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Uma Ideia que Deforma Mentes, o paradoxo do democrata que odeia o fascismo e ama o comunismo

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(Pedro Henrique Alves, publicado na Revista Oeste em 17 de junho de 2023)

 

Existe uma já conhecida hipocrisia histórica com relação ao tratamento público e acadêmico dispensado ao comunismo em comparação ao fascismo e ao nazismo. E isso é tão óbvio, e ao mesmo tempo sutil, que, por vezes, não notamos que, quando tratamos do horror de Hitler, chamamos isso de “nazismo”, o termo correto da ideologia que impregnou e deu fundamento para o morticínio na Alemanha; todavia, quando nos referimos ao processo de Moscou e aos demais horrores abjetos de Stálin, não denominamos isso de “comunismo”, mas de stalinismo. Desculpamos o comunismo pelas decisões de Stálin, mas não fazemos o mesmo com o nazismo com relação a Hitler.

É fato, também, que no Ocidente há um horror natural — e correto — diante do nazismo e do fascismo, convivendo contraditoriamente. Todavia, com o assustador silêncio obsequioso — quando não, reverenciado — ante os morticínios incontáveis realizados pelo comunismo desde 1917. Tal discrepância nos faz questionar com sinceridade: por que o comunismo, tendo sido uma ideologia estatisticamente muito mais mortal do que o nazismo, não tem a mesma repulsa pública, acadêmica e social que aquele? Segundo Stéphane Courtois, e mais cinco renomados historiadores, em O Livro Negro do Comunismo, foram mais de 100 milhões de vítimas diretas do comunismo no século XX. Eis, meus caros, a questão mais incômoda que existe para os militantes administradores da História. Eis o filho feio da comunidade internacional, o pseudodemocrata que odeia o fascismo, mas idilicamente louva o comunismo e sua marola utópica.

E, calma, quando tais comparações são realizadas, a tendência comum do afoito leitor caçador de “fascistes e nazistes” é imaginar que o articulista está tentando, de alguma maneira, minorar as ações abjetas dos seguidores de Adolf Hitler. De forma alguma! Muito menos estão aqueles autores que tratam dessa aporia histórica de forma séria, que percebem e tentam explanar essa abordagem moral desfocada do Ocidente ante os espólios do comunismo, que denunciam a doce hipocrisia acadêmica dos doutos antifascistas de olhos chorosos ante o que Hitler fez, mas ainda orgulhosamente, de punhos cerrados, mantêm seus fetiches soviéticos intactos. Todos eles igualmente condenam tanto a ideologia nazista como a comunista, lembrando às gerações nascidas após o reino de ambos os modelos totalitários o que foi viver sob eles, quais as estratégias políticas e males antropológicos gestados por esses modelos despóticos.

Cito nominalmente alguns estudiosos do tema para deliberadamente propagandear tais pensadores e pesquisadores que tratam o comunismo com o devido rigor histórico, científico e moral, que não se deixaram levar pela falsidade e dubiedade analítica dos fatos históricos do século passado; são eles: Anne Applebaum, Niall Ferguson, Timothy Snyder, Richard Pipes, Tony Judt, Stéphane Couurtois, Vladimir Tismăneanu, Gabriel Liiceanu, Horia-Roman Patapievici e Andrei Pleșu. Esses três últimos são os autores de um dos livros mais importantes que li este ano, a saber, Uma Ideia que Deforma Mentes, editado pela Academia Monergista e traduzido direto do romeno pelo excelente Elpídio Mario Dantas Fonseca. Andrei Pleșu, um historiador da arte e destacado pensador político romeno do pós-revolução de 1989 — revolução que retirou o ditador comunista Nicolae Ceaușescu do poder e o condenou ao fuzilamento —; Gabriel Liiceanu, filósofo e cineasta romeno, conhecido pela profundidade e veia literária, um dos mais notáveis críticos contemporâneos do marxismo moderno; e Horia-Roman Patapievici, físico e filósofo, um dos intelectuais conservadores mais admirados atualmente no Leste Europeu.

Em três ensaios deveras sucintos, mas igualmente agudos e fundamentados, os três pensadores romenos tentam explicar por que as novas gerações continuam a se enamorar pelo comunismo, mesmo que muitos deles ainda vejam em seus pais e países — principalmente no Leste Europeu e no Oriente — os sulcos sanguinolentos dessa ideologia totalitária. Os autores notam que, no Ocidente, mesmo antes da queda da dita “Cortina de Ferro”, principalmente após o discurso de Nikita Khruschov, em 24 de fevereiro de 1956, no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, denunciando a psique paranoica de Stálin e os inúmeros horrores criados pela sua máquina estatal de morte — especialmente na década de 1930 —, muitos intelectuais renomados e personalidades políticas tidas como “moderadas” no Ocidente mantiveram suas crenças ideológicas pró-comunismo, ou, como no caso de Jean-Paul Sartre e Emmanuel Terray, suas defesas irrevogáveis dos atos desprezíveis do comunismo soviético, encontrando, por vezes, argumentos dos mais transloucados e tolos para justificarem o Partido e sua gana por sangue. Cabe salientar que, até hoje, Sartre é admirado e seguido por incontáveis estudantes no mundo inteiro.

O que poderia explicar essa hipocrisia geopolítica ante o comunismo, e mais, o fascínio ante essa ideologia? Três respostas são possíveis, segundo Liiceanu, Patapievici e Pleșu: 1) a covardia dos acadêmicos que se entregam ao lugar comum da pesquisa enviesada, se calaram ante as pressões de instituições e financiadores tendentes à esquerda, ou, por desânimo com a realidade, se abstêm hoje de entrar em debates infindáveis com ativistas e militantes “xiitas”; 2) a ignorância histórica de uma geração que nasce na ilusão de poder contorcer a realidade aos seus desígnios e fetiches, não tendo vivido e nem estando disposta a estudar sobre o que foi o comunismo, rapidamente encontra em qualquer ideal abstrato a motivação existencial de sua vida, eis, então, afirma especialmente Andrei Pleșu, o prato cheio para um jovem comunista despropositado e raso: uma meta inalcançável que traz algum reconforto moral de heroísmo fácil, aliado a uma mente pueril e curta, que tenta justificar seus fracassos a partir da natural problemática da existência; e 3) por fim, mas talvez o mais assustador dessa lista, trata-se da geração que não sabe viver sob a liberdade; uma geração que, diante da possibilidade de ter que arcar integralmente com as consequências de suas escolhas, falhas e imprudências, prefere uma ideologia que mascara seus defeitos e arrogâncias por detrás de um ativismo de caráter abstrato e totalitário. Nesse modelo, encontramos boa parte dos atuais jovens ocidentais, aqueles que militam pela saúde do ecossistema amazônico, pela liberalização da maconha e pelo direito da mudança de sexo em crianças, não se importando se, para alcançar tais objetivos, antes seja necessário criar um aparato político totalmente autoritário, legislações despóticas e governos totalitários as quais, no caminho do paraíso idealizado, deixarão milhares — ou milhões, você duvida? — de corpos na estrada com uma etiqueta argumentativa vagabunda ao estilo sartriano.

Uma Ideia que Deforma Mentes propõe ao Ocidente que se conheça as estruturas do comunismo, as articulações dessa ideologia, bem como as nervuras dessa teoria que ainda hoje é amada sem ser efetivamente conhecida; um antídoto contra o comunismo, afirmam os autores, passa antes pela percepção das ideias e argumentos errados que estruturam esse tal ideal totalitário. Para isso, os autores propõem um exercício que passa pela sinceridade intelectual, isto é: a busca histórica sincera e desprendida sobre o que foi o comunismo e o que ele causou no século passado; depois, pela percepção filosófica do que a ideologia comunista, ao final, pede ao indivíduo, isto é: a alienação completa de sua mente e autonomia; por fim, o debate aberto e ousado sobre o comunismo na história e seus espólios ruinosos, suas consequências existenciais e espirituais nos indivíduos que o provam efetivamente.

Só existe uma forma de afastar da humanidade os monstros do nazismo, do fascismo e do comunismo, e é expô-los todos sob o sol, deixando com que as suas faces e realizações sejam vistas sem reservas e maquiagens. O que temos hoje é o nazismo e o fascismo diariamente expostos e dissecados, e é bom que seja assim, mas, quando chegamos no comunismo, encontramos uma turba de fiéis a mascará-lo, um uníssono “Calma lá, não é bem assim. O que aconteceu na União Soviética não era o comunismo ainda”.

Enquanto o Ocidente estiver disposto a esconder sob argumentos tão vagabundos mais de 100 milhões de assassinatos comunistas, até lá não poderemos falar plenamente de liberdade, democracia, muito menos nos arrogarmos professores de quaisquer virtudes políticas ao mundo civilizado. É certo que conviveríamos com um vizinho que esconde um assassino em seu porão, por que então deveríamos aceitar e confiar em políticos e acadêmicos que justificam ideologias homicidas como o comunismo? Eis outra questão que rasga a alma do Ocidente e que o mainstream luta diariamente para embatucar.

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