Imagine que você é a Janja
(Paulo Polzonoff Jr., publicado no jornal Gazeta do Povo em 16 de maio de 2024)
Imagine que você é a Janja. Que você se casou com Lula. Que você mora no Palácio do Alvorada e hoje, toda orgulhosa (e bota orgulhosa nisso!), ostenta o título nobiliárquico de primeira-dama desta nossa República Federativa do Brasil-sil-sil varonil. Imaginou? Pois imagine mais.
Agora imagine tudo o que você fez para chegar até aqui. Todas as concessões que você fez e atalhos que pegou. Todos os sapos que você teve que engolir e as mentiras nas quais fingiu acreditar. Todos os cálculos que se provaram errados e todas as noites perdidas em fantasias de poder. Continue imaginando.
Se quiser e for te ajudar neste exercício, imagine que você viva no luxo de uma Imelda Marcos. Que você tenha a cultura e maturidade de uma Rosane Collor. Que você acalente sonhos de idolatria como uma Evita. E que, no fundo, ambicione ser admirada como uma Marcela Temer. Ou Ruth Cardoso. Ou uma mistura das duas. Imagine daí que eu imagino daqui.
É isso aí. Está começando a ganhar forma o personagem. Sem perder o embalo, imagine que, graças às técnicas altamente avançadas de alpinismo social que empregou ao longo da vida, você tem hoje acesso a todas as pessoas que verdadeiramente mandam no Brasil. Essa proximidade, bem como a certidão de casamento que você traz no bolso, a torna poderosa também.
Sonho ou pesadelo?
Em assim imaginando, como se respirasse pelas narinas da Janja, agora imagine que uma catástrofe se abateu sobre os domínios do monarca-plebeu que por acaso é seu marido. E, se não for pedir demais, imagine que você tenha a oportunidade de levar um pouco de alívio, ainda que simbólico, a milhões de pessoas – tanto aos flagelados quanto aos distraídos que ainda depositam alguma esperança em você. Ou no que você representa, sei lá.
Mas você viveu toda uma vida de sacrifício à ideologia e ao Partido. Lembre-se disso. Ou melhor, imagine. Imagine também que você está cercada por assessores que lhe dão as melhores ideias do Universo. Dizem. Imagine que esses assessores tenham encontrado um pobre cavalo a ser resgatado e. Bom, o resto é história. História real da qual, graças à sua imaginação, neste momento você faz parte.
Imagine os aplausos. As vaias também, se quiser, mas os aplausos, ah, os aplausos, tão estrondosos são os aplausos que confirmam essa ideia pré-concebida que você faz de si mesma: a ideia de que você fez tudo certo, de que é uma predestinada, de que é uma deusa, uma louca, uma feiticeira, de que é demais. Mas agora vamos entrar logo no avião porque em algum momento você vai ter que parar de imaginar. Tá achando que isso aqui é hipnose?
Imagine que você está no avião presidencial. Os funcionários terminam de distribuir as cestas básicas sobre os assentos e afivelam os cintos de segurança. O fotógrafo a instrui e você consegue abrir um sorriso alegre e supostamente solidário, mas não feliz. Imagine como você se sente sempre uma pessoa boa e nunca ridícula, nunca equivocada, nunca mal orientada, nunca escrava das sensações e opiniões alheias.
Agora chega. Porque, depois de imaginar tudo isso e provavelmente mais um monte de coisa que não coube aqui, vou lhe perguntar sem o escrúpulo rotineiro de não concluir um texto com uma pergunta: ao se colocar no lugar da Janja, você sentiu que vivia um sonho ou um pesadelo?