Cruzamento de dados do Bolsa Família identifica lavagem de dinheiro do PCC
Gazeta do Povo
Autoridades do órgão do governo responsável por investigar movimentações bancárias suspeitas estão cruzando dados de programas assistenciais, como o Bolsa Família, para identificar operações de lavagem de dinheiro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A tática é pesquisar altas movimentações de dinheiro em contas de pessoas que recebem o Bolsa Família, ou seja, indivíduos que podem estar servindo de “laranjas” para o crime organizado.
O órgão que vem emitindo relatórios sobre as suspeitas é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com base em informações fornecidas por instituições de fiscalização e controle. O objetivo do Coaf é ajudar a polícia a rastrear como o PCC está usando fintechs, os bancos digitais, para movimentar dinheiro de atividades criminosas, como tráfico de drogas e assaltos.
Seus técnicos têm acesso a informações sobre quantias movimentadas em instituições bancárias acima de determinado patamar de valor. Quando uma dessas movimentações passa pela conta de um beneficiário do Bolsa Família, que deve ter baixa renda para participar do programa social, um alerta é emitido para gerar mais investigações. Isso não torna a pessoa imediatamente culpada de ligação com o crime organizado, mas a hipótese de que ela tenha sido cooptada para emprestar seu nome, documentos e conta bancária para criminosos começa a ser levantada.
Segundo a Polícia Federal, são centenas de operações rastreadas e consideradas suspeitas, com resultados milionários. Elas e os operadores estão na mira da PF e do Ministério Público.
O Coaf informou à Gazeta do Povo que, por força de disposições legais, “não comenta casos específicos” e que o Coaf não atua como órgão de investigação ou de persecução penal. A entidade destaca que a produção de inteligência financeira consiste no recebimento de informações de fontes legalmente previstas, principalmente comunicações provenientes dos vários setores e na análise dessas informações. Em tese, são dados suspeitos levantados por bancos oficiais que operam os programas assistenciais e pela Receita Federal.
“Nos casos em que as referidas fontes apontem situação suspeita, são produzidos e disseminados Relatórios de Inteligência Financeira (RIF)”. Posteriormente esses relatórios são enviados aos órgãos de investigação e controle. O governo reconhece falhas no sistema de concessão e fiscalização dos benefícios e diz que o está aprimorando para evitar fraudes.
Ou seja, o objetivo principal não é cancelar o benefício do Bolsa Família, mas ajudar a polícia a investigar quem está atuando como “laranja” e quem o cooptou. Investigadores estimam que os criminosos que movimentam os recursos nem saibam que seus “laranjas” recebem Bolsa Família.
Um desses relatórios foi remetido ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e à Polícia Federal no fim do ano passado e culminou em uma operação em fevereiro. No documento da investigação constavam nomes de beneficiários de programas sociais que estão sob investigação por realização de transações financeiras milionárias, atípicas às rendas que possuem.
Além de beneficiários do Bolsa Família, há profissionais como pedreiros, auxiliares de serviços gerais ou empresas sem sedes físicas ou lastros financeiros que justificassem transações milionárias em favor de suspeitos ligados ao PCC.
O dinheiro estaria passando por duas fintechs que estão na mira dos investigadores há mais de um ano. Uma delas é a mesma que já estava sendo investigada pela PF no ano passado por supostamente operar R$ 6 bilhões de forma ilegal para o PCC.
Esse banco digital em investigação tem, entre os proprietários, um policial civil do estado de São Paulo que chegou a ser citado pelo empresário e delator do PCC, Vinícius Gritzbach, assassinado em novembro do ano passado no aeroporto internacional de Guarulhos. A delação também contribuiu com a operação que identificou beneficiários do Bolsa Família operando para o PCC.
O policial civil chegou a ser preso ano passado, mas foi liberado. No mês passado, nesta nova operação chamada de “Hydra”, dessa vez entre o MP-SP e a PF, ele voltou para a prisão. A defesa dele não respondeu ao pedido de entrevista feito pela Gazeta do Povo. O mesmo ocorreu com a fintech que o policial opera.
A operação “Hydra” segue investigando as fintechs suspeitas de lavar dinheiro para o PCC e, no meio do caminho, estariam os beneficiários de programas assistenciais. Na ação, realizada no fim de fevereiro em São Paulo, Santo André e São Bernardo, foram cumpridos mandados de busca e apreensão, resultando na prisão do policial civil. As apreensões também querem rastrear o movimento e a relação de beneficiários de auxílios assistenciais com a lavagem de dinheiro.
“As fintechs ofereciam serviços financeiros alternativos aos bancos tradicionais, ocultando os beneficiários das transações. A investigação teve início a partir da delação de Antônio Vinicius Gritzbach, assassinado em novembro de 2024, que era acusado de lavagem de dinheiro para o PCC”, descreve a PF.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse que o policial civil citado como dono da fintech está afastado de suas funções desde dezembro de 2022 e que a Corregedoria, que também apura os fatos, acompanha os desdobramentos das investigações e segue à disposição da Polícia Federal para colaborar com as investigações.