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A investigação da Polícia Federal sobre um suposto esquema de venda de decisões judiciais liderado pelo lobista Andreson de Oliveira Gonçalves apontou uma transação financeira suspeita envolvendo uma advogada que é casada com um desembargador do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
A apuração também detectou pagamentos da JBS, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista, no valor de R$ 15 milhões ao grupo investigado.
Essas transações foram comunicadas à PF pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em um relatório sobre movimentações financeiras atípicas realizadas pelo lobista e por sua esposa, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues.
O UOL teve acesso com exclusividade aos detalhes do relatório, que apontou movimentações atípicas de mais de R$ 2 bilhões.
O lobista foi preso pela PF em novembro passado, enquanto Mirian foi obrigada desde então a usar tornozeleira eletrônica.
Procurada, a defesa de Andreson e Mirian disse que vai se manifestar sobre os episódios nos autos do processo. A defesa já havia argumentado à Justiça que não há elementos de prova que sustentem a acusação de que eles teriam poder para influenciar decisões judiciais.
Na semana passada, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou um pedido de liberdade e manteve a prisão do lobista.
As transações suspeitas
Uma das transações citadas no relatório do Coaf foi um pagamento feito por Mirian ao escritório da advogada Aline Gonçalves de Sousa, casada com o desembargador César Jatahy, do TRF-1.
A transferência, no valor de R$ 938 mil, ocorreu em junho de 2023.
Procurada pelo UOL, Aline disse que foi contratada por Mirian para atuar em um processo judicial, mas não quis dar detalhes sobre o caso.
“Fui contratada pelo escritório Mirian Ribeiro para atuar como advogada em um processo judicial. Prestei o serviço e recebi meus honorários”, afirmou. Questionada se foi contratada para atuar em algum caso no mesmo tribunal onde seu marido é desembargador, Aline disse que não poderia divulgar detalhes dos processos em que atua “por uma questão de ética e sigilo profissional”.
Essa foi uma das transferências mais altas da conta de Mirian Ribeiro apontadas pelo Coaf no relatório enviado à PF. Mirian atua como advogada em ao menos 15 processos sob tramitação no TRF-1. Nenhum está na relatoria de César Jatahy.
Com sede em Brasília, esse tribunal federal tem jurisdição sobre o Distrito Federal e os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.
A PF já investiga suspeitas envolvendo a atuação de Andreson e Mirian no STJ (Superior Tribunal de Justiça), TJ-MT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso) e TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Até agora, entretanto, não havia surgido na investigação nenhuma conexão deles com o TRF-1.
Como mostrou o UOL, Andreson atuava por fora nos processos judiciais, já que não tem registro profissional de advogado, e constituía sua mulher para oficiar nos autos dos processos.
O relatório do Coaf apontou a existência de movimentações financeiras de Andreson e Mirian incompatíveis com a capacidade financeira e as atividades declaradas por eles às instituições bancárias nas quais possuem contas.
No total, o relatório do Coaf apontou a existência de movimentação financeira de R$ 2,8 bilhões em transações atípicas envolvendo 802 pessoas físicas e 686 empresas entre 2018 e 2024.
Por não se tratar de uma quebra de sigilo, o Coaf identificou somente algumas transações sob suspeita envolvendo o casal, mas não identificou a totalidade de recebimentos e transferências de recursos de suas contas.
O material está sob análise da PF, que também obteve a quebra dos sigilos bancários dos personagens envolvidos.
Pagamento de R$ 15 mi da JBS a advogada investigada
O Coaf também identificou suspeitas de irregularidades em pagamentos de R$ 15 milhões da empresa JBS a Mirian. O mesmo relatório detectou duas transferências da JBS ao escritório de Mirian.
- Uma delas, em 1º de junho de 2023, no valor de R$ 11,5 milhões;
- Outra em 16 de junho de 2023, no valor de R$ 4,6 milhões.
No relatório, o Coaf apontou que Mirian explicou à sua instituição bancária que o valor recebido seria referente a honorários pagos pela JBS por seus serviços advocatícios.
“Porém o valor recebido é muito alto e notamos que todo mês há crédito da empresa JBS. Destacamos, que a cooperada não possui capacidade financeira declarada para as movimentações realizadas. O total movimentado a crédito representa cerca de sete vezes o valor do faturamento cadastrado, ou seja, superou [em] aproximadamente R$ 15 milhões a capacidade declarada”, diz o relatório do Coaf, com base em informações prestadas pelo banco responsável pela conta bancária do escritório de Mirian.
Em nota, a JBS afirmou que os pagamentos se referem a “honorários”. “Qualquer pagamento feito ao escritório se refere a honorários – êxito ou pró-labore – em processos da empresa. Todos os serviços possuem efetiva comprovação nos autos desses procedimentos. O escritório não presta mais serviços para a JBS”, disse a empresa.
O UOL revelou, em outubro, que Andreson citou em mensagens do seu celular que havia faturado R$ 19 milhões por meio da atuação para a J&F, holding controladora da JBS, em um dos processos da empresa.
A esposa dele foi constituída como advogada em diversas ações do grupo J&F em tramitação no STJ (Superior Tribunal de Justiça) a partir de 2020.
As mensagens chegaram a ser citadas na representação da PF que pediu buscas e a prisão de Andreson.
Ao todo, a PF listou 14 processos no STJ com suspeitas de corrupção e vazamentos para justificar a operação que levou à prisão de Andreson. No caso do processo envolvendo a J&F, a PF não aponta suspeita de corrupção, mas de vazamento de informações por parte de servidores do tribunal.
Remessa ao STF
Como revelou o UOL em outubro, a PF enviou a investigação ao STF depois que o relatório do Coaf detectou transação envolvendo uma autoridade com foro privilegiado.
Posteriormente, o inquérito apontou que a autoridade citada foi o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Augusto Shermann. A transação foi considerada, entretanto, irrelevante pela PF para os fatos em apuração. Shermann teria transferido R$ 670 para um médico que também recebeu pagamentos de Mirian. O relatório do Coaf não cita nenhum ministro do STJ.
Mesmo assim, o caso foi mantido sob competência do ministro Cristiano Zanin, do STF, porque ainda pode envolver outras autoridades com foro privilegiado.