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Não é curioso como damos ao mundo natural um significado e um objetivo? Consideramos o cuco e a cascavel como maus, mas o panda gigante como bom. Mesmo os evolucionistas mais severos recorrem frequentemente a uma linguagem que sugere que a evolução é uma espécie de deus: A evolução decidiu isto, ou a evolução decretou aquilo. Não conseguimos tirar o objetivo da nossa mente, mesmo quando acreditamos firmemente que não existe nenhum.
Ontem à noite, passei uma hora a observar uma abelha que tinha sido apanhada por um único fio, ao que parecia, de uma teia de aranha. A abelha debatia-se para se libertar, mas quanto mais se debatia, mais presa ficava. É estranho que a abelha, tão grande e aparentemente poderosa em comparação com o fio, não tenha conseguido escapar. Mas a teia de aranha é o material mais forte que se conhece, peso por peso; e a abelha, zumbindo de vez em quando, prendeu uma perna e uma asa noutro fio.
Devo salvá-la ou deixar a natureza seguir o seu curso? O que teria sido bom para a abelha teria sido mau para a aranha, que estava escondida no loureiro, a aguardar o seu momento. As abelhas são boas, claro, por estarem tão ocupadas, e as aranhas são más, por serem tão astutas, dissimuladas e venenosas. E a abelha estava a sofrer, ou as suas lutas eram apenas a resposta automática de um mero mecanismo? É certo que, com a sua luta, parecia valorizar a sua própria vida, mas isso é puro antropomorfismo no seu sentido mais sentimental.
E, no entanto, se encontrássemos uma criança a arrancar as pernas e as asas de uma abelha, não lhe diríamos para parar? Porque é que a mandaríamos parar? Para salvar a abelha de mais sofrimento? Macaulay disse que os puritanos proibiam a caça ao urso não porque provocasse dor ao urso, mas porque dava prazer aos espectadores; penso que se aplica aqui uma razão semelhante.
A criança que tortura um inseto, pensamos, está a retirar prazer da sua crueldade e, uma vez que o hábito se torna caráter, queremos cortar essa crueldade pela raiz antes que se torne habitual e depois caracterológica. O fato é que, infelizmente, existe uma larva de crueldade na maioria dos corações humanos, e não queremos que ela se desenvolva na imago da crueldade.
Deveria ter salvado a abelha? Não o fiz, embora este ano haja muito poucas abelhas na França, e os insetos em geral sejam muito menos do que o habitual. Este ano não haverá mel, assim nos diz o nosso apicultor, então ele provavelmente beberá ainda mais pastis do que o habitual (ele vai ao café com a mesma regularidade com que Immanuel Kant passeava em Königsberg). Se alguém na Europa estiver a ler isto, aconselho-o a comprar contratos futuros de mel, se é que esses instrumentos financeiros existem, porque o preço do mel verdadeiro – e não da variedade artificial chinesa que entrou no mercado – vai subir em breve, como subiu o ouro.
Quanto às razões da penúria dos insetos, o apicultor disse que era multifatorial (usou mesmo essa palavra). As abelhas foram atacadas por uma invasão de vespas asiáticas, outra importação chinesa, que as comem. Se virmos um ninho de vespas asiáticas, temos de chamar o oficial local especial dedicado à sua eliminação. As vespas europeias, pelo contrário, são uma espécie protegida e não é permitido destruir os seus ninhos, ou mesmo indivíduos, a menos que representem uma ameaça direta, o que raramente acontece, exceto na imaginação.
Mas voltemos à abelha presa. Decidi que uma abelha a menos, mesmo nestes dias sem abelhas, não faria diferença, e a verdade é que achei o espetáculo fascinante, por isso não fiz nada. Passada uma hora, fui fazer outra coisa e, passada outra hora, voltei ao local: a esta altura, a abelha já estava exausta e quase desistiu da luta.
Ocorreu-me que a teia poderia estar desabitada, como as casas de uma cidade em declínio terminal, mas quando, na manhã seguinte, voltei, a aranha estava lá. A abelha parecia agora um cadáver carbonizado ou mumificado, muito seco; a aranha parecia rechonchuda e próspera, bem alimentada. Presumivelmente, tinha sugado os sucos da abelha depois de esta ter ficado imóvel devido ao veneno e à exaustão.
A aranha era muito bonita (para uma aranha). Quanto mais a sul se vai – no hemisfério norte – mais vívidas se tornam as pequenas criaturas. Peguei no meu livro de aranhas para a identificar, sendo a paixão pela identificação mais uma estranha peculiaridade humana, como a de infundir um objetivo ao mundo, e como se a identificação fosse um conhecimento em si. A aranha era a Aculepeira ceropagia, que tece as suas teias nos arbustos e tem uma pequena cúpula escondida onde pode se refugiar até a barra estar limpa. Injeta na sua presa um veneno que a paralisa e que contém também sucos digestivos. Curiosamente, é onívora, no sentido em que se pensa que um quarto da sua alimentação é constituído por pólen, cujos grânulos são grandes demais para terem chegado ao trato digestivo das aranhas por acidente. (Como admiro os investigadores que pacientemente estudaram a criatura e deduziram este fato!)
A aranha podia ser muito bonita, mas mesmo assim não conseguia simpatizar com ela. A sua beleza era insidiosa, embora não tão má como as pequenas aranhas brancas que temos e que parecem saídas de Edgar Allan Poe. Como é que cheguei à conclusão sub-Orwelliana de que seis pernas (insetos) são boas, oito pernas (aracnídeos) são más, não sei, mas cheguei a essa conclusão há muito tempo. (Não estou sozinho. Ninguém nunca fez um filme sobre a Invasão dos Besouros Gigantes). Não podemos explicar totalmente quem somos e como chegamos a ser como somos.
Devia ter salvo a abelha? A minha primeira inclinação foi para o fazer, por razões morais. Afinal de contas, a armadilha tem uma conotação ruim. Na Grã-Bretanha é ilegal, nos Estados Unidos não é exatamente ilegal, mas também não é tido na mais alta estima. A abelha não estava fazendo nada de errado quando tocou no fio da teia. Pelo contrário, estava espalhando o pólen e coletando néctar.
Mas o mundo não é um vasto jogo de moralidade. Moralizá-lo demais é tão tolo quanto submoralizá-lo. Não há alternativa ao julgamento.
Theodore Dalrymple é médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina.
*Publicado originalmente na Taki’s Magazine