Da Redação
A Corregedoria Nacional de Justiça determinou a abertura de reclamação disciplinar para apurar a conduta do juiz Wladymir Perri, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Em audiência na 12ª Vara Criminal de Cuiabá, o magistrado deu voz de prisão à mãe de uma vítima que se manifestou contra o acusado de assassinar seu filho. O caso só ganhou repercussão após o trecho da audiência ser divulgado nas redes sociais.
Na decisão, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, cita que não foram observadas as determinações do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, regulamentado pela Resolução CNJ n. 492/2023. O corregedor frisa que Perri não teria zelado pela integridade psicológica da mulher “que também é vítima, ao menos indireta, do crime, pois é mãe da pessoa falecida”.
Em referência à norma aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça em março, a decisão ressalta que, ao julgar com perspectiva de gênero, juízes e juízas atuam na contenção de danos e “promovem a interrupção de atos involucrados em vocabulários e/ou linguagens ofensivas, desqualificadoras e estereotipadas, sejam estas proferidas no curso de uma audiência ou formatadas em peças processuais, tudo mediante termo nos autos, para substanciar a análise sob tal perspectiva, conforme compromissos assumidos pelo Brasil na ambiência internacional”.
Para o ministro, o juiz do TJMT “não só não procurou reduzir os danos já tão graves experimentados pela depoente, como potencializou suas feridas, ao permitir que o ato se tornasse absolutamente caótico, findando com a prisão da declarante.”
Ele observou ainda que o magistrado agiu de forma truculenta com a promotora que acompanhava a audiência, em possível violação ao dever de cortesia com os membros do Ministério Público, conforme prevê o art. 22, Código de Ética da Magistratura Nacional.
O caso
Silvia Barbosa é mãe de Cloeverton Oliveira Barbosa que, segundo o Ministerio Público, foi assassinado no dia 10 de setembro de 2016 com arma de fogo mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. O réu, Jean Richard Garcia Lemes responde em liberdade.
A mãe da vítima foi questionada pela promotora de Justiça, Marcela Faria se estava constrangida em prestar depoimento diante do réu. A sua resposta foi que não se incomodava com a presença do réu e disse que “Por mim, ele pode ficar aí. Ele para mim não é ninguém”. Diante disso, o advogado do réu a interrompeu e disse: “Peço respeito. Se a senhora quer respeito, tem de dar respeito” criticou o advogado do acusado de matar o filho de Silvia.
Nesse momento, o juiz intervém e pede que a mãe da vítima “mantenha a serenidade e a inteligência”.
A mãe então se indignou com o juiz e respondeu que era inteligente e decidiu que não queria mais depor na audiência de instrução.
“No entender do Ministério Público, caberia ao magistrado acolhê-la, recebê-la, ouvir o que ela tinha para falar. E por isso o Ministério Público interveio”, explicou a promotora. “Ela tem direito de ser ouvida, de ser acolhida, de participar do ato processual. Ela se deslocou da casa dela para ficar de frente com o assassino do filho dela, ela precisa ser ouvida”, tentou argumentar, sem sucesso.
Conforme a promotora, o magistrado ainda chega a lhe faltar com respeito enquanto ela tentar demovê-lo da ideia de não encerrar a audiência.
Quando a audiência já estava encerrada é possível ver Silvia batendo na mesa e falando com o réu. Ela está longe do microfone e não é possível ouvir o que ela disse, mas imediatamente o juiz afirma “A senhora está presa”.
O Ministério Público imediatamente impetrou um habeas corpus para evitar a prisão da mãe da vítima, que foi atendido pela Justiça. Na delegacia, a promotora questionou a Silvia o que ela disse ao réu, e se ela o havia ameaçado.
“Não, doutora, eu falei para ele a seguinte frase: da Justiça dos homens você escapou, mas da Justiça divina você não escapa”, relatou.
“Depois da morte do filho ela teve um processo de depressão, ela teve todo um contexto de superar essa dor. Então ela chegou na audiência já constrangida de ter que reviver tudo”, explicou a promotora.
“Por conta dessa reposta da mãe da vítima, que estava assustada, indignada pela dor de perder o filho, o magistrado interrompeu a fala dela e ainda ponderou que ela deveria ter inteligência emocional, cobrando de uma mãe enlutada algo que ela não conseguiria dar”, disse Marcela Faria.