Uma selfie com Gilmar Mendes
(Paulo Polzonoff Jr., publicado no jornal Gazeta do Povo em 20 de junho de 2024)
Procurando uma foto de André Mendonça no Flickr (estamos em 2005?) do STF, me deparei com a imagem que ilustra a crônica de hoje. Ela mostra uma bela moça de seus – vou cometer a temeridade de chutar – 35 anos, fazendo uma selfie com aquele que vocês hão de concordar que é o ministro mais querido do Supremo Tribunal Federal: Gilmar Mendes.
Ela usa roupas cujas marcas não sei identificar, mas que arriscaria dizer que são caras. Afinal, essa geração mede a qualidade da indumentária pelo preço e pela possibilidade de causar inveja nas inimigas. Em comparação com a Janja, diria que a moça está elegante. Meus parabéns e tal. Os cabelos não vou avaliar porque estão longe de ser minha especialidade. Mas são bonitos. Negros como a asa da graúna, como dizia o Zé.
Também tem um belo sorriso, a moça – belo o bastante para eu correr o risco de apanhar da minha mulher quando ela ler isso. Ela está feliz. Ou parece. Nunca dá para ter certeza com essas pessoas próximas ao poder. Pode ser felicidade genuína, mas pode ser apenas a alegria fugaz de estar perto de alguém que, a despeito da ojeriza que eu e você sentimos por ele, exala esse poderzinho mundano pelo qual se matam tanto belas moças quando homens esquálidos com olheiras de amanuenses, do tipo que vararam noites e noites para serem aprovados na prova da OAB.
A Moça fez o registro durante o lançamento de um livro que havia passado completamente despercebido por mim. Tente não vomitar com o título: “Por que a democracia NÃO MORREU”. Ele foi escrito por Marcus André Melo e Carlos Pereira, e editado pela outrora prestigiada Cia das Letras. E, mesmo sem ter aberto o livro, sou capaz de apostar uma Serra Malte que o argumento do livro é o de que o STF salvou a democracia. Tem trouxa que acredita em qualquer coisa mesmo.
Sorria, Gilmar Mendes!
De volta à imagem que me inspirou a escrever esta crônica, volto meu olhar agora para um dos “salvadores da democracia”: Gilmar Mendes. Não sem antes apontar dois detalhes que me passaram despercebidos nos primeiros parágrafos: a taça de espumante (vazia) nas mãos da bela moça. Mãos que exibem unhas roídas. Dito isso, vamos logo ao Gilmar Mendes que é o Gilmar Mendes de sempre – e no qual eu nunca tinha reparado com tanta atenção.
Ele faz um esforço descomunal para abrir um sorriso. Na presença de tão bela moça você não faria? Mas falha miseravelmente. Paranoico como costumam ser os de sua estirpe, talvez o ministro esteja se perguntando se a bela é aliada ou inimiga, se fez o L ou apertou o 22, se a foto receberá aplausos ou vaias antidemocráticas no Instagram, se é o registro de uma admiração genuína ou, como é próprio dos millenials, irônica. Taí: se um dia eu tiver oportunidade, também tirarei uma foto com Gilmar Mendes. Mais ou menos como aquele desastre que foi a minha foto com Alexandre de Moraes. (Aquele dia foi loko, como dizem os jovens).
Depois do lançamento do livro que ninguém vai ler, mas nem precisa porque o que importa é deixar registrada a história mentirosa e oficialesca do STF como o grande protetor da democracia, imagino a Moça num daqueles bares que reúnem a elite brasiliense. Ela mostra a foto às amigas. Algumas caipirinhas de morango, margueritas e moscow mules mais tarde, as amigas lhe perguntam aquilo que, confessa!, deve estar passando pela sua cabeça agora mesmo: ele tem bafo?
A Moça não diz que sim nem que não. Publica a foto no Instagram. Esquece. O livro, devidamente autografado pelos autores e por mais dois ministros (Fachin e Barroso) que estavam ali de bobeira, vai diretamente para a estante, onde permanecerá virgem até ser descoberto pelos netos encantados com o objeto arqueológico: o livro. Dentro dele, a foto por algum motivo impressa. Nesse dia a Moça, agora não-tão-moça-assim, ouvirá das crianças a pergunta que tanto temia: “Vovó, é você?”. Ao que ela, envergonhada, responderá que era jovem e acreditava nas instituições. “E quem é esse velhote?”, perguntará o netinho mais curioso. “Não sei”, responderá ela, fingindo demência.