(Rodrigo Constantino, publicado no jornal Gazeta do Povo em 14 de março de 2024)
Imbuído de um espírito alexandrino, após ver aquele lindo símbolo do olho que a tudo enxerga na nova empreitada totalitária em nosso país, venho sugerir a criação de mais uma entidade fundamental para a preservação da democracia: a CASTA.
Trata-se da Comissão Administrativa Superior de Tutela dos Abestalhados. Partindo da premissa evidente de que o povo é incapaz de pensar por conta própria, tomar importantes decisões, avaliar o que é certo ou errado ou mesmo compreender ironia, passa a ser crucial a criação de um centro de iluminados que vão assumir o fardo de pensar por todos nós.
Se o povo for deixado livre para escolher valores morais, ele pode acabar – cruzes! – optando pelo Cristianismo em vez do superior Progressismo. Isso não pode ser permitido numa nação livre. A CASTA vai, então, empurrar a história na direção certa, do progresso idealizado por nossos seres superiores.
Quando há eleição livre, o povo acaba muitas vezes votando na extrema direita, aquela turma estranha que defende o patriotismo, a liberdade individual e o império das leis. Isso é perigoso para a democracia, e a CASTA vai proteger o povo dele mesmo, de sua notória estupidez. A CASTA poderá simplesmente escolher o melhor presidente, ainda que retirado da prisão por corrupção, tudo isso para salvar a democracia.
Quando deixado em paz, o povo abestalhado acaba demonstrando um preconceito inaceitável para um mundo mais moderno. Muitos pais, por exemplo, não simpatizam com a ideia avançada de que uma criança de 4 anos possa escolher mudar de gênero. Sim, é verdade que essa criança não pode ainda escolher o que comer, vestir ou a hora de dormir, mas é óbvio que a escolha do gênero é algo mais palatável e natural nesta idade. Se a criança está na dúvida se nasceu no sexo correto e os pais não compreendem a importância de iniciar logo um tratamento hormonal para a desejável mudança, então a CASTA entra em ação para proteger a criança.
Estou apenas contribuindo para o debate de ideias, mas admito a contradição aqui: se minha ideia vingar e a CASTA for realmente criada, aceito naturalmente que não deverei mais ter qualquer ideia independente, por ser um dos abestalhados. A partir do momento em que a CASTA for efetivada, serei imediatamente subjugado e tratado como um imbecil – ainda que o autor da ideia original. Terei, finalmente, um tutor qualificado para pensar por mim, corrigir meus pensamentos equivocados, para que, ao término de um longo período de reeducação, eu possa finalmente pensar como o ministro Alexandre de Moraes. Será a vitória definitiva da nossa democracia!