Da Redação
Entre os palestrantes do Fórum Jurídico de Lisboa, evento organizado pelo IDP, a faculdade do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, estão sócios, diretores e presidentes de 12 empresas com ações no STF. Algumas dessas ações são relatadas pelo próprio magistrado. A informação é do jornal O Estado de S.Paulo.
O evento teve início nessa quarta-feira (26), na capital portuguesa, e vai até sexta-feira (28). Além de Gilmar Mendes, estarão presentes os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Dias Toffoli.
Com duas ações em curso no Supremo Tribunal Federal, ambas sob relatoria de Flávio Dino, a Aegea Saneamento ganhou quatro mesas no Fórum Jurídico de Lisboa. A empresa irá falar sobre mudanças climáticas, infraestrutura na economia global, concessões de serviços delegados e desenvolvimento sustentável. Três desses seminários ocorreram nessa quarta, o primeiro dia do Gilmarpalooza. As palestras são compostas por ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores e diretores de agências.
Em maio, a Aegea entrou com duas reclamações constitucionais no Supremo para derrubar uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que manteve a realização de uma licitação para a prestação de serviços de esgotamento sanitário em 122 municípios paranaenses. A companhia alega que o processo permitiu a contratação de concorrentes que não ofereceram a melhor proposta. O advogado da Aegea é o ex-ministro do STF Ayres Britto.
Também nessa quarta-feira, o diretor pedagógico do Instituto J&F, Luizinho Magalhães, participou de uma mesa sobre o tema “Responsabilidade Social: O Papel do Setor Público e do Setor Privado”. Gilmar estava como moderador do seminário. O instituto é a entidade de investimento social do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista e que tem em seu portfólio empresas como JBS, PicPay e Âmbar Energia. A Suprema Corte já tem questionamento sobre a disputa bilionária entre a J&F e a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Celulose.
Joesley Batista não está na lista dos palestrantes, mas marcou presença no primeiro dia do Gilmarpalooza. Esse é o segundo ano seguido em que ele comparece ao evento.
Na manhã desta quinta-feira (27), Gilmar irá participar de uma palestra com o CEO do BTG Pactual André Esteves. O tema são os desafios atuais da economia global digitalizada. O banco, que levou outros cinco palestrantes para o Gilmarpalooza, responde a três processos na Suprema Corte. O evento também conta com representantes da Prudential, Google, Grupo Votorantim, Eletrobras, Banco Safra, Bradesco, Magazine Luiza, Instituto Brasileiro de Mineração e Cosan – todos com ações em curso no STF.
“Isso é considerado conflito de interesse em qualquer país civilizado no mundo. Incluindo Portugal, onde esse evento também já está ficando conhecido por essas relações impróprias entre autoridades e empresários, inclusive muitos investigados por corrupção”, disse ao Estadão Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil.
Por sua vez, o advogado André Boselli, da Artigo 19, explica que o Gilmarpalooza evidencia a desigualdade do acesso à Justiça e macula a imagem de imparcialidade dos magistrados. A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, a igualdade das partes no curso do devido processo legal, termo conhecido como equidistância das partes.
“Eventos com esse perfil podem catalisar canais privilegiados de acesso a juízes por partes que estão litigando em um determinado tribunal, como empresários, seus representantes e políticos”, afirma Boselli. “Assim, em tese, pode haver algum tipo de influência ou pressão sobre os magistrados, ainda que indiretamente. O que não precisaria nem ser empiricamente demonstrado, pois o problema é anterior: é a mera possibilidade abstrata de isso ocorrer, maculando a imagem de imparcialidade que deveria revestir o Judiciário e prejudicando a própria instituição”, complementa o advogado.
Em nota, o STF afirmou que ministros do Supremo conversam “com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade”. “E muitos participam de eventos organizados por entidades representativas desses setores, inclusive por órgãos de imprensa… Quando um ministro aceita o convite para falar em um evento, ele compartilha conhecimento com o público do evento. Por isso, a questão não está posta da maneira correta, não se pode considerar a participação do ministro no evento como um favor feito a ele pelo organizador. Por essa razão, não há conflito de interesses”, afirmou o tribunal.
Ao Estadão, o IDP informou que o Fórum não custeia passagens nem hospedagem dos participantes. Já as empresas negam conflito de interesse e afirmam que custearam viagens de seus representantes com recursos próprios.