(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 30 de dezembro de 2023)
Nunca se viu na história do Supremo Tribunal Federal alguém com a capacidade de produção que o ministro Dias Toffoli vem demonstrando nessas últimas semanas. O problema é que ele só tem produzido, em seu atual surto de operosidade, o mesmo tipo de artigo – e esse artigo é um atraso de vida direto na veia. Trata-se dos direitos especiais de saque contra o Erário Público que o ministro está concedendo, de forma automática, para quem recebe o selo de “minoria protegida” pelo STF – é ir para lá, levado por alguns milhões de reais em honorários de advogado, e correr para o abraço. Se você é uma empreiteira de obras ou um grande frigorífico acusados de corrupção, por exemplo, ou um sindicato de juízes atrás de dinheiro do Estado, vai ganhar o selo de Toffoli. Daí, como os arcanjos, não precisa mais obedecer a lei.
A doutrina do ministro está custando bilhões de reais para o pagador de impostos – esses mesmos que o governo está desesperado para aumentar, dizendo que precisa fazer “investimentos sociais”. O último saque determinado por Toffoli custou por volta de R$ 1 bilhão, e foi tão assombroso quanto os que ele já tinha dado para as outras minorias que se encontram sob a proteção do STF. Os beneficiários são os juízes federais: pediram a ressurreição de um privilégio extinto desde 2006, o “quinquênio”, e o ministro mandou pagar, com argumentos que, em termos de lógica, ficariam mal num jardim de infância. O “quinquênio” fornece um aumento automático de 5% nos salários a cada cinco anos – um benefício tão incompreensível que foi eliminado por lei. Mas os juízes, segundo Toffoli, não estão sujeitos à lei. Resultado: vai ter juiz recebendo R$ 2 milhões em “atrasados”.
São as “políticas de transferência de renda” que estão valendo no Brasil de hoje. Os juízes, na verdade, podem dizer que levaram pouco. Logo antes de lhes dar seu presente, Toffoli dispensou a J&F de pagar mais de R$ 10 bilhões que devia ao Tesouro Nacional – por força do acordo com o MP que a livrou, em 2017, de cinco ações penais por corrupção. O ministro deu uma justificativa sobrenatural para a sua decisão: alegou que não havia “certeza” de que a J&F queria mesmo assinar o acordo. Queria a cadeia, então, e foi forçada a aceitar a multa? Na dúvida, não há nenhuma das duas coisas – nem a multa e nem a cadeia.
Antes disso Toffoli declarou nulas as provas materiais contra a Odebrecht, incluindo confissões de culpa e devolução de dinheiro roubado – o que vai render para a empreiteira as mesmas bênçãos dadas à J&F. Há, em algum país do mundo, algo assim – um Toffoli e um STF? Não há. isso é puro Brasil.