Moraes usou TSE fora do rito para investigar apoiadores de Bolsonaro no STF
Da Redação
O gabinete do ministro Alexandre de Moraes ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões do próprio ministro contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no inquérito das fake news durante e após as eleições de 2022. As informações são do jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso a mensagens e áudios trocados entre assessores de Moraes.
A reportagem revelou que o setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria sido usado como uma espécie de braço investigativo do gabinete do ministro para a investigação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2022, Moraes era o presidente do TSE. Os relatórios produzidos na Corte eleitoral teriam sido utilizados para subsidiar o inquérito das fake news no STF em casos relacionados ou não às eleições presidenciais.
A Folha teve acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp entre assessores do ministro que atuam ou atuavam tanto na equipe do Supremo quanto do TSE.
Conforme a publicação, o maior volume de mensagens ocorreu entre o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, o perito criminal que comandava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE na ocasião.
Nas mensagens, Vieira teria pedido informalmente ao funcionário do TSE relatórios contra aliados de Bolsonaro. A situação teria ocorrido em investigações contra o jornalista Rodrigo Constantino e o ex-apresentador da Jovem Pan, Paulo Figueiredo.
Eles eram investigados no âmbito do inquérito das fakes por questionar a segurança do sistema eletrônico de votação à época. As mensagens apontam que o gabinete do ministro solicitou relatórios do TSE de maneira informal em ao menos duas dezenas de casos.
As informações obtidas pelo TSE eram encaminhadas ao STF e seriam usadas como base para decisões contra os apoiadores do então presidente.
“Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando”, diz Vieira em áudio enviado a Tagliaferro às 23h59 do dia 28 de dezembro de 2022.
Nessa data, o processo eleitoral já havia acabado e, em tese, o TSE não precisaria mais atuar. No mesmo dia, o juiz instrutor teria solicitado relatórios sobre postagens de Constantino. “É melhor por [as postagens], alterar mais uma vez, aí satisfaz sua excelência”, acrescentou Vieira.
Já na madrugada do dia 29 de dezembro de 2022, o assessor do TSE argumentou que a primeira versão do relatório tinha dados suficientes, mas disse que incluiria as postagens indicadas pelo juiz instrutor.
“Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, responde Vieira.
No início de 2023, duas decisões foram produzidas com base no relatório enviado de maneira supostamente espontânea. Nelas, Moraes determinou a quebra de sigilo bancário de Constantino e Figueiredo, o cancelamento de seus passaportes, bloqueio de redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela Polícia Federal.
A Folha divulgou um print de uma das conversas entre Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro. A imagem mostra uma mensagem que teria sido enviada pelo próprio Moraes com postagens de Constantino ao juiz instrutor.
“Peça para o Eduardo analisar as mensagens desse [Constantino] para vermos se dá para bloquear e prever multa”, diz a mensagem atribuída ao ministro, cujos prints foram enviados a Tagliaferro. “Já recebi” e “Está para derrubada”, responde o assessor do TSE em duas mensagens.
Em 2019, o ministro Dias Toffoli abriu o inquérito das fake news e indicou Moraes como relator. O plenário da Corte referendou o inquérito no ano seguinte. A forma como a investigação é conduzida é criticada por juristas.