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Ministério da Saúde de Lula vira balcão de negócios para obter apoio político

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Da Redação

 

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) distribuiu R$ 8 bilhões do Ministério da Saúde para Estados e municípios em troca de apoio político em 2023, atropelando critérios técnicos da pasta e gerando um descontrole no dinheiro destinado a cirurgias e exames, revelou reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

Segundo o jornal, o recurso enviado para algumas cidades superou em mais de 1.000% a capacidade efetiva de atendimento nessas localidades, enquanto outras ficaram sem recurso.

Os R$ 8 bilhões foram distribuídos conforme regras da Portaria 544, de maio de 2023. Inicialmente, eram R$ 3,5 bilhões herdados do orçamento secreto, mas, ao longo do ano, mais dinheiro foi sendo adicionado, como R$ 4,3 bilhões aprovados pelo Congresso para compensar perdas de arrecadação e R$ 241 milhões de emendas de bancada.

Do total, a maior parte (R$ 5 bilhões) foi destinada à alta e média complexidade, que envolve cirurgias, exames e atendimentos médicos mais complexos nos Estados e municípios. O restante foi destinado à atenção básica, que inclui a manutenção de postos de saúde e equipes de agentes comunitários. Ainda não é possível saber em tudo que o dinheiro foi usado. Em vários municípios, o recurso ficou no caixa e não foi gasto nem com exames nem com cirurgias.

Em documentos oficiais, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, negou que os R$ 8 bilhões tenham sido objeto de negociações com parlamentares, mas no Congresso o assunto é tratado com naturalidade. Os encontros aparecem até mesmo na agenda oficial de autoridades da pasta. Integrantes do ministério e parlamentares confirmaram a existência de indicações políticas para destinar os recursos.

Ao alegar emergência e não carimbar as verbas como emendas parlamentares, os recursos de alta e média complexidade superaram o limite estabelecido pelo próprio ministério em 651 municípios, sendo que em 20 deles o teto foi ultrapassado em mais de 1.000%. Os repasses superaram tanto o limite de repasses regulares quanto o de incremento imposto às emendas parlamentares.

Na prática, as prefeituras receberam muito mais dinheiro do que a capacidade para entregar esses serviços. Enquanto isso, outros 1.332 municípios que pediram recursos da mesma portaria não levaram nada.

Os maiores beneficiados foram o governo de Alagoas (R$ 166,5 milhões), o governo do Maranhão (R$ 132 milhões) e a prefeitura de Maceió (R$ 103 milhões), reduto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Só depois aparecem cidades como São Paulo, Teresina e Curitiba. Questionada pelo Estadão, a gestão estadual de Alagoas não respondeu se algum político apadrinhou a verba. O governo do Maranhão e a prefeitura de Maceió não comentaram.

A reportagem revelou que em Goiás, os 1.744 habitantes de São João da Paraúna contam com apenas um posto de saúde e nenhum hospital, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde. O município declarou ter feito 28 mil procedimentos de média e alta complexidade em 2023, incluindo 4 mil exames de urina. A prefeitura recebeu, em novembro, R$ 1,25 milhão para bancar procedimentos de alta e média complexidade por meio da portaria. Rio Verde (GO), por outro lado, com 225,7 mil moradores e uma produção que superou 2 milhões de procedimentos especializados em 2023, pediu R$ 126,7 milhões por meio da mesma portaria para bancar os serviços, mas não recebeu nada.

O valor repassado para São João da Paraúna representa 4.758% do limite autorizado pelo Ministério da Saúde para alta e média complexidade no município em 2023, que era de R$ 26.271,24. Como o dinheiro foi classificado como emergencial, atropelou esse teto. A parcela supera tudo que a administração municipal gastou com assistência hospitalar e ambulatorial em 2023 (R$ 187 mil) e também tudo que o município planejou gastar com esses serviços no orçamento de 2024 (R$ 452 mil).

O prefeito da cidade, Ubirajara Antônio Duarte Júnior (União), disse ao Estadão que aproximadamente R$ 100 mil, ou seja, menos de 10% do valor recebido, foi usado até o momento. Ele afirmou que o município tem condições de gastar porque há uma fila de espera por exames e cirurgias e contestou a informação que o dinheiro supera a capacidade de atendimento. “Onde tem gestão, tem capacidade, onde tem desvio é que não tem. Se você vier aqui, vai ver que a cidade é um paraíso”, afirmou. O prefeito ficou de repassar detalhes sobre os procedimentos realizados, mas não enviou.

Filadélfia (TO), com 7,7 mil moradores, recebeu R$ 1 milhão de forma emergencial – mas, segundo o próprio Ministério da Saúde, a localidade só tinha autorização para receber até R$ 4,3 mil. O repasse, portanto, ficou 23.215% acima do teto. Desde que recebeu o dinheiro, a prefeitura informou ter gastado R$ 485,8 mil com atenção especializada no município, menos da metade do dinheiro enviado pelo governo de forma emergencial. Procurada, a prefeitura de Filadélfia não se manifestou. No mesmo ano, Taguatinga (TO), com 14 mil habitantes, também com um hospital, tinha um teto de R$ 1 milhão e pediu recursos para a pasta de Nísia Trindade, mas não recebeu nada.

Bom Jesus do Galho, um município de 14,5 mil habitantes em Minas Gerais, tem um hospital e sete postos de saúde. Oficialmente, a cidade não tinha autorização para receber nenhum recurso para o custeio de alta e média complexidade no ano passado, mas conseguiu R$ 1,14 milhão da portaria. Enquanto isso, Itabira (MG), com uma população de 113 mil habitantes, três hospitais e 26 postos de saúde, não recebeu nenhum recurso emergencial, mesmo tendo solicitado R$ 48 milhões ao Ministério da Saúde para custear os serviços. A prefeitura de Bom Jesus do Galho não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A distribuição do dinheiro foi comandada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, padrinho da ministra da Saúde no cargo. No papel, o repasse se deu a partir de propostas feitas por Estados e municípios, avaliadas pelos técnicos do ministério. Na prática, prevaleceu a barganha com o Congresso, sob comando de Padilha e com atendimentos ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem coube fazer o rateio entre deputados.

Na Secretaria de Relações Institucionais, quem toca o dia a dia da relação com o Ministério da Saúde é o médico pernambucano Mozart Sales, amigo de Padilha desde os tempos de movimento estudantil e hoje assessor especial do ministro. Do lado do Ministério da Saúde, a relação é com o secretário-executivo Swedenberger Barbosa, o Berge, quadro histórico do PT, ligado a Lula e ao ex-ministro José Dirceu.

Ao longo de 2023, o Ministério da Saúde se recusou a divulgar a lista das propostas que foram “apadrinhadas” por congressistas, dentro da Portaria 544. Em resposta a um pedido da Lei de Acesso à Informação (LAI), no dia 04 de outubro, Nísia Trindade negou que as verbas fossem negociadas com o Congresso sistematicamente.

O Ministério da Saúde afirmou ao Estadão que os repasses atenderam propostas apresentadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios e não se submetem aos limites estabelecidos para o financiamento desses serviços em cada município. A pasta não respondeu, no entanto, qual foi a emergência considerada para classificar os recursos como emergenciais.

 

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