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Rumo a um Brasil sem seu povo

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(J.R. Guzzo, publicado na Revista Oeste em 27 de junho de 2023)

 

Dia após dia, o Brasil se transforma em um país de regime soviético. Com o consórcio formado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e as facções que apoiam o presidente da República, o Brasil avança rumo a um governo — mas carente de um povo. Como a Rússia comunista e todos os outros regimes análogos, de Cuba à China, que seguiram seus passos, o Brasil está fadado a se tornar um Estado sem instituições, que não foram oficialmente varridas do mapa, mas se depreciam a cada dia mais. Cargos públicos com real influência na máquina do Estado estão sendo ocupados por aliados que, mais do que apenas nomeados, são impostos pelo consórcio. Em termos práticos, o país tem sido controlado por um regime de partido único: a “Associação STF-Lula” — enquanto outros partidos às vezes podem agitar as coisas, além de deixarem de conduzir uma comissão parlamentar de inquérito que propuseram, podem ser multados em R$ 22 milhões caso apresentem uma petição ao STF. Ainda que o Brasil tenha um Congresso Nacional — o que a Rússia soviética também tinha, aliás —, as leis aprovadas pelos deputados são simplesmente anuladas por capricho do STF, seja qual for o assunto. É o que ocorre com a lei das terras indígenas, aprovada na Câmara dos Deputados por 283 votos a 155, mas que está prestes a ser declarada nula pelos ministros do mais alto tribunal do Brasil — assim como foi a Lei nº 14.950 sobre a mesma matéria. A maior parte da imprensa venera Lula, seu governo e o ministro Alexandre de Moraes. Na vida real, a mídia funciona como um grande grande Pravda, escrito e falado em português — muitas vezes em português pobre.

Ainda há um longo caminho a percorrer, e a República Soviética do Brasil, pelo menos por enquanto, limita-se a esmagar a liberdade política. (Na Rússia comunista, por exemplo, nunca houve uma Parada do Orgulho Gay; um passaporte nacional seria exigido para viajar de uma cidade para outra; e a lista telefônica de Moscou era um segredo de estado, entre outras curiosidades que só o comunismo poderia criar.) Mas é justamente para esse regime totalitário, mais de acordo com o século 21 e constituído prioritariamente por peças de produção nacional, que o país caminha. Façamos uma pergunta simples: quem impedirá esse desenvolvimento se o STF e o Sistema “L” juntos são os que escrevem as leis e decidem o que é legal e o que não é? Certamente não serão os militares, que, a cada cinco minutos, se declaram a favor da “legalidade” — ou seja: o que a Associação STF-Lula decidir é legal. Além disso, os comandantes militares apóiam o sistema de partido único que hoje governa o país; entregaram à polícia, trancados em ônibus, cidadãos que protestavam pacificamente contra o resultado das eleições em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. Não será o Judiciário, que é apenas um grande cargo público comandado pelo Supremo Tribunal Federal. Obviamente, também não será o Congresso, pois ele não existe mais como força política efetiva. Não serão os 150 milhões de brasileiros que estão 24 horas por dia ocupados demais ganhando a vida para se interessar por política. Resumindo, não será qualquer um. 

A União Soviética brasileira não é uma mera versão copiada e colada da ex-URSS; embora o resultado seja semelhante quando se trata de criar uma ditadura efetiva na vida pública, é essencialmente uma construção caseira sem as filosofias políticas mais profundas encontradas na versão alemã original. Não houve uma revolução, uma invasão do Palácio de Inverno ou uma descida da Sierra Maestra. Sua chave está no acordo de acionistas entre o STF e o Poder Executivo, este último encarnado por Lula. Juntos, eles governam o país sem nenhum tipo de concorrente ou oposição capaz de barrar qualquer de seus movimentos. Os ministros do mais alto tribunal, para ser franco, anularam as leis brasileiras para libertar Lula da prisão, onde cumpria pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e anular todas as ações criminais contra ele, viabilizando sua candidatura à Presidência da República. Então, através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), eles orquestraram a campanha mais obscura, contestada e tendenciosa da história eleitoral brasileira e adotaram um sistema de votação eletrônica não empregado em nenhuma democracia do planeta. Contaram os votos e declararam Lula vencedor. Em contrapartida, o Sistema “L” cumpre tudo o que o STF quer que seja feito, em qualquer área ou situação. Juntos, eles escolhem os novos membros do TSE, que passa a ser 100% controlado pelo consórcio, e decidem quem será o novo Procurador-Geral da República, eliminando efetivamente o Ministério Público como força independente na vida pública brasileira, conforme estabelecido pela Constituição. Essas decisões são tomadas em churrascos hermeticamente fechados em Brasília, isolada do resto do mundo, com proibição de celulares no local. Que tipo de “instituições” poderia surgir de um conluio como esse?

Com efeito, as instituições e deveres inerentes a uma república ou a democracias genuínas estão sendo extintos, um a um, por decisões tecnicamente legais do consórcio STF-Lula. O presidente, em meio à indiferença da população e à anestesia moral que hoje impera no Brasil, nomeia seu advogado pessoal para uma vaga no STF — ninguém menos que seu advogado pessoal. A mídia, o mundo político e as classes intelectuais fingem que tal nomeação é normal, ou quase isso. Mas um fato muito simples passa despercebido por todos: é impossível, no mundo real, que o novo ministro tome qualquer decisão minimamente contrária aos interesses do presidente da República. Alguém honestamente acredita que pode ser imparcial em seus julgamentos, como qualquer democracia decente exige minimamente? Em que país sério do mundo, qualquer um desses mesmos países onde Lula faz “política externa” turística hospedando-se em hotéis com diárias de quase R$ 40 mil, o presidente, rei ou primeiro-ministro indica seu advogado pessoal para o Supremo Tribunal? Nem mesmo Stalin fez isso; é verdade, porém, que ele não tinha advogado ou nunca precisou de um, mas o fato é que ele não fez tal coisa. A verdade é que Lula governa sem freios — um deles, o Judiciário, é seu parceiro no partido único, e o outro, que seria o Legislativo, não consegue impedir nada, até porque o STF declara nulo e anula tudo o que tenta fazer. O resultado prático é que Lula compra sofás por R$ 65 mil para decorar sua residência — com dinheiro do contribuinte, claro. Ele compra um novo Airbus para seu transporte pessoal. Ele recebe em Brasília um ditador que tem uma recompensa de US$ 15 milhões por sua cabeça por tráfico internacional de drogas. Ele faz o que quiser, desde que o STF permita.

Enquanto houver eleições no Brasil, há também o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) — e, enquanto existir o TSE, as eleições não valerão nada, ou valerão apenas o que a “Justiça Eleitoral” decidir que valem. O TSE é hoje uma polícia política totalmente a serviço do governo. É uma aberração que consegue gastar R$ 10 bilhões por ano, mesmo em anos sem eleições, e não tem equivalente em nenhuma democracia séria do mundo — a começar pelo fato de se conceder o direito de cassar mandatos dos deputados federais ou de quem quiser. Isso acabou de acontecer. Revogaram o mandato do deputado Deltan Dallagnol, como vingança pessoal de Lula, sem o menor resquício de legalidade; foi uma decisão que lembra o AI-5, com algumas cortinas de fumaça de procedimentos legais que não enganariam nem mesmo uma criança de dez anos. O resultado é que o consórcio anulou a decisão legítima dos eleitores do Estado do Paraná; pior ainda, nomearam descaradamente um novo ocupante para o cargo que ficou vago com a revogação, substituindo Dallagnol, que recebeu 350.000 votos, por outro candidato que recebeu apenas 12.000. Tanto para limpar ou aplicar mera lógica ao sistema eleitoral! Eles agora estão se preparando para tirar Jair Bolsonaro de seus direitos políticos, apenas porque o veem como um candidato que potencialmente tem uma chance de se opor ao sistema de partido único do STF-Lula. É uma medida preventiva, ou um plano de backup antecipado – eles estão agindo como se as próximas eleições presidenciais pudessem ser diferentes das de 2022, do ponto de vista operacional do TSE. Novamente, como no caso do deputado Dallagnol, a proibição de Bolsonaro concorrer ou ter qualquer participação na política brasileira é 100% ilegal. A desculpa é que ele manifestou dúvidas sobre a “perfeição” do atual sistema de votação eletrônica, que só é adotado, além do Brasil, em outros dois países — Butão e Bangladesh. A denúncia poderia ser qu alquer outra: genocídio, assassinato de indígenas, quilombolas e gays, ou a defesa da cloroquina. Como é possível, com um mínimo de racionalidade, tornar inelegível alguém por ter manifestado dúvidas sobre um sistema de votação que obviamente está sujeito a toda sorte de dúvidas? Antes disso, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, o STF cassou o mandato do governador de Brasília sem nenhuma formalidade legal. Ele foi reintegrado depois por outra decisão do mesmo Alexandre de Moraes — mas o governador hoje pode jurar que um triângulo tem quatro lados se os ministros do STF assim o desejarem.

O mesmo tipo de calamidade se aplica ao Congresso Nacional. De que adianta pagar R$ 14 bilhões por ano para manter um Congresso cujas leis podem ser anuladas a qualquer momento, e sem motivo, pelo STF? Não se trata apenas do marco temporal. O mesmo aconteceu com a revogação da lei que determinava o cumprimento imediato da pena privativa de liberdade para réus condenados em segunda instância, que libertou Lula do presídio da Polícia Federal onde estava preso há 20 meses. É provável que isso se repita em breve com a lei que tornou voluntário o pagamento das contribuições sindicais, perfeitamente aprovada pelo Congresso — o efeito imediato dessa lei, obviamente, foi que nenhum trabalhador brasileiro quis mais pagar essas contribuições. O que poderia representar a vontade do povo com mais precisão? Ainda assim, Lula quer que as quotas voltem a ser obrigatórias, e o STF está se preparando para atender a essa demanda. O ministro encarregado de resolver a questão argumenta que hoje “os tempos mudaram” — um raciocínio verdadeiramente surpreendente cujo princípio é que, uma vez que os tempos estão em perpétua mudança, a consequência é que nenhuma lei que vigorou no passado vale no presente. O que pode ser feito, então? O atual Congresso Nacional do Brasil não é capaz nem de proteger os mandatos de seus próprios deputados; não é capaz de nada. A “Diretoria” da Câmara dos Deputados concordou oficialmente com a revogação do mandato de Dallagnol. Há pouco tempo, também havia concordado com a prisão de nove meses do deputado Daniel Silveira, também por ordem do ministro Moraes, o que era flagrantemente contrário à lei. A Constituição estabelece que o deputado federal só pode ser preso em flagrante e pela prática de crime inafiançável; Daniel Silveira não foi flagrado em flagrante nem cometeu tal crime. E daí? Ele foi preso de qualquer maneira. Aliás, hoje ele está preso novamente, desta vez por não usar a tornozeleira eletrônica que lhe foi imposta pelo ministro Moraes, apesar de ter recebido do ex-presidente Bolsonaro o indulto judicial inquestionável. O STF, como nas leis aprovadas pelo Congresso, decidiu que o indulto não é válido. O que esperar quando o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, está disposto a assinar a revogação do próprio mandato se assim for ordenado pelo STF? Absolutamente nada. A República Soviética do Brasil não aboliu a propriedade privada — e não parece estar prestes a fazê-lo, tendo em vista as inúmeras propriedades estritamente privadas dos membros do consórcio. Também não legalizou a coletivização de terras, pelo menos ainda não, apesar da paixão de Lula pelo movimento semiterrorista que invade propriedades rurais, destrói patrimônios e faz violência armada, sem que nenhum de seus agentes jamais tenha sido incomodado pela Justiça. No entanto, já organiza e acolhe reuniões próprias Comintern em Brasília, agora conhecido como “Foro de São Paulo”, que cobra taxas em dólares por assinaturas. Está construindo um aparato de Estado ao estilo soviético que só serve ao sistema de partido único e está mais distante do povo brasileiro do que a Terra da Lua. O Ministério da Justiça, dentre todos os ministérios, já é comandado por um comunista de carne e osso que se declarou publicamente “comunista, graças a Deus”. É para lá que se dirige a procissão.

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