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O trabalho do atual CNJ é perseguir juízes que não são dóceis a Moraes

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(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 22 de agosto de 2024)

 

É raro passar muitos dias seguidos, hoje em dia, sem que o noticiário registre mais uma agressão do sistema judicial contra a lei, a lógica e a própria ideia de justiça. É um B.O. permanente, aberto cinco anos atrás com a substituição do ordenamento legal do Brasil pela vontade, a fé e os interesses de indivíduos que ocupam, por nomeação, os galhos mais altos do Poder Judiciário. Nunca mais fechou, e nem dá sinais de que venha a fechar um dia – ao contrário, como ocorre com as doenças degenerativas, vai destruindo cada vez mais o organismo atingido por elas.

Um dos agentes mais agressivos da presente escalada contra a ordem jurídica é o Conselho Nacional de Justiça, órgão que é pago pelo cidadão brasileiro para fiscalizar a conduta dos membros do aparelho judicial. Não fiscaliza nada do que deveria fiscalizar – ou pior, fiscaliza e sempre, sem falhar nunca, premia o infrator. Deu, agora, para perseguir os magistrados que não submetem suas sentenças aos desejos da facção política comandada pelo STF, em geral, e pelo ministro Alexandre de Moraes, em particular. Ou seja: é ruim de um lado e pior do outro.

O CNJ do Brasil de hoje, para se fazer um resumo da sua transformação em sanatório geral, tem juízes amigos e inimigos. Em seu surto mais recente de hiperatividade, envolvendo as duas categorias de magistrados, serviu como escritório de advocacia para o juiz instrutor Airton Vieira e o juiz auxiliar Marco Antônio Vargas, que servem nos gabinetes de Moraes, no STF, e na presidência do TSE – quando ele estava lá. Vieira, conforme se viu nas gravações de suas conversas sobre assuntos de trabalho, obtidas pelos jornalistas Glenn Greenwald e Fábio Serapião e publicadas pela Folha de S. Paulo, recomendou que um servidor da polícia eleitoral comandada pelo ministro usasse a sua “criatividade” para fabricar provas. Vargas, por sua vez, disse o seguinte: “Dá vontade de mandar uns jagunços pegar esse cara na marra e botar num avião brasileiro”. Esse “cara” é o jornalista Alan dos Santos, exilado nos Estados Unidos para não ser preso pelo STF. Moraes insiste em dar ordens de extradição contra ele – apenas para se ver ignorado tanto pela Interpol, como pelo governo americano. Nenhum dos dois faz prisões políticas.

São comportamentos aberrantes para um juiz de Direito, e o Partido Novo pediu que o CNJ, que está aí para coibir justamente essas aberrações, abrisse uma investigação sobre a ocorrência. Em cinco minutos, sem verificar nada, o corregedor nacional Luís Felipe Salomão mandou arquivar o pedido; segundo ele, não houve “má fé” em nada do que está descrito aí acima. Em compensação, o mesmo CNJ e o mesmo Salomão montaram um pelotão de fuzilamento contra os juízes José Gimenes, do Paraná, e Ana Cristina Vignola, de São Paulo. Gimenes, juiz em Maringá, está sendo processado no CNJ por ter decidido favoravelmente o pedido de indenização de um censurado do ministro Moraes nas redes sociais. Ana Cristina está sendo processada por falar mal de Lula na campanha eleitoral de 2022 e por acusações de “preconceito, homofobia e racismo”. Já tinham, antes, excluído da magistratura a juíza Ludmila Grilo, de Minas Gerais, por declarações contra o governo e o STF.

No seu manifesto em defesa dos juízes do STF e do TSE, o corregedor Salomão diz que é preciso respeitar a “independência” dos magistrados – a história da criatividade e dos jagunços, segundo ele, está protegida por este princípio. Já no caso do juiz de Maringá, que apenas deu uma sentença legítima, plenamente dentro de suas atribuições, a independência não se aplica.

A sentença, como qualquer outra, pode estar equivocada – e, nesse caso, está sujeita à reforma em instância superior. Mas o problema não é esse. A decisão irritou o ministro Moraes e isso, no manual do CNJ, é crime de lesa-pátria. O Rei Salomão da Bíblia, apontado há 3.000 anos como o juiz mais justo da história humana, decidiu dividir o bebê em dois, como é bem sabido, para separar a mãe falsa da mãe verdadeira. O Salomão que temos hoje na justiça brasileira não quer saber desses detalhes. Sempre entrega o bebê, direto, para o STF.

 

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