A intolerância woke/identitária à luz do caso Claudia Leitte
(Catarina Rochamonte, publicado no portal O Antagonista em 02 de fevereiro de 2025)
O carnaval se aproxima e o Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), acionado pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) e pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro, continua servindo de instrumento persecutório contra a cantora baiana Claudia Leitte, acusada de racismo religioso por substituir a palavra “Iemanjá” por “Yeshua”, ao cantar determinada música em seus shows.
Após uma tumultuada audiência pública, realizada pelo MPBA, com o pretexto de discutir medidas de proteção às religiões de matriz africana, as entidades presentes deliberaram a necessidade de exigir da cantora uma indenização de R$ 10 milhões.
Foi demandado também que o inquérito civil contra a cantora seja convertido em processo criminal. Como se não bastasse, o Idafro também acionou o MPBA para que o governo do estado e a prefeitura de Salvador não contratem a cantora Claudia Leitte para quaisquer apresentações artísticas.
O caso é digno de atenção e causa revolta em qualquer pessoa sensata, de índole verdadeiramente democrática.
Não se pode fechar os olhos para tal absurdo porque não se trata apenas de defender Claudia Leitte, mas de denunciar a instrumentalização do MP pelo lobby identitário; trata-se de resistir ao avanço de uma agenda autoritária, cada vez mais radical, intolerante e persecutória.
Como bem explica o advogado Andre Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, cantar Jesus ou Iemanjá é uma escolha. Entender de outro modo é aceitar que “o Estado nos obriga a uma religião específica e, com isso, deixa de ser laico”.
Dois pesos e duas medidas
Fica cada vez mais claro que o Estado tem usado dois pesos e duas medidas em relação ao tratamento dado às religiões.
A Anajure (Associação nacional de juristas evangélicos) apresentou recentemente uma denúncia ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) relacionada a uma apresentação do chamado “Bloco da Laje”, em Porto Alegre (RS), realizada no último domingo, 26 de janeiro.
A denúncia foi motivada pela performance de um homem que, caracterizado como Jesus, realizou “strip-tease” ao som da música “Pregadão” (en referência à crucificação do Senhor). Após a dança com simulação de movimentos sexuais, o homem encerrou sua apresentação apenas de tanga.
Será que essa denúncia surtirá efeito? Será que o Estado vai reconhecer o dano moral causado à honra coletiva das comunidades cristãs como reconheceu um suposto dano causado por Claudia Leitte às comunidades das religiões afro-brasileiras por ela ter elidido o nome de Iemanjá de uma canção?
Sabemos que não. Na verdade, a denúncia da Anajure aponta inclusive a utilização de verbas públicas na produção do material e da tal performance ofensiva aos cristãos.
Identitarismo/wokismo
Por que isso se dá? por que o Estado age assim tão parcialmente? Porque está aparelhado e a máquina estatal age em favor das pautas identitárias. Porque o wokismo, sob o pretexto de libertação e proteção das minorias, legitima a expansão do Estado, aumentando o poder dos políticos que instrumentalizam essas bandeiras.
Promovendo políticas afirmativas ou de discriminação positiva por meio de cotas, elaborando editais parciais para fomento à cultura e à educação, ideologizando o ensino, editais e provas de concursos, politizando o judiciário, modificando a linguagem e modificando as leis, o grupo de poder ao qual os grupos beneficiados servem, consegue ampliar a sua hegemonia na sociedade.
Uso aqui indistintamente os termos identitarismo e wokismo para me referir ao mesmo fenômeno. A política identitarista e sua cultura do cancelamento são, segundo explica Antônio Risério, no livro Identitarismo, “uma versão repaginada do politicamente correto de décadas atrás, mas de caráter infinitamente mais autoritário e agressivo do que o de seu antecessor”.
Trata-se, explica ainda o antropólogo, ensaísta e historiador, da formação de guetos grupocêntricos que apagam o indivíduo e a individualidade, reduzindo a multiplicidade a duas identidades apenas: a identidade étnica e a de gênero.
O identitarismo/wokismo é uma ideologia tribal, anti-iluminista, anti-universalista, que recusa a racionalidade e a ciência e que “entrou em campo para desmantelar o Ocidente a partir da politização extrema das linhas de sexo, sexualidade e raça”.
O assunto é um tanto complexo e requer uma exposição mais rigorosa do que esse espaço permite. Voltarei ao tema em artigos posteriores.
Por ora, fica, mais uma vez, o alerta de que estamos caminhando a largos passos para o abismo e pavimentando o caminho para uma sociedade domesticada e servil.
Dou-me por satisfeita se tiver conseguido ao menos sugerir que não é banal, normal que o Estado se sinta à vontade para impor uma multa milionária a uma cantora evangélica por ela ter cantado uma música em versão adaptada na qual usou o nome de Jesus.
Tão menos aceitável é esse fato quando se sabe que o mesmo Estado financia prodigamente milionários projetos “artísticos” que exaltam a comunidade LGBTQIA+ , projetos “pedagógicos” e políticas públicas que têm por finalidade naturalizar a famigerada ideologia de gênero, incutindo-a na cabeça das crianças e incentivando-a nos jovens por meio de cotas em concursos e universidades.