Gazeta do Povo
Ao ser questionada sobre as agendas com o governo Lula, Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico”, afirmou que tinha apenas o intuito de contribuir com o plano nacional de melhorias à população carcerária, que está sendo elaborado pelo Governo Lula. Esse plano está relacionado a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 3 de outubro, que prevê, entre uma série de medidas, a liberação de criminosos como solução para o sistema prisional brasileiro. O tribunal obrigou o governo federal, estados e Distrito Federal a apresentar em seis meses uma série de condutas para melhoria dos presídios.
A ação proposta pelo PSOL e julgada procedente pelo STF faz parte de uma “agenda de desencarceramento” da esquerda. O CNJ, que já soltou 21 mil presos em 2023, deve realizar um novo mutirão de soltura após exigência do Supremo. Curiosamente, um dos motivos de risco para os presos levantados no pedido do Partido Socialista, apoiado pela esposa do líder do Comando Vermelho no Amazonas, é o controle de penitenciárias por facções criminosas.
Na primeira sessão em que Barroso ocupou a cadeira de presidente, a corte entendeu que há um “estado de coisas inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro, objeto da ADPF 347. Ou seja, um reconhecimento que há violação de direitos dos presos, especialmente relacionados à dignidade da pessoa humana, à saúde, à educação, à segurança e à justiça.
A decisão do STF, porém, apesar de acertar ao reconhecer um problema real, viola a divisão de poderes e desrespeita o chamado princípio jurídico da “reserva do possível”, quando é impossível cumprir o que as leis ordenam. Várias das determinações feitas pelo STF já são previstas por lei, mas diante da alta criminalidade no país se tornam impraticáveis.
“A ação do PSOL subverte um dos preceitos jurídicos que é da reserva do possível. Existe dentro do direito uma norma que você não pode exigir uma prestação que ultrapasse o que é a possibilidade de se fazer”, explica Fabricio Rebelo, responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes). Situação complexa que não pode ser resolvida com uma canetada.
Rebelo ressalta que um país com muitos problemas de segurança pública, como é o Brasil, terá um sistema carcerário complexo. “Nós vivemos em um país com uma quantidade de registros criminais elevadíssima. Se é um país que tem muito crime, a consequência natural é que se tenha muita gente presa”, reforça.
Outras imposições oriundas da ADPF 347 buscam evitar que criminosos sejam encaminhados à cadeia. Como, por exemplo, a definição que juízes estarão obrigados a justificar no processo judicial o motivo de não ter aplicado uma pena alternativa à prisão. Além disso, o STF exigiu o não contingenciamento dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional e a elaboração de planos nacional e estaduais, pauta de Luciane Barbosa Farias com os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos.
“Agenda do desencarceramento” e silêncio sobre impunidade
Apesar das doze solicitações feitas pelo PSOL ao STF para melhorar a situação de detentos, nenhuma delas aponta para a criação de novas vagas em penitenciárias. Para Rebelo, essa seria a solução mais viável, mas acredita que o partido não a considerou propositalmente. A construção de penitenciárias tem sido negligenciada há décadas pelos governos, o que gera condições degradantes enfrentadas pela população carcerária. “No fundo, o PSOL não quer essa solução. Não é esse o propósito real dessa ação. É justamente se dizer que a situação é ruim, e como não vão conseguir resolver, que soltem as pessoas submetidas a esse sistema”, reforça.
Ele explica que a forma mais objetiva de se alcançar o desencarceramento é justamente atribuir ao sistema carcerário condições desumanas. “Isso tira um pouco a ideia da impunidade e que o país não está efetivamente combatendo o crime e consegue deslocar a discussão para uma questão voltada aos direitos humanos”, completa.
Ampliação do sistema carcerário “não dá votos”
O especialista lembra também que cabe ao Executivo e ao Legislativo enfrentar os problemas que dificultam o aumento de vagas em presídios, não ao Judiciário. Não há avanços “porque é algo que não dá voto e, infelizmente, o político brasileiro é pautado por isso. Nenhum gestor em campanha vai usar como uma realização sua a construção de um presídio”, ressalta.
Ainda assim, não caberia interferência do Judiciário em questões como essa. O Poder Executivo poderia, por exemplo, criar uma medida provisória para ser discutida no Congresso. “O caminho natural do nosso sistema constitucional seria esse”, salienta.
O governo federal e os estados têm até abril para entregar os planos de melhoria no sistema penitenciário. O ministro da Justiça Flávio Dino e o presidente do STF Luís Roberto Barroso já se reuniram para debater o plano nacional. Na ocasião, Barroso afirmou que não há oposição entre Supremo e Executivo e que “é um projeto comum que nós vamos procurar desenvolver para a melhoria do sistema carcerário”.