(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 23 de maio de 2024)
A “justiça eleitoral”, um mamute burocrático que não existe em nenhuma democracia séria do mundo, e engole dinheiro público na base de 1 bilhão de reais por mês, resolveu salvar o mandato do senador Sergio Moro. Altas análises de ciência política estão sendo feitas em torno da decisão, com teoremas sobre o “tensionamento” das relações com o Senado Federal, ou sobre o “distensionamento” etc. etc., mas a pergunta fundamental nunca é feita: por que as eleições no Brasil são um caso de Justiça ou de polícia?
Países realmente democráticos nunca precisaram de um negócio desses; fazem eleições livres, contam os votos e a vida vai adiante. Aqui as eleições não acabam nunca – talvez porque nunca comecem de verdade, como exige a democracia. O importante, nas eleições brasileiras, não é o voto dos cidadãos. É o que acha a “justiça eleitoral”. O resultado pode valer, pode não valer. Está sujeito a 27 tribunais regionais diferentes, mais um tribunal eleitoral supremo. Tem de sobreviver a recursos, agravos, embargos e sabe lá Deus mais o que. O senador Moro, um ano e meio depois de ser eleito, vai poder enfim começar o seu mandato.
O extraordinário, nessa e em todas as histórias do mesmo tipo, é que as “instituições brasileiras” consideram a coisa mais normal do mundo o cidadão ter 2 milhões de votos, como no caso de Moro, e ser demitido do cargo para o qual foi eleito. A população diz que quer uma coisa. Os burocratas do TSE, que não receberam o voto de ninguém, querem outra. O que vale é a vontade dos peixes graúdos do sistema eleitoral. E os eleitores? Perderam, manés.
O senador foi salvo, mas não por um ato de justiça – e nem poderia ser, quando se leva em conta que os TREs, o TSE, os seus cartórios eleitorais, juízes, analistas judiciários etc. são uma organização política, e não um ambiente judicial. Foi salvo porque se tornou do interesse político do STF, que controla essa coisa toda, manter o seu mandato. Queriam, na verdade, dar um fim em todos os processos penais do empresário Marcelo Odebrecht. Acharam, pelo jeito, que pegava mal erguer esse monumento à impunidade e, ao mesmo tempo, anular os votos de 2 milhões de eleitores do Paraná. Ficaram com o monumento à impunidade.
Poderia ser o contrário. Há pouco, a mesma “justiça eleitoral” cassou o mandato do deputado Deltan Dallagnol, também do Paraná, e também por delitos inexistentes. Foram aí para o espaço, com a facilidade com que se liga um forno de micro-ondas, os 350.000 votos que os paranaenses deram a ele nas últimas eleições. Não havia na ocasião um Marcelo Odebrecht a ser salvo; o TSE, então, cumpriu a operação de vingança que o consórcio Lula-STF estava exigindo contra Dallagnol. Estuda, agora, se vai exterminar ou conceder graça ao senador Jorge Seif, de Santa Catarina, eleito com outros 1,5 milhão de votos na eleição de 2022.
O procedimento é sempre o mesmo, e só se aplica a candidatos da direita. Inventam alguma coisa contra o eleito que querem linchar, tanto fazendo se é verdade ou não, e cassam o mandato. No caso de Moro, descobriram que era preciso “prova robusta” para aplicar seu decreto de condenação. No caso de Dallagnol, não se interessaram por prova nenhuma. Em ambas as ocasiões, mostraram que o voto popular só vale se for aprovado por eles.