(Carlos Graieb, publicado no portal O Antagonista em 23 de novembro de 2023)
Os ministros do STF bateram no peito em reação ao Senado, que aprovou nesta quarta-feira, 22, uma emenda constitucional que limita os poderes monocráticos dos magistrados. Disseram que o tribunal não tem medrosos, que não se curva a tentativas de intimidação. É linguagem de machão, de briga de rua, uma coisa arcaica e constrangedora.
Se estivesse viva, Janete Clair poderia propor à Globo uma refilmagem da sua novela Irmãos Coragem, sucesso dos primórdios da televisão brasileira. Gilmar Mendes faria o papel de Claudio Cavalcanti, Alexandre de Moraes o de Tarcísio Meira, Luís Roberto Barroso o de Cláudio Marzo. Carmen Lúcia faria todos os papéis femininos, porque pelo jeito Lula não indicará tão cedo outra mulher para o STF. Insucesso garantido!
Nessa novela, o papel do vilão, outrora desempenhado pelo ator Gilberto Marinho, caberia ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco. Ele não apenas levou o projeto a votação, o que os ministros do STF já esperavam, como ainda trabalhou ativamente para sua aprovação, o que os ministros do STF consideraram uma traição.
O parlamentar jura que suas intenções são puras como a neve, que tudo que ele tem em mente é a evolução das instituições. Ninguém acredita, apesar do jeitão de coroinha de Pacheco. É sabido que ele quer ganhar musculatura eleitoral em Minas Gerais, seu estado natal, e usou o projeto para se aproximar dos bolsonaristas, que continuam tendo no Supremo o inimigo máximo. Na nova versão de Irmãos Coragem, o personagem de Pacheco se chamaria coronel Sonso, em vez de coronel Pedro.
Não foi só essa a maquinação folhetinesca em que Sonso, digo, Pacheco se envolveu. Outra surpresa do episódio foi o voto favorável à PEC apresentado pelo líder do governo no Senado, o ex-governador da Bahia Jacques Wagner. Como a margem de aprovação foi pequena, apenas três votos, a decisão de Wagner fez diferença. E como explicar esse gesto, se todos os outros senadores petistas foram contra a proposta?
Acontece que Pacheco também está enredado numa negociação com o Planalto: ele desenhou um modelo para o abatimento da dívida bilionária (e impagável) de Minas Gerais com a União, que envolve a transferência de várias estatais mineiras para o controle do governo federal. De uma vez só, o governo Lula impediria a privatização dessas empresas, contrariamente ao que propõe o governador mineiro Romeu Zema (Novo), e ainda poderia enchê-las de apaniguados.
Até agora, Lula só tratou desse assunto com Pacheco. Ele deu chá de cadeira em Zema e mandou-o conversar sobre o assunto com os ministros Rui Pimenta e Fernando Haddad. O timing da votação da PEC sobre o STF e das negociações sobre Minas foi coincidente. Difícil acreditar que o voto surpresa de Jacques Wagner não fez parte dos entendimentos entre o presidente da República e o presidente do Senado.
Tendo isso tudo em vista, o ministro Luís Roberto Barroso teve razão em dizer que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”. As afetações de virtude de Pacheco, digo, Sonso, são ridículas. Seu jogo de interesses é diáfano. Modificações no funcionamento da corte constitucional do país não deveriam ser levadas adiante com essas motivações. O que não significa que, no mérito, a PEC esteja errada.
A justificativa do projeto, assinada pelo senador Oriovisto Guimarães, menciona estatísticas e estudos acadêmicos para provar aquilo que a mera observação já permite intuir: a utilização das decisões monocráticas fugiu de todo controle e de toda razoabilidade. Furtou-se, também, ao espírito da Constituição, que no seu artigo 97 exige que decisões sobre a constitucionalidade de normas legais sejam tomadas por maioria absoluta – ou seja, aponta para a importância da colegialidade, e não o contrário. Os senadores obrigaram os ministros do STF a se lembrar desses fatos e o recado doeu, porque toca num ponto de fato sensível.
Os ministros do STF reagiram muito mal ao movimento do Congresso. Não procuraram de maneira alguma justificar a necessidade de manter intacto o seu amplíssimo poder de decisões monocráticas, falaram menos ainda sobre melhoria institucional. Assumiram muito rapidamente o discurso da facção em briga de rua. Foram ao plano dos políticos para falar como políticos e encenar um faroeste candango.
Irmãos Coragem, por sinal, era uma espécie de faroeste brasileiro.