(Deltan Dallagnol, publicado no jornal Gazeta do Povo em 14 de dezembro de 2023)
A aprovação de Dino no STF pelo Senado é daquelas coisas que coloca à prova a nossa fé. Em colunas anteriores, apontei 10 razões pelas quais Dino no STF será uma tragédia para quem defende o combate à corrupção, princípios e valores cristãos e conservadores e um tribunal menos político e autoritário. Isso fica mais claro quando entendemos que o STF se tornou um partido – o mais poderoso do Brasil.
“Xandão, Xandão! Bem-vindo, Xandão! Sem anistia!” Foi assim que o ministro Alexandre de Moraes foi recebido, nesta última segunda (11), por militantes petistas durante a cerimônia de lançamento do programa “Ruas Visíveis”, criado pelo governo Lula após uma decisão judicial dada pelo próprio ministro Alexandre. Nas imagens, é possível ver como Moraes se sente feliz e satisfeito com a aclamação da militância petista, e troca risinhos com o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, com o senador Fabiano Contarato (PT/ES) e com a primeira-dama Janja da Silva.
Cenas como essa retratam, com fidelidade, o teatro macabro, horroroso, doentio e psicopata que se instalou de forma permanente no Brasil desde que o STF determinou a abertura, no agora longíquo ano de 2019, do inquérito ilegal das fake news. Desde então, temos assistido à destruição completa e absoluta da institucionalidade do nosso país e ao desmantelamento do Estado Democrático de Direito; de três Poderes independentes e harmônicos entre si, como previsto na nossa Constituição, passamos a ter três poderes promíscuos entre si.
De todos os problemas existentes na participação de um ministro do Supremo em uma cerimônia de governo, o pior deles é a constatação fatal de que o STF não tem agido como um tribunal de juristas, mas como um partido político, o que é frontalmente contrário à divisão entre os três Poderes da República estabelecida em nossa Constituição. A legitimidade do Poder Judiciário vem justamente da percepção pública de que os juízes são neutros, imparciais, distantes das partes e da política, e a credibilidade do Judiciário como poder que aplica e interpreta as leis só se mantêm se os magistrados se esforçam para manter essa imagem perante a sociedade.
Ao contrário disso, os ministros do STF agem da seguinte maneira:
- Sugerem e indicam nomes para cargos vagos nas Forças Armadas, PGR, STJ, TCU, tribunais regionais federais, ministérios, órgãos de governo e de Estado;
- Ligam para senadores e deputados para fazer lobby a favor ou contra projetos de lei de interesse dos próprios ministros, como aconteceu no caso da PEC 8/2021;
- Mandam recados em off por meio de jornalistas amigos, ou dão entrevistas em on para comentar casos que vão julgar ou temas da política;
- Cobram senadores e deputados por “serviços” prestados pelo STF, deixando implícitas ameaças de retaliação caso os parlamentares não ajam de acordo com as expectativas dos ministros;
- Discursam em palanques políticos e atacam quem enxergam como seus adversários, chegando a dizer coisas como “derrotamos o bolsonarismo” ou que “Lula deve sua eleição ao Supremo”;
- Ameaçam a PGR com processos de prevaricação caso os procuradores não denunciem Bolsonaro criminalmente, prejulgando o caso do ex-presidente antes mesmo da conclusão das investigações;
- Participam de reuniões de governo com outros ministros de Lula, além de churrascadas no Palácio do Alvorada com o próprio presidente;
- Admitem para a imprensa a existência de acordos não republicanos ao falar em “lua de mel” com o governo;
- Agora, participam até mesmo do lançamento de programas do governo, implementados em razão de decisões judiciais dadas pelos próprios ministros, sobem no palanque para fazer discurso e são aclamados pela militância petista.
Todos os atos descritos acima são próprios de políticos, especialmente aqueles eleitos pelo voto popular, como deputados federais, senadores e presidentes, mas não de ministros do STF, que são apenas juízes encarregados de interpretar e guardar a nossa Constituição. Contudo, aqui não tem essa de “apenas” juízes. Eles são supremos, colocando-se acima do papel que lhes dá a Constituição e acima das leis.
Não há simplesmente nada na nossa legislação que autorize ou incentive ministros do Supremo a agirem dessa maneira – na verdade, a Lei Orgânica da Magistratura, que se aplica a todos os juízes do país, proíbe expressamente a atividade política-partidária, e estabelece a perda do cargo como sanção para o juiz que infringir a norma. Mas contra os ministros do STF, maiores adeptos dessa prática, nada acontece.
Não é à toa que, segundo a última pesquisa Datafolha, a reprovação ao STF subiu para 38% entre os brasileiros, enquanto que a aprovação do tribunal caiu de 31% para 27%, e o número dos que consideram a corte regular também diminuiu de 31% para 27%. A reprovação gigantesca ao Supremo reflete o caráter cada vez mais político da corte. Ela atropela as competências dos demais Poderes, em especial do Legislativo, avança pautas progressistas de maneira ativista e falha em punir a corrupção dos poderosos de Brasília. Assim, desaponta e revolta cada vez mais os brasileiros, que passam a ver o Supremo como um tribunal aparelhado pelos mesmos políticos que está ajudando a blindar.
O descrédito do Supremo perante a população vai aumentar ainda mais com a aprovação de Flávio Dino pelo Senado, já que Lula, ao indicar Dino, optou por um movimento de politização ainda maior do tribunal, em vez de atender às demandas do seu próprio eleitorado progressista por uma jurista mulher e negra. O próprio ministro Alexandre de Moraes, antes da sabatina de Dino nesta quarta (13), deu seu pitaco e disse que Dino é um “jurista competente, um político experiente e um homem público corajoso”, e que a reunião dessas três características “é essencial para exercer o elevado cargo de ministro da Suprema Corte do país”.
Desde quando ser político é requisito desejado para alguém que vai ser juiz? A própria Constituição, que o ministro Alexandre jurou defender, mas que é pisada, vilipendiada e rasgada por ele todos os dias, prevê apenas dois requisitos constitucionais: reputação ilibada e notável saber jurídico, os quais o ministro Alexandre nem mencionou ao falar de Dino e que lhe faltam, como expliquei nas minhas colunas anteriores.
Tudo isso é sintomático da situação aterrorizante em que estamos agora e do futuro sombrio que ainda nos espera com Dino no STF, o partido político mais poderoso e influente do Brasil. Esse partido tem um lado e ideologias bem definidas, sim, mas esse lado não é o dos brasileiros. Deus tenha piedade do Brasil, dos brasileiros e especialmente daqueles que o STF considera inimigos da corte, como Bolsonaro, os réus do 8 de janeiro e a Lava Jato. Vamos precisar.