O Estado de S. Paulo
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta sexta-feira (16), duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que limitam o poder do Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento ocorre após a Corte formar maioria no plenário para manter a decisão do ministro Flávio Dino de suspender as emendas parlamentares ao Orçamento. O magistrado exigiu que o Congresso crie regras para a execução desses recursos que observem requisitos de transparência, rastreabilidade e eficiência.
Uma das PECs, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e que já passou no Senado, limita as decisões monocráticas de ministros do STF. A proposta foi aprovado no ano passado no Senado. Estava na mesa de Lira desde dezembro e dali não saiu até esta sexta (16), quando Lira encaminho o texto para a CCJ. A outra, apresentada pelo deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), permite que o Legislativo suste decisões da Corte pelo voto de dois terços da Câmara e do Senado.
“Nas decisões do Supremo Tribunal Federal, no exercício da jurisdição constitucional em caráter concreto ou abstrato, se o Congresso Nacional considerar que a decisão exorbita do adequado exercício da função jurisdicional e inova o ordenamento jurídico como norma geral e abstrata, poderá sustar os seus efeitos pelo voto de dois terços dos membros de cada uma de suas Casas Legislativas, pelo prazo de dois anos, prorrogável uma única vez por igual período”, diz a PEC de Reinhold.
A proposta também define que os relatores de processos nos tribunais superiores devem submeter imediatamente para decisão colegiada as medidas cautelares “de natureza cível ou penal necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa”. A medida cautelar, de acordo com o texto, teria de ser inserida na sessão subsequente do plenário.
A PEC do Senado veda as decisões monocráticas de ministros que suspendam eficácia de leis e atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara, exceto durante o recesso do Judiciário em casos de grave urgência ou perigo de dano irreparável. Nessas hipóteses, as decisões precisarão passar pelo colegiado dos tribunais em até 30 dias após o fim do recesso.
Comissão Mista de Orçamento deu primeiro recado
Com as emendas Pix bloqueadas por decisão de Dino, a primeira reação do Congresso veio na quarta-feira (14). A Comissão Mista de Orçamento rejeitou Medida Provisória (MP) que previa recomposição orçamentária de R$ 1,3 bilhão para o Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Naquele dia, o único deputado a criticar o movimento contra o Judiciário foi Orlando Silva (PCdoB-SP).
“Objetivamente, me parece uma resposta política a uma decisão manifestada por um ministro do Supremo Tribunal Federal”, disse Orlando. “A resposta baseada em uma reação intempestiva não ajuda. Deveríamos ter resposta, se necessário for, baseada na razão. Se erro foi cometido pelo Supremo, (com) outro erro do Parlamento, somar dois erros não produz um acerto”, emendou.
Lira já havia demonstrado publicamente desconforto com as decisões de Flávio Dino. “Não podem mudar isso, com todo o respeito, num ato monocrático, quaisquer que sejam os argumentos e as razões, por mais que elas pareçam razoáveis”, afirmou na última terça-feira (13), durante jantar das Santas Casas, ao defender a autonomia do Congresso para enviar emendas.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, negou nesta sexta-feira o pedido do Congresso e de 11 partidos políticos para que a decisão de Dino sobre as emendas fosse derrubada. No recurso à Corte, a Câmara e o Senado disseram que a determinação do ministro “viola patentemente” a separação entre os Poderes e causa “dano irreparável à ordem jurídica”.
Deputados e senadores chegaram a prever para esta semana a votação de mudanças nas chamadas emendas Pix para dar mais transparência nos repasses. A análise ocorreria na Comissão Mista de Orçamento (CMO), mas o item foi retirado de pauta após a nova decisão de Dino e, em vez disso, foi rejeitada uma Medida Provisória que aumenta a verba para o Judiciário, em retaliação ao STF.
Até então, o ministro havia suspendido apenas a operação das emendas Pix, que são uma parte das emendas individuais. A nova decisão, contudo, afeta todas as individuais e também as emendas de bancada estadual. Dino já havia pedido mais transparência nas emendas de comissão, que não são impositivas.
A ideia do Congresso é delimitar o objeto das emendas Pix, ou seja, explicitar para qual fim o dinheiro está sendo usado (para qual obra ou política pública específica). Hoje, não fica claro como as prefeituras estão usando as verbas, embora o nome do deputado que enviou a emenda possa ser identificado.
Emendas parlamentares são recursos no Orçamento da União que podem ser direcionados pelos deputados e senadores a seus redutos eleitorais. Hoje, existem três modalidades: as emendas individuais, a que cada deputado e senador tem direito, as de bancada estadual e as de comissão. As duas primeiras são impositivas, ou seja, o pagamento é obrigatório, embora o governo controle o ritmo da liberação.
As emendas Pix (batizadas com esse nome em referência ao sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central) são uma forma de manejar as emendas individuais e permitem a destinação direta de recursos federais a Estados e municípios sem controle e fiscalização.
O pano de fundo do imbróglio é uma disputa de poder entre o Executivo e Legislativo, arbitrada pelo Judiciário. O orçamento secreto foi declarado inconstitucional pelo STF após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas parte dos recursos continuou nas mãos do Congresso, após um acordo feito com o Planalto.
Agora, os parlamentares veem nova ofensiva do governo federal, em aliança com o Judiciário, para retomar mais poder sobre o Orçamento. Principalmente porque Dino foi indicado por Lula para a Corte.