(Mario Sabino, publicado no portal Metrópoles em 27 de fevereiro de 2025)
É difícil explicar a um gringo como atua a Justiça no Brasil. Que, no Brasil, juiz dá entrevista sobre processo que irá julgar — e, não raro, antes mesmo do recebimento formal do processo, quando o processo ainda está na fase de aceitação ou não da denúncia pelo próprio entrevistado ou pelo colega de toga que dá expediente no mesmo tribunal.
O juiz dá entrevista para dizer que as provas recolhidas pela polícia e pelo Ministério Público são sólidas, que as contestações da defesa não procedem, que tudo é muito grave e por aí vai. É uma antecipação da sua decisão via imprensa.
O estrangeiro pergunta, logicamente: mas, então, para que fazer julgamento?
Chega-se, assim, ao momento mais difícil: responder que, no curso do processo, o juiz que antecipou a sua decisão por meio dos jornais pode mudar de opinião a depender das injunções políticas. Que, depois de ter elogiado a polícia e o Ministério Público, não é incomum que ele passe a avacalhar publicamente o trabalho de investigação e dê veredicto oposto ao inicial.
Mas juiz, no Brasil, é influenciável politicamente?, pergunta o gringo, espantado.
Você, então, se vê na obrigação de informar que, mais do que isso, os nossos juízes — não todos, pelo amor de Deus, só os que importam lá no final — fazem política. Participam de negociações parlamentares, reúnem-se secretamente com o presidente da República, a quem dão conselhos estratégicos, fazem leis, tentam mudar o regime político do país e até cortam fita em inauguração de estradas.
A coisa é tão escancarada, que os jornalistas classificam os juízes entre aqueles com maior ou menor capacidade de articulação política — e os jornalistas não percebem o tamanho de mais esse absurdo. Aliás, para ser jornalista no Brasil, nem é preciso saber escrever, imagine perceber absurdos, você diz, acrescentando a outra tropicalidade nacional de juiz poder ser vítima, investigador e julgador na mesma ação.
É nesse momento que o gringo, antes espantado, abre um sorriso e acha que você está fazendo troça dele. É nesse momento que, meio sem graça, você.se sente um animal exótico. Um tamanduá, uma capivara, um tatu.