(Felipe Moura Brasil, publicado no portal O Antagonista em 18 de novembro de 2023)
Em artigo no portal Unherd, a jornalista Nicole Lampert criticou o silêncio das feministas diante dos ataques do Hamas contra mulheres judias e revelou o testemunho de um socorrista sobre violações cometidas com requintes de crueldade.
O título em inglês, que faz referência ao movimento “MeToo” (“EuTambém”), viralizado em 2017, é uma síntese provocadora cuja rima se perde na tradução: “MeToo unless you’re a Jew” (“MeToo a menos que você seja judia”).
Nicole começou o texto lembrando a relutância da BBC em informar que os judeus eram as principais vítimas dos nazistas alemães, quando um campo de concentração (o Bergen-Belsen) foi liberado em 1945. Ela apontou, então, uma “relutância similar” diante do massacre de 7 de outubro de 2023, que chega ao negacionismo:
“Vemos isso nos cartazes de israelenses raptados sendo desfigurados por pessoas que afirmam que são ‘propaganda’, na desinformação antissemita disseminada online e nas manifestações semanais pró-Palestina que não conseguem denunciar o terrorismo do Hamas. Mas talvez o mais peculiar seja também o silêncio de organizações e grupos ativistas dedicados à luta pela segurança das mulheres.
Depois que os terroristas do Hamas começaram a assassinar, violar e raptar tantas mulheres quanto puderam, seria de esperar uma condenação generalizada por parte dos grupos feministas do Ocidente. Afinal de contas, o Hamas tinha fornecido provas suficientes dos seus crimes – em poucas horas, estavam publicando imagens de jovens raptadas com calças ensanguentadas a desfilar por Gaza.”
Nicole se refere ao caso da estudante Naama Levy, de 19 anos, a refém de calça manchada que, no Brasil, foi alvo de chacota de Sayid Marcos Tenório, extremista do PCdoB. Outro caso de grande repercussão foi o da DJ e tatuadora alemã Shani Louk, de 23, que apareceu seminua em Gaza, na traseira de uma caminhonete em que os terroristas desfilaram. Semanas depois, Israel localizou uma parte de seu crânio e concluiu que ela foi decapitada.
“Mesmo antes, suas credenciais feministas não brilhavam: [o Hamas] obriga o uso do hijab, tornou ilegal viajar sem um tutor masculino e recusou-se a proibir o abuso físico ou sexual dentro da família.
A resposta da maioria dos grupos empenhados em acabar com a violência contra mulheres e meninas [VAWG, na sigla em inglês] foi tripla: manter-se calada, não acreditar nas vítimas ou insinuar que elas mereciam o seu destino. Nas palavras de 140 ‘proeminentes acadêmicas feministas’ americanas, ser solidária às mulheres israelenses é ceder ao ‘feminismo colonial’.”
Nicole se refere ao caso da estudante Naama Levy, de 19 anos, a refém de calça manchada que, no Brasil, foi alvo de chacota de Sayid Marcos Tenório, extremista do PCdoB. Outro caso de grande repercussão foi o da DJ e tatuadora alemã Shani Louk, de 23, que apareceu seminua em Gaza, na traseira de uma caminhonete em que os terroristas desfilaram. Semanas depois, Israel localizou uma parte de seu crânio e concluiu que ela foi decapitada.
“Mesmo antes, suas credenciais feministas não brilhavam: [o Hamas] obriga o uso do hijab, tornou ilegal viajar sem um tutor masculino e recusou-se a proibir o abuso físico ou sexual dentro da família.
A resposta da maioria dos grupos empenhados em acabar com a violência contra mulheres e meninas [VAWG, na sigla em inglês] foi tripla: manter-se calada, não acreditar nas vítimas ou insinuar que elas mereciam o seu destino. Nas palavras de 140 ‘proeminentes acadêmicas feministas’ americanas, ser solidária às mulheres israelenses é ceder ao ‘feminismo colonial’.
Aqui no Reino Unido, esta abordagem talvez esteja mais incorporada no trabalho da Sisters Uncut, uma instituição de caridade que ostenta o seu próprio ‘Feministo’ e se dedica a ‘tomar medidas diretas para os serviços de violência doméstica’. Até este mês, o trabalho das ativistas assumiu geralmente a forma de acrobacias midiáticas: tingir de vermelho a água das fontes de Trafalgar Square, disparar alarmes de violação à porta das esquadras da polícia, ocupar os telhados dos edifícios municipais. No entanto, tudo empalideceu em comparação com a manifestação que organizaram no início deste mês: um apelo a Israel para depor as suas armas, que acabou por fechar a estação Liverpool Street, em Londres.
Posteriormente, a instituição de caridade emitiu uma declaração de 600 palavras, repleta de referências ao ‘apartheid’ e ao ‘genocídio’ e relatos já refutados de que as Forças de Defesa de Israel tinham bombardeado o hospital Al-Ahli, de Gaza. Não houve menção, no entanto, aos 239 israelenses sequestrados, cerca de 100 dos quais se acredita serem mulheres, ou às agressões sexuais que ocorreram em 7 de outubro. Quando a jornalista Hadley Freeman apontou que isso não era terrivelmente feminista da parte delas, o grupo respondeu alegando que os relatos de ataques sexuais do Hamas equivaliam à ‘transformação islamofóbica e racista da violência sexual’. No final da sua declaração desconexa, concluiu: ‘nenhum povo jamais aceitaria ser assassinado, humilhado, despossuído, alvo de discriminação racial, oprimido, purificado, exilado e colonizado sem resistir.’
Outros grupos feministas caíram numa atitude semelhante de culpabilização das vítimas. A Southall Black Sisters, outra instituição de caridade empenhada em acabar com a violência contra as mulheres, pelo menos lamentou a perda de vidas de ambos os lados, mas atribuiu a culpa disso à ‘declaração de guerra do governo israelense contra Gaza’. Noutros lugares, a Women for Women UK, especializada em ajudar ‘mulheres sobreviventes da guerra’ e que se autodenomina uma ‘organização apartidária’, decidiu angariar dinheiro apenas para mulheres palestinas. Até mesmo o Women’s Place UK, outrora visto como um caso atípico pela sua corajosa campanha a favor de espaços exclusivos para mulheres, decidiu apelar a um ‘cessar-fogo imediato’ sem mencionar a violência sexual.
Na verdade, a única instituição de caridade do VAWG no Reino Unido que denunciou a violência sexual do Hamas foi a Jewish Women’s Aid. ‘Tais atos têm um impacto permanente nas sobreviventes e efeitos psicológicos prejudiciais nas mulheres, especialmente nas mulheres que são vítimas-sobreviventes de violência sexual’, afirmou num comunicado. ‘O silêncio público de muitas organizações do setor de abuso doméstico/sexual do Reino Unido impacta ainda mais o isolamento e o medo que nossos clientes estão enfrentando.’
Para uma judia britânica de um grupo contra VAWG que atua no setor há 20 anos, o silêncio de outras organizações era de esperar: ‘Vi isto se tornar uma coisa real nos últimos anos – onde ideias são importadas da América: que, se você for branco, você sempre será o opressor. Se você trabalha para uma dessas instituições de caridade, está acostumado a uma narrativa de vítima/agressor que normalmente é verdadeira no contexto de violência doméstica, mas não quando se trata de geopolítica.’
Ela descreve como, durante o treinamento obrigatório na última instituição de caridade para a qual trabalhou, sua equipe foi informada de que os judeus não sofrem racismo. ‘Incrivelmente, eles usaram a Segunda Guerra Mundial como um exemplo de racismo, mas de racismo anti-negro por causa da forma como as pessoas das Índias Ocidentais foram tratadas.’
Para aqueles cujas filhas foram raptadas pelo Hamas, o sentimento de traição é palpável. ‘É inacreditável que grupos como a Cruz Vermelha e a ONU Mulheres nada estejam fazendo para ajudar o nosso povo”, disse-me Keren Sharf Shem, cuja filha franco-israelense de 21 anos, Mia, foi raptada no festival de música Nova. ‘É certo que o povo de Gaza esteja recebendo ajuda humanitária, mas nós merecemos o mesmo… Sei, através de uma mensagem que Mia enviou a uma amiga, que ela levou um tiro na perna. Ela também tem um problema de saúde e o vídeo de refém a mostra após uma cirurgia no braço. Isso foi há semanas – não sei se ela ainda está viva. E tem outros doentes lá, além de bebês e uma gestante. Muitas pessoas parecem tê-los esquecido.’
Para remediar esta situação, as feministas israelenses lançaram nesta semana a hashtag #MeToo_Unless_Ur_A_Jew, uma campanha que apela ao grupo ONU Mulheres para se concentrar na violência de gênero contra mulheres israelenses. ‘A ONU Mulheres está fechando os olhos para os crimes cruéis de guerra do Hamas, ao permanecer em silêncio’, disseram.
Na mesma linha, Claire Waxman, a primeira Comissária das Vítimas de Londres, escreveu a Reem Alsalem, relatora especial da ONU sobre VAWG, para perguntar por que a organização ficou calada. Em resposta, Waxman me disse, Alsalem alegou que as evidências ‘não eram sólidas’ o suficiente para justificar uma declaração. Um incrédulo Waxman salienta que 25 de novembro é o Dia Internacional da ONU para a Eliminação da VAWG: ‘Como podemos falar sobre a eliminação da violência contra mulheres e meninas se dizemos tacitamente que é aceitável violar judias?’
Para contrariar esta narrativa, a Comissão Civil sobre os Crimes de 7 de Outubro do Hamas Contra Mulheres e Crianças também foi fundada nesta semana e está atualmente recolhendo testemunhos sobre as atrocidades do Hamas, desde relatos de vítimas e relatos de testemunhas oculares até imagens divulgadas pelo próprio Hamas. Muitas das vítimas de violação estão mortas ou raptadas; outras estão traumatizadas demais para falar. Mas a história que começou a emergir é insuportável no seu horror – uma história de violação coletiva de mulheres e crianças, de cadáveres de mulheres sendo cortados durante ou após agressão sexual, e de mutilação genital.
Nachman Dyksztejna, um ucraniano-israelense, é um daqueles cujo testemunho atesta estes horrores. Socorrista voluntário de uma organização chamada Zaka, ele foi enviado a vários locais do massacre, incluindo o local do festival Nova e vários kibutzim. Para evitar repetir o trauma, Zaka gravou seu depoimento junto com apoio psicológico e me enviou uma tradução por escrito. Zaka também forneceu fotografias que corroboram suas descrições. (Os editores desta publicação também os viram.)
O testemunho de Dyksztejna — reproduzido nos próximos dois parágrafos — está entre os mais angustiantes que li e pode ser ignorado se necessário:
‘No Kibutz Be’eri, testemunhei corpos de duas mulheres com as mãos e as pernas amarradas a uma cama. Um dos corpos que encontramos foi aterrorizado sexualmente com uma faca enfiada na vagina e todos os seus órgãos internos removidos. Depois de violar brutalmente estas mulheres, o Hamas explodiu a casa em cima delas, por isso as encontramos debaixo de uma pilha de pedras.
Os miniabrigos espalhados do local da festa Nova até a estrada 34, abrigos que haviam sido arrombados, estavam cheios de pilhas de mulheres. Suas roupas estavam rasgadas na parte superior, mas suas nádegas estavam completamente nuas. Pilhas e mais pilhas de mulheres, cadáveres, caídos desta forma. Quando você olhava mais de perto suas cabeças, via um único tiro direto no cérebro de cada uma.’”
No arremate do artigo, Nicole relembrou o episódio de 1945, quando o correspondente de guerra Richard Dimbleby – que ameaçou se demitir da BBC em caso de censura e conseguiu fechar acordo para emplacar parte da reportagem –, desabou várias vezes ao fazer seu relatório sobre Belsen, vivendo o que depois chamou de “pesadelo”.
“Mas ele sabia que tinha de testemunhar o horror – tal como os israelenses hoje sentem que não têm outra escolha senão relatar o que viram. Quando, porém, os vídeos criados pelos próprios perpetradores não são considerados provas ‘sólidas’, isso é suficiente? Durante muito tempo, o mantra das organizações feministas foi ‘acreditar nela’. No entanto, como o mês passado revelou, isso só vai até certo ponto – e perde o sentido se você mora em Israel.”
O Antagonista registra que, no Brasil, o cenário não é muito diferente, já que o movimento feminista também foi instrumentalizado pela esquerda, que, encabeçada por Lula, só sai em defesa das mulheres se a iniciativa convergir com a sua pauta político-ideológica. Em outras palavras: mexeu com uma, mexeu com todas, menos se uma for judia. Ou de direita, claro.