(Ricardo Kertzman, publicado no portal O Antagonista em 07 de março de 2025)
Em Banânia, reino da impunidade – principalmente para “criminosos de colarinho branco” -, para alguém ser preso é necessária uma dose cavalar de culpa ou, claro, desde que não faça parte dos famosos “três Ps” (preto, pobre e puta), não poder pagar por um advogado com trânsito livre em instâncias superiores, do tipo que frequenta o STF em trajes de praia.
Vamos lá… Matou alguém, sei lá, no Rio Grande do Norte, por exemplo? A chance de uma condenação “transitada em julgado” é de infames 8%. Sim. Apenas 8% dos homicídios naquele estado terminam na efetiva prisão do assassino.
Dos mais de 640 mil presos do Brasil, somente 11% estão trancados por homicídio. Em um país em que cerca de 40 mil pessoas são assassinadas, em média, por ano, esse número comprova que também matar, além de roubar, traficar, espancar, estuprar, corromper etc. “compensa” por aqui.
Vamos falar de corrupção?
Anões do Orçamento, Navalha na Carne, TRT-SP (Juiz Lalau), Jorgina de Freitas (INSS), Fundos de Pensão, Banco Marka, Vampiros da Saúde, Zelotes, Banestado, Mensalão, Petrolão, Lava Jato… Uma rápida pesquisa na internet, sobre os maiores escândalos de corrupção envolvendo de alguma forma os cofres públicos nos últimos 20 anos, me mostrou a lista acima.
Quantos dos investigados foram efetivamente processados, condenados e presos? Quantos, destes presos, permaneceram por mais de cinco anos na cadeia? Quantos ainda estão cumprindo sentença? Vamos a casos mais recentes:
Sergio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, que desviou centenas de milhões de reais, virou TikToker à beira da piscina. Os figurões flagrados pela Lava Jato – Marcelo Odebrecht, Leo Pinheiro, Antonio Palocci e companhia – estão livres, leves e soltos. Outros, ainda mais felizardos, sentados à mesa em reuniões no Palácio do Planalto. E o próprio presidente da República já foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro, tendo suas penas posteriormente anuladas por questões jurídicas.
Praga generalizada
Um levantamento do site Congresso em Foco, ano passado, com base em coleta de ações judiciais disponíveis nos sistemas de consulta pública do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal de Justiça (STF), Tribunais de Justiça dos estados e Tribunais Regionais Federais (TRF), mostrou que, dos 513 deputados federais, 111 possuíam pelo menos um processo criminal em andamento. No Senado, dos 81 senadores, 20 constavam como processados.
Em 2015, uma matéria de O Globo mostrava que, desde a redemocratização em 1988, mais de 500 parlamentares já haviam sido investigados ou respondiam à ações penais. Àquela época, somente 16 haviam sido condenados e apenas oito, efetivamente, cumpriam pena de prisão. Dez anos depois, alguém aposta que o quadro mudou para melhor?
Um dos crimes mais comuns, praticado por parlamentares, é o peculato. Popularmente chamado de rachadinha, consiste em cobrar parte do salário pago a um servidor contratado. Um notório senador, de sobrenome Bolsonaro, foi denunciado por tal prática pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Após decisões providenciais da Justiça fluminense e, principalmente, da Suprema Corte, “Flavinho Wonka” vem podendo “curtir a vida adoidado”, sem maiores preocupações.
Rachadinha não mata
Falando em rachadinhas, o último escárnio protagonizado pelo conivente sistema judicial brasileiro com a criminalidade, nos chegou ontem, quinta feira (6), no fim do dia. O deputado federal André Janones (Avante-MG), investigado por crime de peculato, firmou Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e pagará pouco mais de 130 mil reais para ganhar uma espécie de selo “deputado limpinho em folha”.
O Acordo de Não Persecução Penal é previsto em lei e qualquer cidadão, em tese, pode celebrá-lo mediante condições propostas pelo Ministério Público. Eu mesmo, processado por um político que não gostou do que escrevi a seu respeito, já recusei tal proposta, pois não apenas não cometi crime algum como jamais confessaria algo que não fiz – Janones, até então, sempre negou ter praticado rachadinha com seus assessores.
Porém, a frase, “o exemplo vem de cima”, deveria ser minimamente observada nestes casos. Não é admissível que um deputado federal qualquer admita um crime, pague uma multa irrisória e continue “representando” a população, que custeia sua atividade parlamentar, utilizada para delinquir.
Deltan Dallagnol
Neste sentido, observou o ex-procurador e ex-deputado federal Deltan Dallagnol: “A única coisa boa a respeito do acordo do Janones com a PGR é que agora você pode chamá-lo de criminoso sem medo de ser processado. O art. 28-A do Código de Processo Penal exige, para a celebração de um acordo de não persecução penal (ANPP), que o investigado confesse formal e detalhadamente a prática do crime.”
E continuou: “O ANPP do Janones é mais um capítulo revoltante do desmonte do combate à corrupção e à criminalidade no Brasil. Não é surpreendente, mas, ainda assim, é indignante, por várias razões. Janones é um deputado eleito, que se corrompeu, traiu e desonrou a confiança dos milhares de eleitores que decidiram lhe entregar a sua arma mais poderosa: o voto. Está em um dos cargos mais altos de nossa República. É membro de um dos Poderes, e o interesse público exige não a impunidade para Janones, mas uma punição severa e exemplar.”
Para, em seguida, finalizar: “A PGR acabou de fazer o contrário: deu o caminho das pedras para que parlamentares Brasil afora possam praticar a rachadinha com impunidade e temer apenas um tapinha no pulso se forem pegos no ato em algum momento no futuro.”
Confessar é a solução
Deputado federal mais votado do Paraná em 2022, eleito com mais de 340 mil votos, Deltan teve o registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter se demitido do cargo de procurador federal 11 meses antes de ser eleito, quando respondia a processos internos que poderiam levá-lo à exoneração e consequente inelegibilidade.
Ou seja, um parlamentar eleito democraticamente foi punido por um crime que ainda não havia cometido, em situação no mínimo curiosa e semelhante ao tema de um antigo filme de ficção, Minority Report (2002), com Tom Cruise, em que pessoas eram presas antes de cometerem seus crimes, antecipados por “videntes”.
Talvez o erro de Deltan Dallagnol tenha sido não confessar um crime, qualquer que fosse a acusação, afinal, como vem mostrando certas decisões judiciais, quando um réu – pessoa física ou jurídica – confessa suborno, superfaturamento etc., acaba ou tendo suas penas anuladas ou suas multas suspensas, quando não canceladas. No Brasil, como afirmo no título acima, ser réu confesso é um ótimo negócio, e passagem só de ida para a impunidade eterna.