante do dia. Ela é advogada e secretária-geral adjunta da OAB São Paulo.
A autodescrição não basta. Dione quer que os participantes saibam mais sobre ela: “Eu gosto de flores, eu gosto de artes, eu gosto de música. Gosto de viajar. Gosto de mar, mas não gosto de areia. Gosto de sorvete, não como carne vermelha; gosto de flores”.
Dione está menos interessada na concordância verbal do que em distribuir conselhos para o empoderamento feminino. “Nós precisamos reduzir as consequências de um país alicerçado num patriarcado”, diz ela. O patriarcado, aliás, também apareceu na fala de Julianna Sesconetto, da Comissão TSE Mulheres (salário: R$22.678,79). “A gente vive em uma sociedade patriarcal”, disse ela, ao apresentar Dione.
Dione tem algumas dúvidas. Por exemplo: por que existe um termo para “mãe solo”, mas não um para o pai que não assume a responsabilidade de criar os filhos?
Ela também afirma a importância de enaltecer a si mesma em público — e conta que costuma dizer frases como “Eu sou ótima” a colegas de trabalho. Dione conta que um um deles questionou a prática do auto-elogio, ao que ela respondeu: “O que seu pai te ensinou serve para você, homem branco de classe média alta. Não se aplica a minha pessoa porque, se eu dependesse de alguém falar que eu sou ótima, eu teria sucumbido”.
Dione também tem dicas sobre a vida doméstica. “Eu falei para a minha filha: ‘Nossa, se um dia eu souber que você lavou o tênis do seu marido eu vou ficar tão brava, tão decepcionada”.
Pelo menos no TSE, a falta de empoderamento feminino parece não ser um problema. Todas as pessoas que usaram a palavra nos três dias de evento eram mulheres.
Terceiro ato – racismo estrutural
Quinta-feira, 9 de novembro. A palestrante agora é a advogada Rogéria Francisca Silva.
O ponto de partida é a premissa de que o racismo estrutural existe. “O racismo, ele é sistêmico”, diz Rogéria.
Ela explica que o racismo estrutural tem a ver com as estruturas, como em um prédio (os slides mostram a foto de um prédio).
O conceito é suficientemente vago para se proteger de argumentos contrários, mas suficientemente específico para condenar os responsáveis por racismo estrutural. Um deles é o capitalismo. “E o capitalismo está sempre ali, no meio disso tudo. É explorar até matar”, explica Rogéria. Ela afirma que o racismo é regra, não exceção. Tudo é racista e o capitalismo se aproveita disso: “O capitalismo vem e usa o aparato ideológico que está sendo renovado diuturnamente”.
Agora, Rogéria troca de alegoria.
“É como se fosse uma cebola, a situação do racismo estrutural”. Ela quer dizer que o racismo estrutural tem várias camadas. Todas têm nomes com mais de quatro sílabas (“intrapsíquica”, “interpessoal”, “institucional”, “organizacional”). O slide exibe a foto de uma cebola roxa.
Pelo segundo dia seguido, os opressivos plurais continuam sofrendo. “Determinados grupos com determinadas características vão ser sempre explorado (sic) e massacrado (sic). Explorado (sic) e massacrado (sic)”, diz a palestrante.
A alegoria da cebola retorna, agora combinada com a do edifício: “Então, a gente precisa trabalhar esse miolo da cebola também, para a gente compreender toda a estrutura desse prédio, dessa edificação, para compreender esses elementos que garantem que ele fique em pé e estável”.
A convidada recomenda dois livros: um é “Memórias da Plantação”, de Grada Kilomba. O outro é “Racismo Estrutural”, de Silvio Almeida — atual Ministro dos Direitos Humanos.
Antes de encerrar o ciclo de palestras, Ana Lins lembra à audiência que é preciso assinar a lista de presença para obter o certificado de participação.
E assim termina mais um dia de expediente no TSE.