(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 20 de setembro de 2023)
O plenário do Supremo Tribunal Federal ouviu em público e diante das câmeras de televisão, enfim, o que já poderia ter ouvido há muito tempo. “Os senhores são as pessoas mais odiadas do Brasil”, disse em plena sessão de julgamento o advogado Sebastião Coelho, defensor do primeiro réu nos processos de Brasília. Os ministros ficaram em estado de choque. Estão acostumados a só ouvir políticos bajuladores, gente que tem medo deles, elogios da maior parte da mídia e juras de obediência.
Como alguém poderia dizer uma coisa dessas, na frente de todos eles? Sua reação automática foi se esconder dos olhares da população. A partir de agora, os réus não serão mais julgados em público.
Os advogados não poderão fazer a defesa oral, um dos direitos mais elementares de quem é acusado de qualquer crime. Não haverá discussão com os ministros que por acaso discordem das condenações já decididas pelo inquisidor-chefe do processo. O dr. Coelho, e seus colegas, terão de trabalhar com uma mordaça. O público foi expulso. O julgamento virou “virtual”.
O STF tinha um plano grandioso: fazer do julgamento do “8 de janeiro” um espetáculo de propaganda do regime político que há anos vem construindo no Brasil. Seria um show com aplausos já acertados junto à plateia, para exibir a força dos ministros e para mostrar que haverá punições extremas contra os “inimigos da democracia” – tal como a democracia é entendida hoje pelo Supremo.
Foi uma de suas piores ideias. Abriram espaço para os advogados mostrarem, diante de todo o país, o momento de infâmia para a justiça brasileira que este processo tem sido desde o primeiro dia. É uma combinação inédita de ilegalidade e de injustiça em estado bruto. Diante da TV, os cidadãos puderam ver o juiz-chefe dizer que não era preciso provas individuais contra os réus. Viram sua irritação escandalizada com os advogados de defesa e colegas que não votaram como ele. Viram pessoas ser condenadas a 17 anos de cadeia por participarem de um quebra-quebra.
O público teve a oportunidade de constatar que os réus estavam sendo punidos, com penas que só se aplicam aos chamados “crimes hediondos”, por um delito impossível de ser cometido. As condenações foram por “golpe de Estado”, mais “abolição violenta do estado democrático de direito”.
Como os acusados poderiam dar um golpe se não tinham sequer um estilingue – ou praticar os dois crimes ao mesmo tempo? Porque estavam sendo julgados diretamente no STF – e, portanto, sem possibilidade de recorrer das suas sentenças – se nenhum deles tinha o “foro especial” que a lei exige para julgamentos criminais no Supremo?
Era melhor ter deixado debaixo do tapete essa imposição de ilegalidade maciça, como tem sido feito nos últimos oito meses. Mas os ministros quiseram se exibir como soldados da “democracia” e meter medo na “direita”. Deu errado – e tiveram de escapar de novo para trás dos seus computadores, o lugar ideal para dar as sentenças que estão dando.