Da Redação
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra dispositivos do Decreto nº 11.302/2022, que concede induto natalino a condenados por crimes diversos. Para o PGR, o artigo 6ª da norma viola a Constituição ao beneficiar agentes de segurança pública condenados por crimes que não eram considerados hediondos no momento da sua prática, desde que praticados no exercício da função e mesmo que tenha havido violência ou grave ameaça, medida que alcança os policiais militares envolvidos no caso conhecido como Massacre do Carandiru. De acordo com ele, a Constituição veda o indulto para crimes hediondos, aferição que deve ser feita não no momento da prática do crime, mas sim na data da edição do decreto.
Augusto Aras também lembra que a Carta Magna, ao determinar a observância dos tratados internacionais de direitos humanos, proíbe o benefício para crimes considerados de lesa-humanidade no plano internacional, como foi o massacre do Carandiru, classificado como grave violação de direitos humanos por cortes internacionais. Em medida cautelar, o PGR pede que o Supremo suspenda imediatamente a eficácia do dispositivo, como forma de evitar o esvaziamento das dezenas de condenações do caso.
Na manifestação, o PGR diz que o Massacre do Carandiru representa um “triste capítulo da história brasileira”. Em outubro de 1992, 341 agentes de Polícia Militar do Estado de São Paulo foram enviados para conter uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru. A operação resultou num total de 111 mortos e na consequente condenação de 74 policiais militares por homicídio qualificado, com penas variando de 96 a 624 anos de prisão. Os envolvidos foram condenados diversas vezes pelo art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, quando o homicídio doloso qualificado ainda não era considerado crime hediondo. Em 1994, a Lei 8.930 passou a considerar o crime como hediondo, alterando a Lei 8.072/1990, que trata do assunto.
Aras afirma que o indulto é um ato político e que a Constituição dá ampla liberdade ao presidente da República para a concessão da medida, ressalvados os casos que envolvam crimes de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos. De acordo com ele, a Carta Magna não leva em consideração a data do cometimento do fato, e sim a circunstância de o crime estar definido como hediondo no ordenamento jurídico no momento da edição do decreto. O entendimento é confirmado por julgados das duas turmas do STF. “Nesse sentido, o decreto presidencial que concede o indulto natalino não pode alcançar os crimes que, no momento da sua edição, são definidos como hediondos, pouco importando se, na data do cometimento do crime, este não se qualificava pela nota de hediondez”, explica o PGR.
O PGR também lembra que o decreto presidencial que concede indulto é um ato do Estado brasileiro sujeito às limitações impostas por tratados internacionais de direitos humanos dos quais o país seja signatário. O Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e está sob a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No caso do massacre do Carandiru, a CIDH declarou o país responsável por graves violações a direitos humanos, expedindo recomendações para que o Brasil reparasse os danos causados e evitasse novas violações.
Para o PGR, conceder o benefício aos envolvidos no caso significaria impunidade e afronta às decisões de órgãos de monitoramento e de controle internacionais relativos a direitos humanos, o que pode gerar a responsabilização do Brasil perante cortes internacionais. “Indultar graves violações de direitos humanos consubstanciadas em crimes de lesa-humanidade significa ignorar direitos inerentes ao ser humano, como os direitos à vida e à integridade física”, conclui o PGR.
Além da suspensão imediata dos dispositivos questionados, Aras pede que o Supremo declare inconstitucional a expressão “no momento da sua prática” contida no art. 6º, caput, do Decreto 11.302/2022, para fixar a tese de que o indulto não alcança os crimes hediondos definidos em lei na data da edição do decreto presidencial que o concede. Também pede que o STF afaste a possibilidade de que o benefício seja concedido a condenados por crimes de lesa-humanidade, “notadamente os cometidos no caso do Massacre do Carandiru, cuja persecução e efetiva responsabilização o Estado obrigou-se por compromisso internacional assumido voluntariamente pela República Federativa do Brasil”.