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O jantar obsceno de Moraes às vésperas do julgamento de Bolsonaro

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(Deltan Dallagnol, publicado no jornal Gazeta do Povo em 20 de março de 2025)

 

“Nos últimos 40 anos, não vivemos mais as mazelas do período em que o Brasil não era democrático: não tivemos jornais censurados, nem vozes caladas à força, não houve perseguições políticas, presos ou exilados. Não tivemos crimes de opinião ou usurpação de garantias constitucionais. Não mais, nunca mais”, declarou o presidente da Câmara, Hugo Motta, ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Barroso, e do ex-presidente José Sarney, durante a cerimônia de celebração dos 40 anos da redemocratização do Brasil.

Este é o mesmo Hugo Motta que, em 7 de fevereiro deste ano, afirmou que os atos de 8 de janeiro não foram uma tentativa de golpe, mas sim uma ação de “vândalos” e “baderneiros” inconformados com a vitória de Lula. Ele também criticou as penas de 17 anos de prisão para senhoras que apenas passavam pela Praça dos Três Poderes no momento dos eventos. “Há um certo desequilíbrio nisso”, disse Motta, renovando as esperanças da direita na aprovação do projeto de anistia. De lá para cá, o que aconteceu para Hugo Motta mudar tão radicalmente de discurso? O que mudou?

Um dia antes do “triplo twist carpado” discursivo de Motta, um jantar obsceno acontecia em Brasília. Na casa do ministro Alexandre de Moraes, do STF, o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi homenageado — talvez pela sua omissão em pautar o impeachment de ministros do Supremo. Compareceram ao jantar, ainda, o vice-presidente Geraldo Alckmin, o Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, o chefe da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, e quase metade dos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Quem mais estava lá? Hugo Motta e Davi Alcolumbre, os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente.

“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, diz o artigo 2º da Constituição Federal. Deve ser desse tipo de convescote que a Constituição estava falando, porque sabe quem mais estava lá? Oito dos onze ministros do STF: além do próprio Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Edson Fachin, Flávio Dino, Nunes Marques e Barroso. O jantar foi descrito pela imprensa nacional como uma demonstração de força, poder e prestígio de Moraes, evidenciando a amplitude dos “laços” do ministro nos Três Poderes.

Dos oito ministros do STF presentes, três votarão, na próxima semana, o recebimento da denúncia da PGR contra Jair Bolsonaro e outros réus pela suposta tentativa de golpe de Estado — número que pode ser ampliado para os oito presentes caso a ação penal seja julgada no plenário. Estava lá mais da metade do STF, ou, em outras palavras, a maioria necessária para se ganhar qualquer caso no tribunal.

Além da mudança de discurso de Hugo Motta, após o jantar, o STF tratou de dar outra amostra de isenção e imparcialidade — só que não. O tribunal formou maioria para negar o pedido das defesas de Bolsonaro e Braga Netto de impedimento de Moraes, Zanin e Dino. Que o STF negaria esse pedido já era uma certeza, mas o ponto aqui é outro: os ministros perderam totalmente o pudor de serem vistos como políticos e parciais, a ponto de oferecerem jantares para metade da República sem qualquer preocupação com críticas ou questionamentos sobre sua imparcialidade no julgamento de Bolsonaro na próxima semana.

Os ministros, afinal, jantaram com membros do governo Lula, o principal opositor de Bolsonaro. Este é o mesmo governo, aliás, que a denúncia da PGR — a ser analisada pelos ministros — alega que Bolsonaro queria derrubar. De certa forma, portanto, os julgadores do suposto golpista estavam jantando com a vítima do golpe dias antes do início do julgamento. Estava presente também o chefe da PF, que conduziu as investigações, e o chefe do Ministério Público, que, além de oferecer a acusação, é parte no processo.

Como a sociedade brasileira pode ter qualquer esperança de que haverá um julgamento justo para Bolsonaro e os demais réus na próxima semana? Se ainda restava alguma, o STF tratou de enterrá-la com mais essa demonstração de que é um tribunal político, e não técnico-jurídico. Parece até deboche. Além de julgarem de forma inadequada, eles não têm a menor preocupação de passar uma imagem adequada.

“Para ministros do STF, conversas entre Moro e Dallagnol tornam ex-juiz suspeito”, dizia a manchete de um portal pró-STF em 2019. A acusação era de que juiz e procurador trocavam mensagens via aplicativo de celular. Mesmo tratando-se de supostas conversas não autenticadas, obtidas criminosamente por meio de hackeamento, os ministros do STF concluíram que juiz e procurador trocarem mensagens era sinal de parcialidade — e, portanto, toda a Lava Jato deveria ser anulada.

E quando o juiz convida o procurador e o delegado para um jantar em sua casa, sem a presença do advogado de defesa? O que os ministros do STF de 2019 diriam dos ministros do STF de 2025? Difícil dizer, já que eles não garantem nem mesmo a estabilidade da própria jurisprudência. Mas uma coisa é certa: se os procuradores da força-tarefa tivessem oferecido um jantar desses para o então juiz Moro na República de Curitiba, com a presença dos advogados da Petrobras e políticos interessados na prisão de Lula, a Lava Jato estaria viva até hoje, sem nenhum caso anulado. Afinal, estariam apenas seguindo o “bom exemplo” Supremo.

 

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