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Eldorado do Carajás, uma tragédia anunciada

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(Xico Graziano, publicado no portal Poder360 em 15 de abril de 2025)

 

Em outubro de 1995, então presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), estive em Parauapebas (PA) procurando solucionar um grande conflito agrário. Fracassei. Meses depois, em 17 de abril de 1996, ocorreu aquele massacre que vitimou 19 trabalhadores. Conheci de perto essa tragédia anunciada.

A história se passou assim: um grupo de cerca de 1.200 famílias estava acampado por ali reivindicando uma fazenda chamada Macaxeira. O laudo técnico do Incra, porém, indicava que a área era produtiva, o que impedia sua desapropriação para fins de reforma agrária.

Chamei a Brasília os líderes do movimento, que estiveram representados por um rapaz astuto apelidado de Fusquinha. Na audiência pública ficou acertado que o Incra adquiriria uma outra fazenda, situada perto dali, chamada Rio Branco, cuja enorme área, de 22.000 hectares, poderia acomodar a situação.

Animado com a solução da encrenca, quis eu pessoalmente ir ao Pará entregar simbolicamente aquela área, imaginando participar de um momento festivo. Que nada. Fui recebido por uma multidão enfurecida que brandia foices e facões gritando: “Queremos a Macaxeira, queremos a Macaxeira”. Descobri que havia entrado em uma arapuca.

Sem entender ao certo o que estava acontecendo, procurei pelo Fusquinha, meu pregresso interlocutor. De longe o avistei, porém apartado, envergonhado. Havia sido afastado do comando pela direção nacional do Movimento dos Sem-Terra, que rompera o acordo feito comigo em Brasília. Fui traído pelo MST.

Face ao risco da confusão, a PM (Polícia Militar) me recomendou que fôssemos logo embora. Mas eu insisti para subir no caminhão de som, fazendo um apelo àquela turba exaltada: “Vamos acalmar a situação e ocupar a fazenda Rio Branco, deixando a Macaxeira em paz até que, depois, se defina sua situação jurídica”. Não aceitaram.

Percebi, claramente, que o MST estava se aproveitando do episódio de minha ida ao local do conflito para mostrar sua força política, visando a desgastar o governo de Fernando Henrique Cardoso. “Aqui, mandamos nós”, era o recado que me davam.

Ao retornar, apiedei-me daqueles trabalhadores, gente pobre, sofrida e esperançosa, desempregados pelo fim do garimpo na região da Serra Pelada, que agora serviam de massa de manobra para a luta (pseudo) revolucionária do MST. Pessoas subjugadas pela ilusão, ou pela mentira, socialista.

A intransigência do MST se aliou ao despreparo da Polícia Militar, desaguando no massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido meses depois. Ao teimarem por invadir a fazenda Macaxeira, esticaram a corda da violência no campo, levando a PM a reagir, configurando o macabro episódio em que 19 trabalhadores foram barbaramente mortos. Todos erraram.

Passados 8 anos, em 2003, retornei como um estudioso à região do sul do Pará. No trajeto de Marabá a Parauapebas, no km 100 da rodovia, reconheci o local onde, à uma multidão enfurecida, fiz um incrédulo comício defendendo que a reforma agrária se realizasse dentro da ordem e da paz. Não fui ouvido.

Ali perto, passei pela curva do “S”, deparando-me com as enormes toras de castanheira enterradas, em pé, formando um estranho monumento em homenagem aos mortos de 17 de abril. Hoje em dia, abandonadas, restam só duas delas erguidas.

Visitei os assentamentos rurais em que transformaram as fazendas Rio Branco e Macaxeira, testemunhando seu fracasso. Havia um mercado de lotes, cerca de 35 hectares cada, negociados na faixa de R$ 30.000. Serrarias se esbaldaram com o desmatamento da reserva legal, que não deixou uma árvore em pé. Metade dos lotes estavam arrendados ou dados em parceria.

Conversando com o Seu Zé Dias, presidente da associação de produtores que o Fusquinha havia fundado, soube que ele havia sido assassinado.

–”Ele traiu nosso acordo?”, perguntei.

–”Não senhor”, me respondeu na lata. “O Fusquinha era uma pessoa do bem”. E continuou: “Ele se tornou um herói para nós quando voltou da capital dizendo que havia feito um acordo com o governo para assentar todo o pessoal e acabar com o acampamento. Mas foi passado para trás.”

Aliviei-me em saber a verdade. Toda essa história está relatada em meu livro “O carma da terra no Brasil” (Editora A Girafa, 2004). Relembrando agora o passado, como que vislumbrando um triste filme com imagens que gravei há 29 anos, restei pensando no futuro do país.

Vemos nesses dias o MST acirrar a invasão de propriedades rurais, em mobilização chamada de Abril Vermelho. Novamente, esticam a corda e apostam na violência agrária, fazem justiça com as próprias mãos. Provocam o destino.

Além da afronta ao Estado democrático de Direito, o MST ataca o agronegócio como se fosse o diabo na Terra. É incrível: o tempo passa, a realidade muda, mas a velha ideologia permanece, como se uma espécie de “comunismo-camponês” pudesse substituir o capitalismo agrário, causar um progresso e alimentar as metrópoles do mundo.

Pior de tudo: contam com a benevolência do governo federal. É o fim da picada.

 

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