(Deltan Dallagnol, publicado no jornal Gazeta do Povo em 3 de agosto de 2023)
Após um soldado da força de elite da polícia paulista ser morto por um tiro de um criminoso na última quinta-feira, na comunidade Vila Zilda, no Guarujá, o Estado de São Paulo deflagrou a Operação Escudo, mobilizando mais de 600 agentes dos batalhões de operações especiais, pelotões de choque e efetivo local.
A operação é uma reação ao assassinato de um policial que estava cumprindo o seu dever, deixando esposa e um filho de dois anos. Segundo declarou o governador Tarcísio, “a justiça será feita, nenhum ataque aos nossos policiais ficará impune”. Na mesma linha, Derrite, Secretário de Segurança do Estado, afirmou que “quem atentar contra nossos policiais terá a devida resposta”.
Até ontem, 16 pessoas haviam sido mortas e 58, presas – 38 em flagrante e 20 procuradas pela Justiça. Dentre os 4 suspeitos de matar o policial, três foram presos e um morreu ao entrar em conflito com a polícia. Quatro adolescentes foram apreendidos com drogas. Foram encontrados quase 400 quilos de drogas e 18 armas, incluindo fuzis. Tudo isso aconteceu antes de se completar a primeira semana da operação, que deve durar ao menos trinta dias.
Não demorou para surgirem relatos de torturas e execuções sumárias que teriam sido feitas por policiais. Evidentemente, os relatos devem ser investigados e eventuais abusos, punidos. Contudo, tais relatos não devem conduzir a um prejulgamento contra as forças policiais, por várias razões.
Primeiro, interessa às próprias organizações criminosas que controlam regiões espalhar esse tipo de versão, para retaliar ou frear a polícia. Segundo, dos quatro suspeitos de terem matado o policial, três foram presos, os quais seriam, no caso de tortura ou chacina, as primeiras vítimas. Por fim, a atuação de agentes públicos goza de presunção de legitimidade, até prova em contrário, sem falar da presunção de inocência a todos devida.
Contudo, o Ministro da Justiça Flávio Dino, que defende presunção de inocência para seu chefe condenado em três instâncias por corrupção, apressou-se em dizer que a “ação da PM em SP não parece proporcional em relação ao crime”. Dino ecoa uma visão ou ideologia arraigada no governo Lula que criminaliza policiais e vitimiza, quando não idolatra, criminosos.
Em março, por exemplo, o lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania do governo federal foi marcado por críticas à polícia, e não por propostas concretas contra o crime organizado ou para reduzir o número de homicídios. O próprio Lula, na ocasião, fez críticas às polícias, falando de “criar uma polícia nova”. Por outro lado, afirmou que criminosos com frequência são inocentes e “vítimas de um delito”.
Em abril do ano passado, Lula chegou a desumanizar os policiais, afirmando que “Bolsonaro não gosta de gente, gosta de policial”. O tratamento que deu para criminosos foi o oposto, dois meses depois. Falando de jovens que roubam, disse: “não posso taxar que esse moleque que roubou é simplesmente um bandido”. Não surpreende que o governo de Lula queira descriminalizar as drogas, desencarcerar bandidos e indultar suas penas.
O ministro de Direitos Humanos de Lula, Silvio Almeida, mandou seu ministério acompanhar as mortes na operação paulista. Deveria o ministro igualmente acompanhar as mortes de policiais e cidadãos todos os dias promovidas por criminosos, afinal, não são só bandidos que têm direitos humanos. A não ser que, como Lula , Silvio entenda que algumas pessoas são como animais selvagens que devem ser extirpados.
Não é só pelo governo federal e sua bandidolatria que os policiais são desmoralizados, mas pela Justiça, ao verem os criminosos que prendem por furtos, roubos, agressões e outros crimes serem soltos no mesmo dia. Pior ainda, ao comparecerem às “audiências de custódia”, quem é interrogado não é o criminoso, mas o policial, que é questionado sobre possíveis abusos contra o preso.
Esses mesmos policiais desmoralizados assistem estarrecidos ao teatro da Justiça revelar uma trama em favor dos criminosos. Em maio, viram o STJ absolver um traficante com o argumento de que sua confissão aconteceu debaixo de “estresse policial”, muito embora nenhum tipo de tortura ou abuso tenha sido evidenciado.
Em abril, a mesma corte anulou provas contra um dos principais líderes do PCC, o “André do Rap”, entendendo que o mandado de prisão por si só não permitiria que os policiais aprendessem provas e bens. A polícia foi obrigada a devolver ao traficante um helicóptero de valor estimado em R$ 7,2 milhões e uma lancha avaliada em R$ 6 milhões.
É inacreditável, mas fica pior. Um ano antes, em maio de 2022, o STJ anulou a condenação de um traficante com base no argumento de que a revista de suspeitos é ilegal quando amparada apenas na atitude suspeita das pessoas ou com base em denúncia anônima. O objetivo da decisão seria combater o “racismo estrutural”, mas vítimas de sequestro presas num bagageiro de um carro não poderão ser salvas no futuro só com base na desconfiança dos policiais sobre a atitude suspeita do motorista ou passageiros.
Em junho deste ano, policiais viram o STF inocentar dois traficantes e anular a apreensão de 695 quilos de cocaína no Porto de Itaguaí porque a polícia agiu com base em uma denúncia anônima, sem mandado de busca e apreensão. Não estamos falando de uma residência, mas da apreensão num porto. A lista de decisões desse tipo é vasta.
A leniência dos tribunais com criminosos não se aplica, contudo, aos policiais. A lei pesa sobre seus ombros diante de qualquer sombra de sua violação. Crescem os relatos e notícias de casos de violência contra policiais em que eles não reagiram adequadamente e foram feridos, mortos ou expuseram a perigo a vida de terceiros por receio de sofrerem consequências administrativas ou judiciais.
Assim, policiais que arriscam suas vidas para proteger as nossas são repetidamente vilanizados e percebem a falta do amparo dos tribunais ao seu trabalho. Há leniência para com os criminosos e rigor em relação a eles. O sistema fortalece os bandidos e enfraquece os policiais.
No palco dessa tragédia encontramos os policiais, em suas fardas desgastadas, muitas vezes mal pagos, lutando incansavelmente para manter a ordem em meio ao caos. Contudo, não são só os heróis que combatem o crime que sofrem com nosso sistema. A insegurança jurídica desestimula prisões, apreensões ou ações em defesa dos cidadãos e dos nossos filhos. O crime se prolifera e pessoas morrem. Todos nós sofremos as consequências.
Proteger os direitos de todos os cidadãos, incluindo os policiais, é essencial para construirmos uma sociedade justa e equilibrada. Enquanto os defensores de bandidos abraçam narrativas construídas no conforto de seus lares, esquecem-se de que o direito à segurança é inalienável a todo cidadão e que as vítimas também têm direitos humanos.
Para trabalhar e proteger nossas vidas, policiais precisam ter dupla segurança. Primeiro, são necessárias ações adequadas para proteger as suas vidas, o que inclui equipamentos de proteção, gerenciamento de riscos e resposta firme institucional a agressões. Além disso, policiais precisam ser protegidos e ter paz em fazer o que é certo por meio de um estatuto que lhes dê segurança jurídica.
Nesse contexto, a Operação Escudo é mais que nunca necessária. A firme reação do Estado ao homicídio do agente de segurança desestimula atentados futuros contra a vida de seus pares. É claro que possíveis abusos devem ser punidos, mas não devem ser presumidos. Falar em desproporcionalidade aparente da força sem qualquer apuração é uma acusação leviana.
O que tem de desproporcional, seguramente, são os crimes contra a população diários: roubos, furtos, estupros e assassinatos. O que foi desproporcional, certamente, foi o crime praticado contra a vida daquele policial que, para além de inocente, perdeu sua vida para nos proteger. Há muita coisa desproporcional que merece a atenção do governo, contudo ele parece mais preocupado em enquadrar e atacar os policiais.
É até estranho ter que dizer isso, mas, diante da inversão de valores em que vivemos, é importante ressaltar o óbvio: até prova em contrário, policiais são nossos heróis e os bandidos são os criminosos. Os primeiros merecem nosso reconhecimento e os últimos, os rigores da lei. E não o contrário.