(Deltan Dallagnol, publicado no jornal Gazeta do Povo em 04 de julho de 2024)
Na última terça-feira (2), durante uma entrevista a uma rádio de Salvador (BA), Lula soltou a seguinte pérola: “Eu acho que temos que fazer uma diferenciação. Você tem carne chique, de qualidade, que o cara que consome pode pagar um impostozinho. E você tem a carne que o povo consome. Frango, por exemplo, não precisa ter imposto. Faz parte do dia a dia do brasileiro. Então, uma carne, um músculo, um coxão mole, um acém, sabe, tudo isso pode ser evitado”. Praticamente ao mesmo tempo, o dólar subia vertiginosamente nas casas de câmbio, até bater a máxima de R$ 5,70 e fechar o dia em R$ 5,66.
A fala de Lula indicando que seu governo quer, agora, taxar até mesmo as carnes vermelhas “chiques” – dentre elas a picanha que ele prometeu exaustivamente durante a campanha – não foi a única razão para o estouro no dólar, é claro. A principal delas, segundo a maioria dos analistas e economistas do país, foram os ataques incessantes de Lula a Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central (BACEN) que foi eleito por Lula como vilão e inimigo público nº 1 do Brasil.
Na falta de visão e de propostas concretas para crescer a economia do Brasil, Lula prefere focar seu tempo e energia culpando outros por suas falhas, e o espantalho da vez é um BACEN que ele não pode mais controlar, em razão da aprovação da lei que concedeu autonomia ao órgão. A autonomia dos bancos centrais é um princípio caro aos mercados de todo o mundo, já que garante uma política monetária mais eficiente e livre de interferências e ingerências políticas, feita com base em critérios técnicos.
Ao atacar incessantemente Roberto Campos Neto e a independência do BACEN, Lula sinaliza para o mercado inteiro que o que ele quer, mesmo, é interferir politicamente nas decisões que são tomadas pelo BACEN a respeito da taxa básica de juros, a Selic, que é utilizada para conter a inflação. A inflação é medida por índices de preços, que indicam a subida dos preços de produtos e serviços. Os bancos centrais de todo o mundo atuam aumentando a taxa básica de juros (também chamada de Selic) para conter esse aumento, já que ela afeta diretamente quanto dinheiro circula na economia. Uma Selic maior incentiva investimentos financeiros, em vez de produtivos, retirando recursos de circulação. Além disso, compras utilizando cartões de créditos ou cheque especial se tornam mais caras, freando o consumo e desacelerando a inflação.
Tudo indica que Lula quer, a todo custo, forçar uma redução violenta da taxa básica de juros, para que assim a população consuma mais e a economia brasileira volte a se aquecer. Contudo, ao atacar de forma agressiva Roberto Campos Neto, o efeito obtido por Lula é o inverso, de impulsionar a crise: o dólar sobe, aumentando imediatamente o preço de diversos produtos da cesta básica, como farinha, pães, óleos, a carne e até mesmo o arroz e o feijão. Isso pressiona ainda mais a inflação e faz com que o BC tenha que aumentar a taxa de juros ou paralisar o ritmo de queda da Selic, o que é justamente o oposto do que Lula quer.
As sucessivas altas do dólar nas últimas semanas devem ter preocupado Lula além da conta, diante da promessa do petista de que as pessoas voltariam a ter “cervejinha e picanha” caso ele vencesse as eleições de 2022. Na verdade, uma pesquisa recente, feita pelo Instituto Locomotiva, mostrou que a maioria dos brasileiros está decepcionada com Lula: 72% acreditam que o governo não está cumprindo a promessa de tornar a “cervejinha e picanha” mais acessíveis. O índice é semelhante em todos os estados do Brasil e os mais insatisfeitos são os evangélicos: 79% deles acreditam que Lula descumpriu suas promessas de campanha.
Nos últimos dias, Lula deve ter percebido que suas desculpas esfarrapadas não colavam mais, e que uma alternativa precisava ser oferecida aos brasileiros descontentes com o estelionato eleitoral. Em uma fala de 26 de junho, em vez de explicar como tornaria a prometida picanha mais acessível aos brasileiros, Lula já havia defendido taxar a carne dos ricos (dentre elas, presumivelmente, a picanha), deixando isenta de tributos a “carne que o povo consome todo dia – pé de frango, pescoço de frango, peito de frango”. É isso mesmo, querido leitor: para Lula, o que o povão come todo dia, mesmo, é pé de galinha, enquanto que a picanha é coisa de rico. Nada de “picanha e cervejinha” pra todo mundo: agora Lula vai taxar as carnes vermelhas nobres e isentar o pé de galinha de qualquer imposto.
Agora que o dólar está nas alturas e tudo indica que o governo Lula vai taxar as carnes vermelhas, como a picanha que ele havia prometido magicamente para o povo, as chances são de que os preços não só da picanha aumentem, mas também da gasolina e de dezenas de outros itens da cesta básica que estão atrelados ao dólar. É uma tragédia econômica generalizada, e que atinge principalmente as classes mais vulneráveis que Lula sempre se gabou de defender. Depois dos arroubos desastrados de Lula, jornais da imprensa amiga correram para alardear os benefícios do pé de galinha: “Deixa a pele mais bonita?”, pergunta a manchete de um portal do UOL. Outra manchete garante que o pé de galinha ajuda na obtenção de colágeno. Vai um pé de galinha aí, leitor?