(Deltan Dallagnol, publicado no jornal Gazeta do Povo em 11 de janeiro de 2024)
No aniversário de um ano do 8 de janeiro, sobraram narrativas de que o Brasil quase sofreu um golpe de Estado na festa lulista chamada “Democracia inabalada”, mas a verdade inconveniente é que não houve golpe e nem tentativa de golpe naquele fatídico domingo. Apenas 18,8% dos brasileiros acreditam que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de Estado, segundo a pesquisa mais recente da Atlas Intel.
Aldo Rebelo, que foi deputado federal por 5 mandatos, presidente da Câmara dos Deputados e ministro dos 4 governos Lula e Dilma, com passagem inclusive pela pasta da Defesa, contestou em entrevista ao Poder360 a narrativa do establishment de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe, classificando-a corretamente como uma “fantasia”. Como ninguém pode acusar Aldo Rebelo de ser bolsonarista ou da direita conservadora, a opinião dele sobre esses fatos carrega um peso ainda maior.
Segundo Aldo Rebelo, dizer que houve uma tentativa de golpe de estado é uma estratégia petista de acirrar a polarização política, e assim trazer benefícios eleitorais ao PT. “É óbvio que aquela baderna foi um ato irresponsável e precisa de punição exemplar para os envolvidos. Mas atribuir uma tentativa de golpe àquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado”, comentou.
Ele ainda relembrou um ataque às instituições parecido que enfrentou durante seu mandato na presidência da Câmara dos Deputados, quando o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) invadiu a Câmara, depredou o patrimônio público e deixou dezenas de pessoas feridas, uma delas em estado grave.
“Eles levaram um segurança para a UTI, derrubaram um busto do Mario Covas. Eu dei voz de prisão a todos. A polícia os recolheu e eu tratei como o que eles de fato eram: baderneiros. Não foi uma tentativa de golpe. E o que houve em 8 de janeiro é o mesmo”, finalizou, expressando mais bom senso do que a maioria dos ministros do Supremo. Aldo Rebelo tem razão: não houve tentativa de golpe ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Esta é a primeira verdade inconveniente.
Tudo que veio à tona até agora indica que o que houve de fato no 8 de janeiro foi depredação, vandalismo e, por parte de um conjunto de pessoas, incitação ao golpismo. Este último delito, de incitação ao crime, é muito menos grave e tem penas muito mais baixas do que os de golpe ou abolição do Estado. Querendo punir os manifestantes bolsonaristas exemplarmente, o STF os linchou. Em vez de pedras, foram atirados sobre eles crimes muito mais graves, que não praticaram, com penas surpreendentes.
Esta, aliás, é uma segunda verdade inconveniente: o STF está praticando uma sucessão de imensos abusos judiciais nos inquéritos e ações contra os manifestantes e, para não ruírem como um castelo de cartas mal construído, está mantendo tudo debaixo de sua alçada artificialmente, exercendo uma competência que não possui. Com isso, o tribunal retira-lhes o direito de recorrer.
De fato, o que há, no STF, são inúmeros abusos judiciais contra os réus do 8 de janeiro: neste artigo eu aponto apenas 10 problemas, mas poderia apontar inúmeros outros desde então, como as 32 prisões mantidas há um ano sem denúncias e a absurda entrevista em que Moraes revela a existência de um plano homicida contra ele, o que deveria gerar a nulidade imediata dos julgamentos.
Uma terceira verdade inconveniente é que muita gente, inclusive e talvez principalmente na imprensa, embarcou na narrativa de golpe de Estado porque ela serve para enfraquecer a direita conservadora, mas especialmente Jair Bolsonaro, de quem os progressistas (e a maioria dos jornalistas se identifica como progressista ou de esquerda) não gostam. Daí vale tudo, legitimam-se os abusos do STF e o impacto deles na vida dos milhares de réus esmagados por toda a força do aparato estatal se torna mero dano colateral.
Ao mesmo tempo, boa parte dessas pessoas enxerga uma oportunidade de fortalecer a esquerda, que agora pode se dizer protetora, defensora e salvadora da democracia, quando a realidade é que uma grande parte dela, inclusive Lula, alia-se às piores e mais sanguinárias ditaduras ao redor do mundo, ou até mesmo a grupos terroristas como o Hamas. Isso sem falar na macrocorrupção política usada para monopolizar o poder, o que foi uma forma descarada de o PT fraudar a democracia.
Uma quarta verdade inconveniente é que o silêncio dos autodesignados “garantistas” diante dos abusos do STF prova que a grande maioria deles de garantistas não têm realmente nada. Quando criticavam a Lava Jato, faziam por conveniência. Muitos deles apoiaram ou até integram o governo de Lula. Grande parte deles estava simplesmente defendendo seus corruptos de estimação ou fazendo lobby para anular casos e ganhar fortunas.
Depois dessas verdades inconvenientes, é importante falar de uma hipótese inconveniente, que deve ser cabalmente investigada. Do mesmo modo como se deve ainda esclarecer se houve e como funcionou a coordenação dos protestos marcados para aquele domingo, deve-se apurar se o governo federal se omitiu propositalmente e permitiu os atos para colher dividendos políticos, como agora vemos Lula fazer sem qualquer vergonha, colocando-se como o salvador da democracia.
A hipótese de que o governo federal se omitiu encontra eco até mesmo entre os grandes nomes do PT. O mensaleiro José Dirceu, um dos petistas mais próximos de Lula, disse o seguinte em uma entrevista a um portal de esquerda: “Tudo indica que a polícia legislativa colaborou, que a polícia militar colaborou, e que houve uma desídia, uma omissão ou no mínimo um erro grave de parte dos organismos responsáveis pela segurança do Distrito Federal, tanto o Ministério da Justiça quanto o governo do Estado”.
É isso mesmo que você leu: José Dirceu suspeita de que houve omissão do Ministério da Justiça de Flávio Dino, recém-promovido por Lula a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Como José Dirceu também não pode ser acusado por ninguém de ser bolsonarista ou da direita conservadora, a opinião dele sobre o papel do governo federal no 8 de janeiro chama atenção por ir na contramão de todo o esforço petista de colocar na cabeça das pessoas que houve golpe.
Entretanto, a hipótese de omissão proposital do governo, não está sendo investigada em nenhum lugar, muito menos pelo STF: quando o ministro André Mendonça ousou falar disso no plenário do Supremo, foi fortemente atacado por um irritado Alexandre de Moraes, que não pode nem ouvir falar em responsabilizar o ministro Flávio Dino pelas graves falhas de segurança naquele dia – um Flávio Dino, aliás, que foi apoiado pelo primeiro para se tornar o mais novo ministro no tribunal.
O que tudo isso revela é que o Brasil está a uma longa distância de ter um Estado de Direito. Vemos o Direito ser usado como instrumento do poder, sendo manipulado conforme interesses, vontades e conveniências políticas. E a cereja do bolo de tudo isso é o uso político do 8 de janeiro para regulamentar as redes sociais, objetivo esse que não foi sequer escondido por nenhum dos carnavalescos da festa chamada “Democracia inabalada”. Diante dessas verdades inconvenientes, o receio é que essa regulação sirva, na verdade, para censurar quem ousar se opor aos donos do poder.